Há uns anos, ao ver os primeiros episódios da série Girls (tão recente e já tão imitada que até fica difícil recordar quão inovadora foi), lembrei-me de O Animal Moribundo, de Philip Roth. A certa altura, o professor David Kepesh afirma:
Enquanto cresci, o homem não era emancipado no reino sexual. Era um homem de segunda apanha. Era um ladrão no reino sexual. Surripiávamos uma apalpadela. Roubávamos sexo. Adulávamos, suplicávamos, lisonjeávamos, insistíamos - todo o sexo exigia luta, tinha que ser disputado aos valores, senão à vontade da rapariga.
Mais tarde, referindo-se à actualidade (de 2001), acrescenta:
Aparecem antigas namoradas de há vinte e trinta anos. Algumas já se divorciaram numerosas vezes e outras têm andado tão ocupadas a afirmarem-se profissionalmente que nem tiveram a oportunidade de casar. As que ainda estão sós telefonam-me para se queixarem daqueles com quem se encontram. Os encontros são detestáveis, os relacionamentos são impossíveis, o sexo é um risco. Os homens são narcisistas, não têm sentido de humor, são doidos, obsessivos, autoritários, grosseiros, ou então são muito bem-parecidos, viris e cruelmente infiéis, efeminados, ou são impotentes, ou são simplesmente demasiado estúpidos. (*)
A abordagem da revolução sexual ocorrida na década de 1960 é quase sempre feita partindo da perspectiva feminina. Antes de qualquer outra análise, salienta-se o modo como a pílula e a evolução dos costumes libertaram as mulheres para o sexo sem (demasiados) receios. Mas a liberdade feminina também representou o fim da submissão masculina a qualquer tipo de compromisso. O facto de, ao longo das últimas décadas, as mulheres terem exigido e obtido não apenas o mesmo estatuto no que respeita ao sexo, mas poder total sobre os seus corpos - incluindo o de terminar gravidezes indesejadas - foi extraordinariamente libertador para os homens. O esforço de cortejar, apoiar, assumir responsabilidades tornou-se-lhes opcional, em especial quando favorecidos pelo sorteio genético (i.e., quando atraentes). Nem sequer as regras do politicamente correcto - em muitos sentidos, a prisão dos tempos actuais - os forçam ao que quer que seja: adquirida a igualdade, as mulheres perderam o direito a queixarem-se de terem sido iludidas. Durante séculos, no mundo «civilizado», os homens viram-se obrigados a conjugar instintos e convenções sociais. Agora, estão livres para dar largas ao egoísmo. Às acusações de insensibilidade, podem responder que se limitam a «dar espaço» às mulheres; que estão a «respeitar» a «autonomia» delas.
Nos primeiros tempos de Girls, esta realidade saltava à vista. Hannah desesperava com a passividade de Adam. Para ele, a relação apenas parecia existir enquanto decorria o acto sexual. Em todos os outros momentos, Hannah sentia-se esquecida: ele não telefonava, não respondia às mensagens, demonstrava indiferença quando a encontrava. Fleabag, uma série de 2016 produzida pela BBC e pela Amazon, escrita e interpretada por Phoebe Waller-Bridge, atinge um novo extremo. Apresenta uma mulher que parece vogar entre relações sexuais sem significado (mas não sem consequências), nas quais se submete (sem ser explicitamente forçada) a actos que tem dificuldade em racionalizar. Tudo estaria bem se não as usasse como forma de evitar enfrentar o vazio e a infelicidade que a dominam. Fleabag vai tão longe que se permite incluir um indivíduo nada atraente e bastante irritante no séquito de homens que não têm qualquer dificuldade em ir para a cama com ela.
Sejamos francos: nas últimas décadas, o sexo tornou-se um produto de consumo como qualquer outro; mais uma forma semidescartável de sentir algo, totalmente desligada de sentimentos profundos. Em 1975, Woody Allen afirmava: «O amor é a resposta, mas enquanto se espera pela resposta, o sexo coloca perguntas interessantes.» A resposta continuará a mesma, mas as perguntas parecem ter vindo a perder interesse. Se a consequência óbvia de tanto desejo de independência (por parte das mulheres como por parte dos homens) é a solidão, a consequência óbvia de tanto sexo (real, imaginado, visualizado em ecrãs e na rua) só pode ser a banalização do acto e dos termos que se lhe referem. Em Os Livros que Não Escrevi, George Steiner dedica um capítulo à linguagem do erotismo. Considera-a - como ao próprio acto - cada vez menos subtil, mais baseada nos códigos instituídos pelo cinema, pela televisão, pela publicidade. Escreve ainda: Será fascinante descobrir os novos factores de complexidade e os contributos enriquecedores que poderão vir das correntes feministas. Produziram já uma poesia poderosa e uma prosa acusadora. Poderá a sua política da sensibilidade ser causa de novas orientações e de uma criatividade nova nos dialectos do amor? Até ao momento, os indícios nesse sentido são marginais. O que parece prevalecer entre as mulheres emancipadas é a adaptação, quase desdenhosa, do que eram a obscenidade e a licenciosidade clandestina do discurso masculino.(**)
Talvez não apenas do discurso. Talvez de todo o comportamento. Sexualmente, as mulheres parecem-se cada vez mais com os homens. Mas isso - a acreditar em exemplos como Girls e Fleabag, eles próprios, será conveniente ressalvá-lo, provenientes da cultura cinematográfica e televisiva - não parece torná-las felizes. À liberdade, que neste campo tende a equivaler a quantidade, contrapõe-se a estandardização (nada é novo, pouco permanece tabu), e o novo poder masculino: um egoísmo assumido, que a igualdade torna inatacável.
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(*) Edição Dom Quixote, 2006, p. 61 e 91, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.
(**) Edição Gradiva, 2008, p. 132, tradução de Miguel Serras Pereira.
De pé em frente a um palanque vazio. Perguntas de eleitores que divagam e se repetem antes de chegarem ao ponto de interrogação. Vídeos e musiquinhas com letras tão profundas quanto aforismos de telenovela. Deslocação do entrevistado para vários pontos do cenário, sem justificação aparente, de que resultam problemas com a iluminação. Bloqueio da imagem do entrevistado por colocação do entrevistador diante da câmara. Acompanhamento do entrevistado «à saída», com mais uma pergunta e uma resposta a meio do caminho, em posição totalmente forçada. Questões extra no cenário habitual dos noticiários, antecedidas da transmissão da entrada do entrevistado no estúdio e da colocação do microfone na sua roupa. Cumprimentos pouco naturais para aqui, despedidas artificiais para ali.
Só me conseguia lembrar do gestor do canal televisivo na série Borgen que insistia em transformar as entrevistas e os debates políticos em espectáculos. Com uma diferença: na ficção dinamarquesa, alguém tinha o bom senso de recusar o ridículo; na realidade portuguesa, ele é abraçado entusiasticamente.
Star Wars contra Star Trek.
Seth MacFarlane explica a origem das vozes de algumas personagens da série Family Guy e adapta a mensagem do filme Taken, na qual a personagem interpretada por Liam Neeson ameaça os raptores da filha, à voz do sapo Cocas, dos Marretas.
Anne Hathaway ensina como fingir o efeito de gravidade zero. Decididamente, os filmes têm efeitos especiais cada vez mais complexos.
Keira Knigthley e Samuel L. Jackson falam de expressões e cenas de sexo. Gosto do momento em que ele refere ser conveniente pedir antecipadamente desculpa às actrizes para a eventualidade de se ficar excitado e também para a eventualidade de não se ficar excitado.
Emma Thompson desafia Lenny Kravitz a provar que o corpo que surge na capa do álbum é mesmo o dele. Hugh Grant mantém a fleuma.
Sabes, Raylan, eu aprendi a pensar sem discutir comigo mesmo.
Boyd Crowder, vilão da série televisiva Justified.
Sem ilusões de que o atraso seja de algum modo fashionable, ando a ver The Wire (vou na quinta e última série de episódios e, sim, trata-se provavavelmente da melhor série televisiva de todos os tempos*). No início da terceira temporada, a polícia não consegue obter resultados das escutas porque, para além de trocarem de telemóvel com regularidade, os traficantes de droga, em especial nos níveis médios e elevados da organização, são extremamente cuidadosos acerca do que dizem ao telefone. Numa tentativa de contornar o problema, a polícia arranja forma de prender uma chefia intermédia, na esperança de ver promovido ao seu posto um familiar de um tipo importante, com tendência para falar demais. Quando o plano é apresentado, um dos polícias pergunta: «Mas porque hão-de eles promover um incompetente?» A resposta é: «Porque não? Nós fazemo-lo todos os dias.»
O plano acaba por não dar certo porque os traficantes são afinal mais espertos do que a hierarquia da policia (ou das muitas outras organizações onde a cunha vence o mérito) e não promovem o idiota. Mas, para mim, este nem é o ponto mais curioso. O ponto mais curioso é eu contar isto à frente de chefias e elas esboçarem trejeitos de compreensão e rirem-se com um prazer que parece genuíno.
* O início do primeiro episódio, para quem nunca tiver visto (ou, tendo visto, quiser relembrar):
E depois, claro, quando os números recolhidos formam uma tendência, a Netflix sabe o que fazer:
For almost a year, Netflix executives have told us that their detailed knowledge of Netflix subscriber viewing preferences clinched their decision to license a remake of the popular and critically well regarded 1990 BBC miniseries. Netflix’s data indicated that the same subscribers who loved the original BBC production also gobbled down movies starring Kevin Spacey or directed by David Fincher. Therefore, concluded Netflix executives, a remake of the BBC drama with Spacey and Fincher attached was a no-brainer, to the point that the company committed $100 million for two 13-episode seasons.
Bem-vindos pois à versão moderna de House of Cards. Mas qual o problema, se de tudo isto resultou uma excelente série? O problema é a tendência para se formar um círculo vicioso, em que cada vez mais é fornecido às pessoas aquilo de que elas já gostam, sendo escritores, realizadores, actores, editores, etc, obrigados a trabalhar de acordo com guias bem estabelecidos. Onde fica a criatividade de quem faz e os prazeres inesperados de quem vê? Onde fica o risco de quem produz e o alargar de horizontes de quem assiste? Não sei. De qualquer modo, sejamos francos: há uma parte da população que há muito (talvez desde sempre) recusa qualquer esforço no consumo de televisão, alimentando-se de novelas, todas iguais, todas recheadas de clichés, de concursos e de talk shows básicos. Nesse sentido, que as estatísticas da Netflix a tenham conduzido a House of Cards, a Spacey e a Fincher até pode ser considerado um sinal positivo do nível de exigência médio dos espectadores dos serviços de TV por subscrição. E em muitas séries da HBO também existem, de forma nada inocente, temas recorrentes: a nudez, a violência. Mas nada disto elimina completamente o risco de uniformização excessiva, de formatação. E depois há outros riscos: desde logo, o de manipulação – e não somente por parte de canais televisivos:
The Obama campaign used the same kind of number crunching to target voters with more accuracy than any political campaign had ever accomplished before. Online advertisers are also gathering vast amounts of detailed information about us from our smartphones, our Facebook likes and our Google searches.
[…]
The companies that figure out how to generate intelligence from that data will know more about us than we know ourselves, and will be able to craft techniques that push us toward where they want us to go, rather than where we would go by ourselves if left to our own devices. I’m guessing this will be good for Netflix’s bottom line, but at what point do we go from being happy subscribers, to mindless puppets?
1. Ajudada pela restante comunicação social, pouco interessada no aumento da concorrência, e pelo Partido Socialista (já lá vamos), a RTP tem-se esforçado por passar a ideia de que dá lucro. Não dá. A RTP, cuja situação financeira na última década melhorou muito mais à custa de transferências obscenas de dinheiro público do que por mérito próprio (ainda que algum seja de admitir), exige anual e directamente (isto é, sem as transferências do orçamento do Estado) 140 milhões de euros aos contribuintes. Uma empresa que necessita de injecções anuais de dinheiro dos accionistas não dá lucro. Aliás, seguindo esta lógica, seria sempre possível fazer com que a RTP desse lucro: bastaria ir ajustando a taxa do audiovisual na proporção adequada.
2. Politicamente, a actuação do governo tem sido desastrosa: hesitante, incoerente, fazendo avançar quem se devia manter em silêncio e recuar quem devia dar a cara; já a actuação do PS tem sido simplesmente vergonhosa: sabemos que as promessas são baratas e que o povo costuma apreciá-las, mas contestar soluções como se os problemas não existissem é a táctica mais básica que um partido pode utilizar. A parte positiva é nem valer a pena perder muito tempo com as intenções de Seguro e companheiros: tão cedo não haverá dinheiro para repor o que quer que seja.
3. A RTP é um luxo demasiado caro para um país falido, mesmo no cenário cor-de-rosa (perdão: cor-de-laranja) de «só» lhe custar 140 milhões de euros por ano. Mas, ainda que os portugueses aceitassem continuar a pagá-los para receber parte daquilo que a RTP hoje lhes fornece (e apenas parte, visto o cenário do «equilíbrio» pressupor apenas um canal), o risco de derrapagens futuras, que, seja qual for o modelo escolhido (de concessão a privados ou de empresa pública), o contribuinte acabaria pagando, é demasiado real. Também por isso se torna crucial diminuir o nível de custos.
4. A Constituição Portuguesa, esse texto pejado de incongruências que, nas actuais circunstâncias, o PS, necessitado de parecer um partido de esquerda, nunca aceitará rever, obriga a que exista um serviço público televisivo. Fica assim estabelecido um custo para os contribuintes. Resta saber o que é isso de «serviço público», para depois se poder avaliar quanto dinheiro é preciso. Constituirá a informação serviço público quando ela está disponível noutros canais e é cada vez mais obtida por outros meios? E as novelas? Os concursos? Os programas humorísticos? As transmissões de jogos de futebol (e de tudo o que os antecede e das intermináveis análises que se lhes seguem)? Programas de música como o Top Mais? E, permitam-me uma pergunta de algibeira, que canal associariam mais depressa a documentários de qualidade, a RTP1 ou a SIC? No fundo, da programação actual da RTP1, o que não se obtém noutros canais de sinal aberto? O Prós e Contras? OK, salvemos a Fatinha. Constatada esta realidade, torna-se muito mais fácil chegar aos únicos modelos simultaneamente lógicos e que permitem poupar dinheiro aos contribuintes.
5. Com esse ou outro nome, a RTP2 permanece um canal público, dedicando-se essencialmente a conteúdos alternativos: filmes antigos e/ou pouco comerciais, teatro (por que desapareceu dos ecrãs?), música, documentários, debates, magazines de divulgação cultural, desporto amador, etc. Talvez um par de espaços informativos por dia mas com imagens que poderiam muito bem ser fornecidas pelos operadores privados (por acordo entre estes, concurso público, whatever). Custando actualmente a RTP2 cerca de 40 milhões de euros, não há razões para o novo canal custar muito mais (até porque, não concorrendo verdadeiramente com os privados, deveria estar livre para recolher algumas receitas publicitárias). Mas, considerando ainda outros custos (por exemplo, a questão da manutenção do arquivo da RTP), admitamos como razoável um orçamento de 60 a 70 milhões de euros. Este valor permitiria não só evitar transferências do orçamento de Estado como reduzir para metade a taxa do audiovisual, o que, para um governo que começou por alardear convicções liberais, devia constituir um incentivo (antes) e um motivo de orgulho (depois).
6. Resta a questão da RTP1, para a qual há duas soluções: privatização ou fecho. Pessoalmente, gostaria de ver o mercado funcionar; se o Estado conseguisse uma oferta razoável, excelente (não estamos em tempo de desperdiçar dinheiro). Mas, claro, isso exigiria aceitar a hipótese de um canal televisivo de acesso geral vir a ser controlado por estrangeiros (sejamos directos: por angolanos) e de o mercado publicitário não chegar para todos os players (é assim que se diz, não é?). Como, por cá, preferimos «almofadar» as decisões e não chatear empresários instalados, talvez a melhor opção seja partir desde já para o encerramento. Necessitando o novo canal público de muito menos gente, de muito menos equipamento e de instalações muito mais modestas (boa parte dos conteúdos deveria ser contratada a empresas externas, de modo a permitir ajustar mais facilmente os gastos ao orçamento disponível), as indemnizações aos funcionários da RTP seriam compensadas pela venda do edifício e do equipamento da RTP.
7. Nah, por agora chega.
A forma interessa-me pouco. De resto, que a hipótese tenha sido avançada por António Borges parece-me mais um modo (tristemente infantil mas também tristemente comum) de a testar do que um verdadeiro anúncio. O conteúdo, esse interessa-me bastante mais. Não sendo contra o princípio da concessão do serviço público, tenho uma dúvida: extinta a RTP 2 (que custa 40 milhões por ano mas, apesar de inúmeras falhas, ainda se percebe ter uma programação alternativa), o que constituiu afinal o serviço público de televisão? Por outras palavras: os portugueses vão entregar os 150 milhões de euros da taxa do audiovisual à Ongoing (perdão: ao consórcio vencedor) para garantir exactamente o quê?
Nas cartas dirigidas a Flaubert, muitas delas de uma sã crueza de linguagem, Maupassant mostra-se orgulhoso da sua virilidade excepcional e chega a confessar-se farto de sodomizar judias!... A resposta foi simples: «experimenta pelo lado tradicional e pode ser que o teu tédio desapareça».
João Costa, no prefácio a As Sobrinhas da Viúva do Coronel, de Guy de Maupassant, Bertrand, 2007.
Será possível acharmos que vivemos numa época especialmente sexual – isto é, em que se faz mais sexo do que noutros tempos e de formas mais criativas? A década de sessenta, com a libertação feminina, o amor livre, o make love not war e o sex, drugs and rock ‘n’ roll, bem como a representação cada vez mais displicente (e inconsequente) do acto sexual na televisão e no cinema terão provavelmente contribuído para tal sensação. Mas corresponderá ela à realidade? Infelizmente, sendo, por um lado, os inquéritos sobre a frequência e os hábitos sexuais o que eram nos séculos anteriores ao último (inexistentes talvez seja o termo que procuro) e, por outro, os humanos (especialmente se possuidores de um cromossoma Y) propensos a mentir quando questionados sobre estas matérias, não é fácil ter certezas. Mas julgo podermos afastar desde já a hipótese de sermos mais criativos. Se as confissões de Maupassant, afloradas acima (e confesso tê-las usado essencialmente para vos chamar a atenção), não constituem grande indicador, há milhares de outras fontes onde podemos constatar que, basicamente, nos limitámos a melhorar alguns acessórios recorrendo à electricidade, à injecção de plásticos e aos circuitos integrados. Mas e a questão da frequência? O mesmo Maupassant terá possuído numa só hora, perante uma testemunha, seis mulheres num bordel parisiense. Mas relações envolvendo troca de dinheiro dificilmente representam a realidade ou a sensibilidade de uma época. Por outro lado, convém evitar dar excessivo crédito a declarações de machos com tendência para o priapismo – ou para a gabarolice. É por esta razão que os relatos do divino Marquês de Sade também não nos servem para caracterizar o que quer que seja. Podíamos ainda recorrer à Bíblia, que nos fala de Sodoma e Gomorra, ou a relatos gregos e romanos mencionando bacanais mas continua a ser difícil fazer comparações com os tempos actuais (como determinar se Calígula participava em mais ou menos orgias do que José Castelo Branco?). De resto, talvez seja melhor atermo-nos aos tempos e às regiões de influência cristã. Então, como fazer? Eu digo-vos: buscando na ficção não erótica de diferentes épocas a ideia que os autores transmitem sobre o que representa ter muitas relações sexuais. Claro que não obteremos o número de relações em que uma pessoa média se envolvia mas pelo menos obteremos uma noção do que era considerado excessivo. Sendo isto um post de blogue (necessariamente curtinho e to the point), vou limitar-me a um par de exemplos totalmente aleatórios e, dessa forma, estou em crer que totalmente representativos.
Comecemos pela actualidade e por uma série televisiva intitulada How I Met Your Mother ou, na versão portuguesa, Foi Assim Que Aconteceu. Nesta série, Barney Stinson, um awesome (definição do próprio) jovem mulherengo nova-iorquino com cerca de trinta anos, tem relações sexuais com a duocentésima mulher diferente durante a quarta temporada. Já perto do final da quinta, refere que a contagem vai em quase duzentas e oitenta (o que revela um considerável aumento de ritmo). Temos então que, de acordo com a mentalidade actual, fazer sexo com quase trezentas mulheres é mais do que suficiente para que um tipo de trinta e tal anos possa considerar-se (e ser considerado) um engatatão de primeira classe. Se Barney tiver iniciado a vida sexual aos quinze, isto dá uma média de catorze ou quinze mulheres por ano. Razoável, de facto, pelo menos quando comparado com a minha estatística pessoal – mas eu tendo a esquecer-me das coisas.
Antes de recuarmos no tempo e colocarmos à prova as façanhas de Barney Stinson convém explicar que toda a lógica deste post se aplica aos homens. E não por uma questão de machismo, pelo menos da minha parte. Apenas porque, no que respeita às mulheres, não há qualquer dúvida. Convenhamos que discutir o número a partir do qual uma mulher era classificada como – er, conquistadora nem sequer é o termo, pois não?... promíscua, então? – há um par de séculos não é mais do que escolher entre os algarismos um, dois e três, consoante se tratasse de um mulher solteira, casada pela primeira vez ou casada pela segunda vez após morte do primeiro marido. Felizmente, hoje a situação é bastante diferente (felizmente também para os homens, que têm – dizem-me – menores dificuldades em arranjar sexo barato). Ainda assim, sinto-me forçado a salientar que, décadas depois da tal «revolução sexual» dos anos sessenta, continua a notar-se uma diferencita no valor considerado excessivo para homens e para mulheres. Lembram-se da cena, em Quatro Casamentos e Um Funeral (de 1994, mas creio que ainda razoavelmente representativo) na qual a personagem interpretada por Andie MacDowell enumerava os amantes que tivera? Ela apenas chegou a trinta e qualquer coisa mas terminou corada de vergonha e, diante dela, a personagem interpretada por Hugh Grant começava a entrar em estado de choque. Ou seja, trinta e qualquer coisa parceiros sexuais já são demasiados para uma mulher de trinta e qualquer coisa anos mas quase trezentas parceiras sexuais ainda não embaraçam um homem de trinta e qualquer coisa anos (pelo contrário, ele continua a sorrir, orgulhoso).
In Italia seicento e quaranta;
In Alemagna duecento trentuna;
Cento in Francia, in Turchia novantuna;
Ma in Ispagna son già mille e tre.
Passando sobre a desfeita de Don Giovanni ter ignorado as mulheres portuguesas (porquê, João, porquê?), somem os números e chegarão a – prontos? – duas mil e sessenta e cinco conquistas sexuais. Ora Don Giovanni teria apenas vinte e dois anos de idade. Considerando uma vida sexual de sete anos, obtém-se a astronómica média de duzentas e noventa e cinco mulheres diferentes por ano. O que são, comparadas com isto, as catorze de Barney Stinson? A conclusão é dolorosa mas inevitável: a menos que na televisão actual se exagere afinal muito pouco, vai-se a ver e ainda temos muito que... muito que… ainda temos muito sexo a fazer.
Para a maior parte das pessoas, o mundo só tem dois sítios: o sítio onde elas vivem e a televisão.
Don DeLillo, Ruído Branco.
Edição Sextante, tradução de Rui Wahnon.
O livro é dos anos 80. Agora devíamos acrescentar a internet, claro.
Houve um tempo em que o aparecimento da bolinha vermelha no canto do ecrã do televisor suscitava perturbação e expectativa.
A coisa óbvia é que são todas atraentes. A única série americana destinada ao grande público em que os actores parecem pessoas normais (e isto não quer dizer feios) é a Nurse Jackie (também se trata da única em que doentes internados parecem mesmo doentes). Confesso que este ponto não me incomoda por aí além: nada tenho contra mulheres bonitas, elas é que parecem ter algo contra mim. E Jennifer Morrison (a médica da equipa original do House) é mesmo muito bonita. Como também o é Lana Parrilla (a médica do Miami Medical). Morrison pode considerar-se a personagem principal de Era Uma Vez, ou pelo menos a catalizadora da acção, enquanto Parrilla desempenha o papel de bruxa má (muito, muito boa). E depois temos Ginnifer Goodwin, que era uma das três mulheres de Bill Paxton em Big Love (a mais novinha) e que descobri ter participado em 2002 num telefilme com o fantástico título de Porn'n Chicken (parece ser o nome de um clube existente na universidade de Yale, o que nos permite afastar ideias sobre o declínio da educação e manter esperanças no futuro). Como seria de esperar, atendendo a que desempenha o papel de Branca de Neve, Ginnifer faz de rapariga atraente, delicada e um tudo-nada ingénua. Ou seja: temos sexo (Morrison), sexo violento (Parrilla) e carícias e beijinhos (Goodwin). Era Uma Vez adequa-se a (quase) todos os gostos e fantasias.
A coisa moderna é as mulheres serem as principais personagens. Gente perspicaz como sois (não me contrarieis), já se aperceberam certamente de que as mulheres ocupam os principais papéis em quase todas as séries actuais, decorram elas num hospital, num tribunal, numa esquadra, na CIA ou numa terrinha com mais vampiros do que passarinhos nas árvores. Já sabíamos que as mulheres estão a tomar conta do mundo e, no fundo, acaba por ser compreensível: é politicamente correcto, está menos visto, haverá mais mulheres do que homens a acompanhar séries televisivas nos dias que correm e os homens não se importam: para a maioria, ver mulheres bonitas não representa um sacrifício (eu, pelo menos, gosto – mas creio já o ter referido).
E chegamos à coisa que me encanta. Ainda não perceberam? Releiam o título do post e olhem para a fotografia abaixo. Precisamente: as orelhas de Ginnifer Goodwin. Ginnifer tem orelhas de abano. Ou melhor: tem uma orelha de abano (a direita) porque a outra encontra-se muito mais encostada à cabeça. (Imagino-a sempre rodando a cabeça para a esquerda e avançando a orelha direita após alguém perguntar: «Ouviste aquilo?», de modo a ouvir melhor, ou fazendo o oposto durante uma conversa, de forma a equilibrar a intensidade da recepção.) Num universo televisivo em que mendigos da Idade Média têm dentes perfeitos, em que as actrizes de quarenta anos parecem mulheres de sessenta após efectuarem dezenas de intervenções cirúrgicas com o intuito de parecerem ter trinta, em que todos os homens excepto vilões e personagens cuja única função é efeito humorístico são esbeltos e musculados (e, cada vez mais, depilados), descobrir uma orelha assim (ainda que apenas visível nas cenas decorridas na actualidade, em que Ginnifer aparece com cabelo curto) trata-se de um momento sublime. Como é possível que ela ainda não tenha sido convencida a «corrigi-la»? Como é possível que os produtores televisivos a aceitem? Como é possível que a tenham aceitado para um dos três papéis principais (caramba, no genérico o nome dela até surge em primeiro lugar) numa série sobre contos de fadas? Parece-me algo quase impossível e, no entanto, adorável – um sinal de esperança. Que, nos tempos actuais, uma actriz ligeiramente assimétrica faça de Branca de Neve encanta-me. Parece-me até o ponto mais mágico de toda a série.
José Alberto Carvalho, há minutos, no Jornal da TVI: «Nas últimas horas, os mercados voltaram a atacar. Os juros da dívida pública portuguesa bateram novos máximos e Espanha e França também foram atingidas. Espanha foi ao mercado financiar-se e pagou os juros mais altos desde a entrada do país na moeda única.»
Portanto: os países «vão aos mercados» mas estes é que «atacam»? Devo estar a ver mal a mecânica da coisa porque, assim de repente, parece-me que «os mercados» se defendem. Ou, no limite, que contra-atacam.
Susannah York, Sarah Miles, Susan George, Julie Christie, Charlotte Rampling, Jenny Agutter, Jane Birkin, Dominique Sanda, Sandrinne Bonnaire, Nathalie Baye, Isabelle Huppert, Carole Bouquet, Valérie Kaprisky, Victoria Abril, Maria Schneider, Hanna Schygulla, Barbara Sukowa, Carole Laure, Geneviève Bujold, Liv Ullmann, Monica Vitti, Ornella Muti... Isso sim, era serviço público.
(Ah, a RTP2 em mil nove e oitenta e poucos...)
É cedo mas os sinais são contraditórios. A questão do imposto extraordinário merece-me poucos comentários: não gosto mas admito a sua necessidade e aprecio o anúncio atempado. Outras coisas são mais preocupantes. O adiamento da privatização da RTP 1, por exemplo, é inaceitável. Por mau que seja o momento para a levar a cabo e por negativas que viessem a ser as consequências para os canais privados (e até para a restante comunicação social).
Quem vê desporto na televisão e compra jornais desportivos? Quem até, provavelmente, compra a maioria dos restantes jornais? Os homens. As mulheres não ligam a desporto. Pelo menos o bastante para se sentarem à frente de um televisor ou comprarem um jornal. (Generalizo, obviamente.) De quando em quando, as mulheres podem pensar, com um carinho inteiramente sincero, que os campeonatos para-olímpicos são uma coisa bonita, podem espreitar uma prova de ginástica ou de patinagem artística, mas ver mesmo desporto – não vêem. Preferem a Oprah, séries, filmes, telenovelas, o What Not to Wear e o Rachel Zoe Project. Se as mulheres gostassem tanto de patinagem artística como gostam de roupa, maquilhagem e decoração, a SIC Mulher apresentaria patinagem artística duas vezes por dia, existiriam revistas e jornais só acerca de patinagem artística e rapidamente os canais generalistas de televisão teriam programas de debate em que se analisaria a qualidade dos triplos Axel realizados nas provas do fim-de-semana anterior. Hélas, as mulheres não gostam assim tanto de patinagem artística nem de qualquer outro desporto. Isso faz com que sejam os homens a definir que desportos se vêem na televisão e sobre que desportos se lê nos jornais. Ora os homens são seres simples, de gostos limitados e com tendência para a conformidade (continuo a generalizar). A partir do momento em que as mulheres lhes deixam o campo livre pode dizer-se adeus aos para-olímpicos na televisão. E até à patinagem artística. Para a sensibilidade masculina (nem sempre é oxímoro), as provas para-olímpicas são um mau espectáculo televisivo e a patinagem artística não é muito melhor. E como é o gosto pelo futebol que é inculcado nos homens desde criança e o futebol é que dá para discutir durante a pausa para o café por ser o que vêem todos os outros homens (menos uns tipos esquisitos como eu), vê-se futebol. As televisões (como as rádios e os jornais) não podem então fazer outra coisa senão ir atrás do consumidor-tipo (que, neste caso, é um consumidor-gajo) e, numa espécie de pescadinha de rabo na boca, começam a passar apenas futebol.
De qualquer modo, nenhum destes factores invalida a tese, pelo que a conclusão é inevitável: a culpa de se prestar pouca atenção a desportos que não o futebol nos meios de comunicação (e, por conseguinte, na sociedade) é essencialmente das mulheres. E, pronto, um bocadinho – mas só um bocadinho – dos homens.
Conta-nos que o homem estava furibundo. Exigia que cancelassem o rendimento social de inserção à mulher em causa. Repetia que ela obtinha rendimentos que não declarava às finanças. Ganhava muito dinheiro vendendo-se. Toda a gente o sabia. Ela enganava o Estado. E enganara-o a ele, cobrando-lhe cinquenta euros quando aos restantes cobrava vinte e cinco.
(Rimo-nos mas é um riso desconfortável. Não há limite para o ridículo. De tal forma que por vezes consegue gerar empatia. Uma empatia piedosa, nascida da sensação de superioridade. As televisões perceberam que gostamos disso e dão-nos regularmente programas que nos permitem rir com a patetice alheia. E poucas pessoas se dão ao trabalho de analisar, ou talvez até de sentir, a pitada de desconforto.)
Sim, vou começar o ano resmungando. Não, por «operações» não quero dizer aquelas em que um grupo de pessoas com as mãos muito lavadinhas, de touca, máscara, bata e roupa interior dois números abaixo do anatomicamente correcto e estampada com florzinhas azuis e amarelas (imagem não baseada em casos concretos, destinada apenas a proporcionar pensamentos divertidos a quem tenha de entrar num bloco operatório nos próximos tempos) adormece, corte, repara e cose outra pessoa qualquer. Refiro-me às «operações» de prevenção rodoviária: «Operação Natal», «Operação Fim de Ano», «Operação Páscoa», «Operação Férias Seguras», «Operação Fim-de-Semana Promocional no seu Centro Comercial». E especialmente ao modo como a comunicação social as noticia. «O balanço da 'Operação Regresso às Aulas Depois das Férias do Carnaval' é negativo. Nas estradas portuguesas verificaram-se treze mortos e setecentos e setenta e sete feridos, vinte e sete e meio dos quais graves, num total de três mil trezentos e trinta e três acidentes rodoviários, contra os nove mortos e seiscentos e sessenta e seis feridos, cinco dos quais canídeos, ocorridos na sequência dos três mil trezentos e trinta e dois acidentes verificados no período homólogo do ano passado.» Lindo a mais níveis do que o número de feridos graves (incluindo canídeos). Desde logo, expressões como estradas portuguesas evocam imagens não muito distantes do universo Mad Max ou, para os mais jovens, mais pimba e menos apocalípticos, The Fast and The Furious. Também é sempre de celebrar quando a expressão período homólogo surge aplicada a outra coisa que não as taxas de inflação ou de desemprego. Além disso, são raras as ocasiões em que a televisão ainda consegue ensinar português aos portugueses, levando alguns ao cada vez mais reaccionário acto de consultar um dicionário (onde, infelizmente, a maioria não conseguirá encontrar o termo ómolgo). A acumulação de números também tem o seu encanto, se pensarmos que a televisão foge da complexidade como o diabo da cruz e Sócrates da verdade, e que eles são dirigidos a um povo que abomina activamente a matemática e qualquer esforço mental. Mas, para mim (e, se tudo correr bem, para vocês, quando chegarem ao fim deste post), nada supera o frenesi estatístico. A comparação de um ano com o anterior e as imediatas conclusões. Estamos melhor ou pior consoante ocorra menos uma morte ou mais uma morte, menos dois feridos graves ou mais dois feridos graves. Por vezes até aparecem membros da GNR comentando as diferenças. A minha professora de estatística, que tinha uma mente tão lógica que só podia ser fã dos livros de Ellery Queen (sim, perguntei-lhe), deve gritar de desespero sempre que assiste a tal espectáculo (apesar de não me ter dado uma nota por aí além, chego a ter pena dela). Não haverá uma alma caridosa que explique a jornalistas e «entidades oficiais» a inutilidade de comparar números pequenos? Ainda por cima analisando apenas dois anos? Indubitavelmente, uma das coisas mais bonitas da comunicação social – e, na verdade, da sociedade – actual é a forma como retira conclusões de dados irrelevantes e renega os relevantes. Não admira que sigamos, fora de mão e em excesso de velocidade, a caminho da bancarrota.
As últimas dezenas de páginas de O Quinto da Discórdia, de Robertson Davies; O Perdão dos Pecados, de Antonio Fontana; Ao Cair da Noite, de Michael Cunningham; O Jardim dos Finzi-Contini, de Giorgio Bassani; Somos o Esquecimento que Seremos, de Héctor Abade Facciolince; Cavalheiros da Estrada, de Michael Chabon; Cossacos, de Lev Tolstói; Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum; Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson; Os Peixes Também Sabem Cantar, de Halldór Laxness. Uns quantos filmes, entre os quais A Origem, Um Homem Singular e O Escritor Fantasma. A segunda série completa de Damages; os últimos episódios da segunda série e os primeiros da terceira de Californication. Tudo considerado, nada mau para uma semana e um dia de férias quase sem sair do sofá. E se não fosse aquela coisa do Natal ainda podia ter sido melhor.
(O trânsito está óptimo mas às sete e meia da manhã faz um certo fresco. Já nem me lembrava.)
Esta imagem desaparecerá dentro de quinze segundos. Catorze. Treze. Doze...
Dr. Oz contra Anthony Bourdain.
Ontem vi uns minutos do Ídolos. Depois mudei de canal. Não é a humilhação que me incomoda, até porque para haver humilhação tem de existir consciência da figura que se faz. O que verdadeiramente me incomoda é por um lado nunca ter gostado de ver agredir inimputáveis e, por outro, mesmo mesmo levando em conta do alto – ou das profundezas? – do meu cinismo, que já não tenho ilusões acerca de quão ridículas as pessoas conseguem ser (e não me venham com a nobreza de «perseguir um sonho», porque o que estes miúdos perseguem é a ascenção fácil à fama; de resto, saber cantar é apenas equivalente a saber escrever e ninguém se torna escritor apenas por saber alinhar palavras sem cometer erros), preferir não o ver comprovado de forma tão gritante. Até para poder continuar a chamar-lhe «cinismo».
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