Há uns anos, ao ver os primeiros episódios da série Girls (tão recente e já tão imitada que até fica difícil recordar quão inovadora foi), lembrei-me de O Animal Moribundo, de Philip Roth. A certa altura, o professor David Kepesh afirma:
Enquanto cresci, o homem não era emancipado no reino sexual. Era um homem de segunda apanha. Era um ladrão no reino sexual. Surripiávamos uma apalpadela. Roubávamos sexo. Adulávamos, suplicávamos, lisonjeávamos, insistíamos - todo o sexo exigia luta, tinha que ser disputado aos valores, senão à vontade da rapariga.
Mais tarde, referindo-se à actualidade (de 2001), acrescenta:
Aparecem antigas namoradas de há vinte e trinta anos. Algumas já se divorciaram numerosas vezes e outras têm andado tão ocupadas a afirmarem-se profissionalmente que nem tiveram a oportunidade de casar. As que ainda estão sós telefonam-me para se queixarem daqueles com quem se encontram. Os encontros são detestáveis, os relacionamentos são impossíveis, o sexo é um risco. Os homens são narcisistas, não têm sentido de humor, são doidos, obsessivos, autoritários, grosseiros, ou então são muito bem-parecidos, viris e cruelmente infiéis, efeminados, ou são impotentes, ou são simplesmente demasiado estúpidos. (*)
A abordagem da revolução sexual ocorrida na década de 1960 é quase sempre feita partindo da perspectiva feminina. Antes de qualquer outra análise, salienta-se o modo como a pílula e a evolução dos costumes libertaram as mulheres para o sexo sem (demasiados) receios. Mas a liberdade feminina também representou o fim da submissão masculina a qualquer tipo de compromisso. O facto de, ao longo das últimas décadas, as mulheres terem exigido e obtido não apenas o mesmo estatuto no que respeita ao sexo, mas poder total sobre os seus corpos - incluindo o de terminar gravidezes indesejadas - foi extraordinariamente libertador para os homens. O esforço de cortejar, apoiar, assumir responsabilidades tornou-se-lhes opcional, em especial quando favorecidos pelo sorteio genético (i.e., quando atraentes). Nem sequer as regras do politicamente correcto - em muitos sentidos, a prisão dos tempos actuais - os forçam ao que quer que seja: adquirida a igualdade, as mulheres perderam o direito a queixarem-se de terem sido iludidas. Durante séculos, no mundo «civilizado», os homens viram-se obrigados a conjugar instintos e convenções sociais. Agora, estão livres para dar largas ao egoísmo. Às acusações de insensibilidade, podem responder que se limitam a «dar espaço» às mulheres; que estão a «respeitar» a «autonomia» delas.
Nos primeiros tempos de Girls, esta realidade saltava à vista. Hannah desesperava com a passividade de Adam. Para ele, a relação apenas parecia existir enquanto decorria o acto sexual. Em todos os outros momentos, Hannah sentia-se esquecida: ele não telefonava, não respondia às mensagens, demonstrava indiferença quando a encontrava. Fleabag, uma série de 2016 produzida pela BBC e pela Amazon, escrita e interpretada por Phoebe Waller-Bridge, atinge um novo extremo. Apresenta uma mulher que parece vogar entre relações sexuais sem significado (mas não sem consequências), nas quais se submete (sem ser explicitamente forçada) a actos que tem dificuldade em racionalizar. Tudo estaria bem se não as usasse como forma de evitar enfrentar o vazio e a infelicidade que a dominam. Fleabag vai tão longe que se permite incluir um indivíduo nada atraente e bastante irritante no séquito de homens que não têm qualquer dificuldade em ir para a cama com ela.
Sejamos francos: nas últimas décadas, o sexo tornou-se um produto de consumo como qualquer outro; mais uma forma semidescartável de sentir algo, totalmente desligada de sentimentos profundos. Em 1975, Woody Allen afirmava: «O amor é a resposta, mas enquanto se espera pela resposta, o sexo coloca perguntas interessantes.» A resposta continuará a mesma, mas as perguntas parecem ter vindo a perder interesse. Se a consequência óbvia de tanto desejo de independência (por parte das mulheres como por parte dos homens) é a solidão, a consequência óbvia de tanto sexo (real, imaginado, visualizado em ecrãs e na rua) só pode ser a banalização do acto e dos termos que se lhe referem. Em Os Livros que Não Escrevi, George Steiner dedica um capítulo à linguagem do erotismo. Considera-a - como ao próprio acto - cada vez menos subtil, mais baseada nos códigos instituídos pelo cinema, pela televisão, pela publicidade. Escreve ainda: Será fascinante descobrir os novos factores de complexidade e os contributos enriquecedores que poderão vir das correntes feministas. Produziram já uma poesia poderosa e uma prosa acusadora. Poderá a sua política da sensibilidade ser causa de novas orientações e de uma criatividade nova nos dialectos do amor? Até ao momento, os indícios nesse sentido são marginais. O que parece prevalecer entre as mulheres emancipadas é a adaptação, quase desdenhosa, do que eram a obscenidade e a licenciosidade clandestina do discurso masculino.(**)
Talvez não apenas do discurso. Talvez de todo o comportamento. Sexualmente, as mulheres parecem-se cada vez mais com os homens. Mas isso - a acreditar em exemplos como Girls e Fleabag, eles próprios, será conveniente ressalvá-lo, provenientes da cultura cinematográfica e televisiva - não parece torná-las felizes. À liberdade, que neste campo tende a equivaler a quantidade, contrapõe-se a estandardização (nada é novo, pouco permanece tabu), e o novo poder masculino: um egoísmo assumido, que a igualdade torna inatacável.
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(*) Edição Dom Quixote, 2006, p. 61 e 91, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.
(**) Edição Gradiva, 2008, p. 132, tradução de Miguel Serras Pereira.
Numa parede do Porto.
Olho para a frase acima e pergunto-me se George estaria certa - e, nesse caso, que diabo se passa na cabeça de um homem capaz de a escrever.
Claro que Love, Nina decorre no início da década de 1980. Talvez hoje em dia mais mulheres pintem coisas no chão e nas paredes. Não daria um grande sinal do rumo da evolução feminina (há actos tipicamente masculinos que, podendo remeter para instintos antigos de marcação do território, são hoje apenas estúpidos) nem faria com que esta mensagem ficasse aceitável, mas sempre a tornaria um pouco menos ilógica.
No que me diz respeito, chegar perto dos cinquenta e começar a apreciar raparigas com idade para serem minhas filhas gera uma perturbação não mais do que ligeira. Pior é perceber que algumas delas são filhas de amigas e/ou colegas que fizeram - e, em muitos casos, ainda fazem - parte das minhas fantasias.
Blergh, gajas!
Aqui entre nós, a expressão da guarda-redes sueca é deliciosa mas a silhueta da atacante nigeriana constitui pura poesia.
Fotos: Kevin C. Cox/Getty Images North America, pescadas na net.
Os homens são capazes de ignorar a fome e ir à procura de um par. Um novo estudo feito numa espécie de vermes comprovou que a culpa não é propriamente deles, mas sim do seu cérebro.
Confesso: a primeira coisa que fiz, ainda antes de ler o artigo, foi verificar se tinha sido escrito por uma mulher. Em primeiro lugar pela deliciosa associação entre homens e vermes (eu sei que o estudo foi mesmo realizado em vermes mas talvez fosse mais correcto e abrangente usar «machos» em vez de «homens»). Depois pela igualmente deliciosa facilidade com que se aceita a extrapolação do comportamento dos referidos vermes para o ser humano, deixando de lado eventuais diferenças a nível de - sei lá - número de neurónios. Finalmente pelo ainda mais delicioso recurso à velha dicotomia corpo-mente, na tentativa magnânima de desculpar essas criaturas vermiculares e desprovidas de neurónios, os homens (obrigado, Carolina; se vieres ao Porto nos próximos tempos avisa e vamos jantar, OK?; ou então até podemos saltar o jantar, que para mim é secundário). Porque a culpa (e tanto haveria a dizer sobre o facto de, mesmo após a ciência justificar o comportamento, poder continuar a associar-se-lhe o conceito - a ter de culpar-se alguém, que tal escolher Deus?) é do cérebro, não é propriamente dos homens. Só uma mulher podia considerar que quaisquer seres humanos - machos, fêmeas, hermafroditas - se definem por factores externos ao cérebro.
Nota 1. Como o meu sentido de humor não é partilhado por toda a gente - mas Kafka também se ria ao ler as suas histórias aos amigos e poucos leitores delas fazem o mesmo desde então -, fica o alerta: este texto contém ironia e pretende ser uma provocação benigna.
Nota 2. Não, não estou a comparar o que escrevo ao que Kafka escrevia. Em contrapartida, a minha vida é quase tão excitante quanto foi a dele.
Nota 3. Agora vou dar descanso aos neurónios que não tenho, parar com estas notas e entreter-me a observar as mulheres que andam por aqui, OK?
Nota 4. Estranho. Estou com fome.
Lytton Strachey, o amigo de Woolf com quem ela esteve comprometida a certo ponto, teve numerosas relações homossexuais, muito embora também ele tenha assentado num arranjo de longa duração, no seu caso com Dora Carrington, uma jovem mulher que o adorava, e o marido dela, Ralph Partridge, que ele adorava.
Sandra M. Gilbert, introdução a Orlando, de Virginia Woolf, edição Penguin Classics. Tradução minha.
Resta a questão: quem adorava a Dora? Desde que Ralph a adorasse, era o triângulo perfeito.
Sei demasiado sobre rapazes para ter uma perspectiva sentimental a seu respeito. Também fui um deles e sei o que isso significa; ou seja, que há um tolo ou um homem apaixonado no seu interior que luta por se libertar.
Robertson Davies, O Quinto da Discórdia. Edição Ahab, tradução de Maria João Freire de Andrade.
Gostava de conhecer a versão original para perceber que termo foi traduzido por «tolo». Provavelmente «fool», que também serve. Julgo entender o «ou»: pode libertar-se um tolo (no sentido de parvalhão, de macho com o nível de sensibilidade de um tractor velho sacolejando uma charrua em piso empedrado*) ou um homem apaixonado. Mas, neste caso, mesmo levando em conta que a paixão nem sempre é dirigida a outro humano mas a uma causa, a um assunto, a um animal doméstico, não ocorre sempre uma aglutinação? Não é ponto assente fazer parte da condição de homem apaixonado uma boa dose de tolice? Aliás, conquanto por norma apenas se consiga percebê-lo em retrospectiva e até apenas depois de dissipados os efeitos de uns quantos actos irreflectidos, não constituirá a tolice um dos aspectos mais positivos da paixão – aquele que estilhaça a imagem construída e torna os homens (como, de resto, as mulheres) mais humanos? Nenhum cão, gato ou ave do paraíso tem capacidade para detectar tolice na forma como age quando fortemente atraído por algo. Só os humanos a têm. Só os humanos conseguem perceber que estão a ser tolos e, por conseguinte, pelo menos em teoria, deixar de o ser. Não o fazendo, os humanos constituirão até os únicos tolos genuínos. Sendo que, na sua versão mais benigna (mais leve, mais etérea, mais slapstickiana), a tolice é também o oposto do cinismo, outra característica eminentemente humana. Deixemos então claro: ser tolo é muito diferente de ser estúpido ou parvalhão. Ser estúpido ou parvalhão é sempre mau. Ser tolo é frequentemente uma coisa boa.
Ou assim espero. Até um humano ligeiramente cínico como eu precisa de ilusões.
* Sim, podem ficar impressionados: analogias destas vêm-me sem esforço.
Ele era um adulto consciente de que não podia ter tudo, tal como uma mulher alegre e ao mesmo tempo deprimida em seu nome.
Os olhos dela eram faróis bi-xénon iluminando a escuridão.
Tinha mamas empinadas como um chapéu do Totti.
A sua voz conseguia ser tão suave como um Aventador ao ralenti e tão agressiva como um tema do Trent Reznor.
Respondia melhor ao toque dos dedos que um oled capacitivo.
De mini-saia e sapatos de salto alto parecia um carro desportivo com jantes de vinte polegadas.
Tinha contornos com mais polígonos do que Mona Sax ou Lara Croft e também era muito mais perigosa.
Ao fazer amor, mudava de ritmo como uma caixa de dupla embraiagem.
Amá-la era um call of duty, que ela o amasse uma medal of honor.
Domá-la era tão impensável como controlar sem mãos uma Panigale a alta velocidade.
Tinha um riso tão cristalino como o tweeter das melhores Sonus Faber.
Sabia usar o corpo de tal modo que o remetia para os clássicos da Private.
Carícias dela faziam-no vibrar mais do que o Dualshock.
Desconheço se ela cantou isto no concerto do mês passado em Lisboa. Fica aqui com uma dedicatória às raparigas desiludidas com os homens e em busca de alternativas. Mas atenção: alguns babam-se, outros largam muito pêlo e quase todos acabam por constituir excelentes pretextos para os homens meterem conversa.
Adenda 1: O "quase todos" exclui chihuahuas, que qualquer homem digno do termo (instintivamente sei o que é mas não me peçam para explicar) despreza, bem como pitbulls, dobermans e rottweilers, que qualquer homem sensato receia.
Adenda 2: Por outro lado, uma mulher a passear um rottweiler tem de ser especial...
Adenda 3: Mas não. Há riscos que não compensam.
Adenda 4: Hmmmmm...
Adenda 5: Bom, se a situação se apresentar logo se vê.
Exaspera-me com frequência, enternece-me de vez em quando, há períodos em que se ausenta, outros em que me domina e consegue ser insidioso ao ponto de, em mais ocasiões do que eu gostaria de admitir, chegar a parecer-me a melhor parte de mim. No fundo, tudo expectável mas, ainda assim, perturbador. Não entendo, muito menos controlo, o meu lado feminino.
O caso de Virgília tinha alguma gravidade mais. Ela era menos escrupulosa que o marido: manifestava claramente as esperanças que trazia no legado, cumulava o parente de todas as cortesias, atenções e afagos que poderiam render, pelo menos, um codicilo. Propriamente, adulava-o; mas eu observei que a adulação das mulheres não é a mesma cousa que a dos homens. Esta orça pela servilidade; a outra confunde-se com a afeição. As formas graciosamente curvas, a palavra doce, a mesma fraqueza física dão à ação lisonjeira da mulher, uma cor local, um aspecto legítimo. Não importa a idade do adulado; a mulher há de ter sempre para ele uns ares de mãe ou de irmã, – ou ainda de enfermeira, outro ofício feminil, em que o mais hábil dos homens carecerá sempre de um quid, um fluido, alguma cousa.
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Será precisamente pela superior garantia de «servilidade» que muitos homens até preferem a adulação de outros homens. Por isso e por tradicionalmente constituir uma demonstração mais evidente de poder. Quanto à adulação feminina, consegue, de facto, ser parecida com afecto: resta saber se por exclusiva responsabilidade das mulheres, se por leituras enviesadas e quase sempre de índole sexual (aliás, muito pouco coadunáveis com a imagem de uma mãe ou de uma irmã) dos homens. Ainda assim, é importante manter presente que vivemos tempos muito diferentes dos de Machado de Assis. Tempos em que as mulheres agem frequentemente de formas parecidas com as dos homens e em que os homens dão excelentes enfermeiros.
Uma mulher enviou-me por correio electrónico uma foto com nadadores olímpicos australianos:
Encolhi os ombros (afinal, estão apenas um bocadinho mais em forma do que eu) e respondi com uma dose dupla de voleibolistas norte-americanas:
Aguardo nova cartada mas considero-me a ganhar por 7-4 (com vantagem em caso de empate final, uma vez que os nadadores mantêm alguma roupa vestida). Não quero ser demasiado optimista (é preciso respeitar o adversário, as hipóteses são de 50% para cada lado, o jogo só acaba quando o árbitro apita, etc.) mas estou confiante: tenho vários trunfos na manga, incluindo a outra e, na vertente feminina, quase obscena variante do voleibol: o de praia. Entretanto pus-me a pensar que brincadeiras destas são como fazer parte de uma equipa mas preferir o estilo de jogo da equipa rival. No fundo, está-se a dizer: não, não, vocês é que são melhores. Pus-me a pensar nisso e também que, lá em Londres, alguém devia apresentar os nadadores australianos às voleibolistas norte-americanas. É que, apesar dos corpos tonificados, talvez por não conseguirem tirar o Lochte e o Phelps da cabeça, eles parecem tão tristonhos. Poderiam é necessitar de reforços: são só quatro, coitaditos, e não conseguindo deixar de pensar no Lochte e no Phelps...
Adenda: O que isto tudo significa para as relações de longo termo – bom, essa é outra questão. Que o aumento da taxa de separações e a diminuição do número de partos talvez ajude a explicar. A liberdade também tem custos.
– Depois de ti nunca mais tive um namorado ou um amante que amasse o meu corpo tanto como tu o amaste.
– Tiveste namorados?
Lá estava eu de novo, com a mesma conversa. Esquece os namorados. Mas não conseguia.
– Tiveste, Consuela?
– Tive, mas não muitos.
– Dormiste regularmente com homens?
– Não. Numa base regular, não.
– Como era o teu emprego? Não houve ninguém no teu emprego que se apaixonasse por ti?
– Apaixonavam-se todos.
– Eu compreendo isso. Mas, e depois? Eram todos homossexuais? Não conheceste homens heterossexuais?
– Conheço, conheci, mas não prestavam.
– Não prestavam porquê?
– Masturbam-se apenas no meu corpo.
Philip Roth, O Animal Moribundo.
Edição D. Quixote, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.
As mulheres sempre acusaram os homens de, após algum tempo de relação, tenderem a tratá-las como empregadas domésticas. Para não variar, estão apenas parcialmente correctas: é verdade que, passada a fase dos arroubos de romantismo, o que os homens desejam mesmo é uma mulher a dias. Mas não para lhes limpar a casa (bom, isso também, se puder ser); uma mulher a dias no sentido de estar presente durante umas horas três ou quatro dias por semana, com horário e serviço nocturnos incluídos, e que depois os deixe em paz. No fundo, o mesmo que imensas mulheres desejam dos homens.
Pergunta de algibeira: por que será que estes «manifestantes» que partem montras e saqueiam lojas em nome de mais justiça social são quase todos do sexo masculino? As mulheres não sentem problemas similares, talvez piores?
Pista: pela mesma razão que também não se vêem muitas mulheres nas claques de futebol que vandalizam áreas de serviço em nome de um clube.
Pergunta
A crise da meia-idade é real?
Resposta
Claro que sim. Mas:
1. Não atinge apenas os homens;
2. Não é verdade que se caracterize por estes passarem a olhar mais para raparigas novas; os homens passam a olhar (ainda) mais para todas as mulheres;
3. Ir atrás das mais novas é apenas bom senso no meio da loucura.
Um par de mamas femininas enfiado numa blusa apertada, ameaçando fazer-lhe saltar os botões, é tremendamente excitante. Um par de mamas femininas mais imaginado do que visto no interior de uma blusa larga, apenas ocasional e fugazmente delineado no tecido, também.
Uma mama entrevista por um decote gera invariavelmente um frémito de excitação – ainda que a mama em questão já seja conhecida há anos.
Falo ao telefone com uma lisboeta que não conheço de lado nenhum sobre assuntos de trabalho. Saliento um ponto qualquer. Ela replica: «Ó querido, mas isso queria eu!» Fico um tudo-nada perturbado, não apenas pelo «ó querido» mas pela frase completa e, acima de tudo, pelo tom em que é pronunciada. Sinto-me como se tivesse acabado de descobrir estar metido num casamento semi-gasto, no qual subsiste alguma ternura mas já não se esconde a impaciência. Ainda por cima, casado com uma mulher que, repito, nem conheço pessoalmente e que usa expressões como «ó querido». Mas depois, durante o resto da conversa, que dura mais do que o necessário porque ela tem que dizer tudo pelo menos três vezes (um defeito mais português do que feminino), o meu problema é mesmo conter a vontade de a tratar do mesmo modo. É que «ó querida, eu percebi à primeira» vem tão a propósito... Mas resisto. Ainda era acusado de assédio sexual. Ou, no mínimo, de machismo.
As costas nuas de uma mulher conseguem ser tão excitantes como outras áreas que tendem a prender mais os olhares masculinos. Razão (bom, uma das razões) pela qual mesmo eu, que detesto temperaturas elevadas, não deixo de reconhecer encanto à chegada do calor. Especialmente numa época do ano em que quedas repentinas de temperatura e aragens frescas ainda dão origem a subtis manifestações de frio.
(Não, não lhe pus um casaco pelas costas porque não a conhecia de lado nenhum. Mas tive vontade.)
Estou ainda longe quando os vejo no passeio: duas raparigas, um rapaz e uma mala de viagem. As raparigas encontram-se debruçadas sobre a mala, o rapaz está em pé, a cerca de dois metros. Uma das raparigas diz qualquer coisa e ele avança e debruça-se também sobre a mala. Enquanto me aproximo, a rapariga que falou apoia os joelhos na tampa da mala. Consigo ver agora que, do lado oposto às dobradiças, existe um espaço de quase dez centímetros entre os bordos da tampa. Pela fresta, distinguem-se peças de roupa. Quando passo por eles, e apesar dos esforços, a abertura pouco diminuiu. Percorro mais umas dezenas de metros e, junto à esquina onde vou virar, não resisto e olho para trás. O rapaz encontra-se outra vez de pé, ligeiramente afastado, enquanto as raparigas continuam a lutar para fechar a mala. Reprimo um sorriso. Penso que deve haver uma moral qualquer por aqui, ligada à teimosia feminina e, acima de tudo (porque teimosos os homens também conseguem ser), às dificuldades que imensas mulheres parecem sentir com a geometria e o conceito de espaço finito, e depois rodo novamente e dou a volta à esquina.
Havia, claro, uma maneira óbvia de se libertar: podia dizer sim em vez de não a uma dúzia de secretárias, transeuntes e balconistas que em qualquer dada semana reparavam na sua altura, no seu cabelo grisalho cor de xisto, no seu casaco de pele de bezerro e nas suas calças de alpinismo francesas e o fitavam nos olhos como se dissessem: a chave está debaixo do tapete. Mas ainda não havia no mundo nenhuma passarinha que preferisse lamber, nenhum cabelo que preferisse envolver com a mão como um cordão de campainha de seda dourada, nenhum olhar no qual preferisse mergulhar o dele durante o seu próximo orgasmo, em vez dos de Caroline. O único resultado garantido de ter um caso seria acrescentar outra mulher desaprovadora à sua vida.
Jonathan Franzen, Correcções.
Edição D. Quixote, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.
Este raciocínio pode ser digno de admiração. Pode também ser digno de pena, se se entender não passar de uma desculpa usada por gente receosa de correr riscos ou já excessivamente desencantada para acreditar em alternativas. A mim pareceu-me tão evidente que senti necessidade de verificar ainda ter pulsação.
"Ray, look at me when you say that."
He did. "I'll do my best."
"Because I want you to say this as yourself."
"Don't follow."
"There's a difference between being yourself and playing yourself, which is something we all do. You do it when you're tired and want to get through something that's difficult in some way. Men do it more, I think."
Norman Rush, Mortals.
Edição Jonathan Cape.
Claro que sim. Sendo todas as palavras perigosas, e quase todas erradas, antes o risco da artificialidade. Apesar de tudo, a maioria das mulheres, como a maioria dos chefes (não, não será apenas coincidência), prefere ouvir as palavras certas ditas em tom ligeiramente oco do que as palavras erradas proferidas com indiscutível sinceridade. Quanto aos homens, e excepto em caso de ciúmes*, tendem a satisfazer-se com o valor facial do que ouvem e a evitar esforços que, se obrigados a pensar sobre o assunto, classificariam como desnecessários. Todos os homens? Infelizmente, não. Umas quantas almas sofridas, incapazes de escapar ao excesso de análise e à heterossexualidade, agrupam o pior dos dois mundos.
* A competição é coisa para levar a sério, o sentido de posse ainda mais e, afinal – não no-lo dizem centenas de obras literárias, cinematográficas e musicais? –, os ciúmes funcionam como uma inesperada reavaliação da cotação de um bem. É assim como possuir um carro que pensávamos valer cinco mil euros e que começa a suscitar tanto interesse que não podemos deixar de pensar que talvez valha sete mil e quinhentos. Afinal, era tão giro em novo...
O frio é mais democrático do que o calor. No Verão, os corpos adquirem todos os seus factores diferenciadores. Mulheres e homens comparam-se e, consoante o resultado, sentem vontade de sorrir triunfantemente ou de se esconder no ralo do passeio mais próximo. Uma mulher atraente conhece o efeito que as pernas tonificadas saindo da mini mini-saia que veste exercem em homens heterossexuais e mulheres com pernas menos tonificadas (oh, se conhece) e sente-se muito bem com isso (oh, se sente). No Verão, atingimos os píncaros da vaidade e do egoísmo. (Disclaimer: as frases anteriores não significam que o autor destas linhas, doravante designado por autor destas linhas, seja incapaz de apreciar os meses de Verão, em especial quando mulheres atraentes com pernas tonificadas saindo de mini mini-saias andam nas suas redondezas, por doloroso que tal circunstância às vezes seja; o autor destas linhas está até disponível para admitir ser este o único tipo de masoquismo que aprecia.) Já durante o Inverno, enterradas em dezassete camadas de roupa grossa, as diferenças esbatem-se: existem incomensuravelmente menos factores diferenciadores entre pontas de nariz enregeladas, espreitando de garruços, cachecóis e protectores de orelhas, do que entre pernas tonificadas saindo de mini mini-saias. No Inverno, estamos também disponíveis para um maior grau de empatia: sabemos o que as outras pessoas estão a sentir e sabemos que é exactamente o mesmo que nós próprios estamos a sentir. Acredito que algumas mulheres atraentes (e homens, que hoje em dia há homens preocupados com cada coisa) vejam como um desperdício terem um corpo tão bem torneado por baixo do casacão e não poderem esfregá-lo na cara das outras pessoas (imagem não-literal, embora passível de gerar efeitos literais). Poderá até ser por isso que algumas afirmam não gostar do Inverno. (Já agora, considerando as demonstrações de sangue quente que as caracterizam, nunca percebi a razão por que as mulheres sofrem mais com o frio do que os homens.) Mas estes assomos de vaidade e egoísmo desaparecem à primeira rajada de vento, com a necessidade de meter as mãos sob as axilas e de bater com os pés no chão (torna-se difícil manter a altivez enquanto se bate com os pés no chão com as mãos enfiadas sob as axilas). E voltamos então à questão da igualdade entre pontas de nariz. Pondo a coisa de modo tão directo quanto, com os dedos enregelados como estão, consigo pôr: há por aí uma quantidade enorme de atraentes pontas de nariz femininas para cujas possuidoras eu não olharia duas vezes no Verão.
(A propósito: há por aí um linguista – ou, o que é mais provável, uma linguista – que me explique se é coincidência «mulheres» e «melhores» serem palavras tão parecidas?)
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