Blergh, gajas!
Aqui entre nós, a expressão da guarda-redes sueca é deliciosa mas a silhueta da atacante nigeriana constitui pura poesia.
Fotos: Kevin C. Cox/Getty Images North America, pescadas na net.
Agora desculpem mas vou ver a sessão desta tarde, que deixei a gravar. A Lolo não está em Moscovo (snif) mas o heptatlo acabou hoje.
Nas fotos, da direita para a esquerda e de cima para baixo: Dafne Schippers (Holanda); Ellen Sprunger (Suíça); Ganna Melnichenko (Ucrânia); Grit Šadeiko (Estónia); Györgi Farkas-Zsivoczky (Hungria); Ida Marcussen (Noruega); Karolina Tyminska (Polónia); Katarina Johnson-Thompson (Grã-Bretanha); Kristina Savistkaya (Rússia); Laura Ikauniece (Letónia); Mari Klaup (Estónia); Nadine Broersen (Holanda); Nafissatou Thiam (Bélgica); Sharon Day (EUA); Yasmina Omrani (Argélia).
(É que serem melhores em medicina, direito e investigação científica um tipo ainda encaixa, agora ao volante... Bom, mantenhamos a calma: uma oval é uma pista fácil, com poucas curvas – e todas para o mesmo lado.)
E agora, durante quatro anos, dezenas de modalidades desportivas ficam novamente remetidas à obscuridade. Sendo que se alguma coisa os Jogos Olímpicos demonstram é que, em termos de espectacularidade, o futebol está longe de justificar a hegemonia de que goza na maior parte do planeta. Como os norte-americanos costumam referir, trata-se de uma modalidade em que nada acontece durante a maior parte do tempo e é também das poucas onde se pode verdadeiramente jogar para o empate – com frequência, a zero.
Uma mulher enviou-me por correio electrónico uma foto com nadadores olímpicos australianos:
Encolhi os ombros (afinal, estão apenas um bocadinho mais em forma do que eu) e respondi com uma dose dupla de voleibolistas norte-americanas:
Aguardo nova cartada mas considero-me a ganhar por 7-4 (com vantagem em caso de empate final, uma vez que os nadadores mantêm alguma roupa vestida). Não quero ser demasiado optimista (é preciso respeitar o adversário, as hipóteses são de 50% para cada lado, o jogo só acaba quando o árbitro apita, etc.) mas estou confiante: tenho vários trunfos na manga, incluindo a outra e, na vertente feminina, quase obscena variante do voleibol: o de praia. Entretanto pus-me a pensar que brincadeiras destas são como fazer parte de uma equipa mas preferir o estilo de jogo da equipa rival. No fundo, está-se a dizer: não, não, vocês é que são melhores. Pus-me a pensar nisso e também que, lá em Londres, alguém devia apresentar os nadadores australianos às voleibolistas norte-americanas. É que, apesar dos corpos tonificados, talvez por não conseguirem tirar o Lochte e o Phelps da cabeça, eles parecem tão tristonhos. Poderiam é necessitar de reforços: são só quatro, coitaditos, e não conseguindo deixar de pensar no Lochte e no Phelps...
* Mas as vitórias de Renshaw foram na década de oitenta do século dezanove, altura em que o vencedor de um ano tinha entrada automática para a final do ano seguinte; só em 1922 todos os participantes começaram a ter de passar pelo quadro geral.
Adenda (Segunda-Feira, dia 9, 8:45h)
1. Ontem fazia tenções de o referir e depois esqueci-me: este foi o torneio dos atletas com trinta anos, uma vez que Serena Williams, também com essa idade, venceu no quadro feminino.
Quem vê desporto na televisão e compra jornais desportivos? Quem até, provavelmente, compra a maioria dos restantes jornais? Os homens. As mulheres não ligam a desporto. Pelo menos o bastante para se sentarem à frente de um televisor ou comprarem um jornal. (Generalizo, obviamente.) De quando em quando, as mulheres podem pensar, com um carinho inteiramente sincero, que os campeonatos para-olímpicos são uma coisa bonita, podem espreitar uma prova de ginástica ou de patinagem artística, mas ver mesmo desporto – não vêem. Preferem a Oprah, séries, filmes, telenovelas, o What Not to Wear e o Rachel Zoe Project. Se as mulheres gostassem tanto de patinagem artística como gostam de roupa, maquilhagem e decoração, a SIC Mulher apresentaria patinagem artística duas vezes por dia, existiriam revistas e jornais só acerca de patinagem artística e rapidamente os canais generalistas de televisão teriam programas de debate em que se analisaria a qualidade dos triplos Axel realizados nas provas do fim-de-semana anterior. Hélas, as mulheres não gostam assim tanto de patinagem artística nem de qualquer outro desporto. Isso faz com que sejam os homens a definir que desportos se vêem na televisão e sobre que desportos se lê nos jornais. Ora os homens são seres simples, de gostos limitados e com tendência para a conformidade (continuo a generalizar). A partir do momento em que as mulheres lhes deixam o campo livre pode dizer-se adeus aos para-olímpicos na televisão. E até à patinagem artística. Para a sensibilidade masculina (nem sempre é oxímoro), as provas para-olímpicas são um mau espectáculo televisivo e a patinagem artística não é muito melhor. E como é o gosto pelo futebol que é inculcado nos homens desde criança e o futebol é que dá para discutir durante a pausa para o café por ser o que vêem todos os outros homens (menos uns tipos esquisitos como eu), vê-se futebol. As televisões (como as rádios e os jornais) não podem então fazer outra coisa senão ir atrás do consumidor-tipo (que, neste caso, é um consumidor-gajo) e, numa espécie de pescadinha de rabo na boca, começam a passar apenas futebol.
De qualquer modo, nenhum destes factores invalida a tese, pelo que a conclusão é inevitável: a culpa de se prestar pouca atenção a desportos que não o futebol nos meios de comunicação (e, por conseguinte, na sociedade) é essencialmente das mulheres. E, pronto, um bocadinho – mas só um bocadinho – dos homens.
Para quem tem 1,98m (um dos comentadores da RTP fazia questão de o designar por «a torre de Tandil» a cada cinco minutos) Del Potro move-se extraordinariamente bem. Depois de um ano parado por lesão, parece estar a aproximar-se da melhor forma. Óptimo. Só espero que não calhe no quarto do quadro do Federer em Roland Garros.
Acontece invariavelmente: a final é às três da tarde mas às quatro ainda entra gente (este ano algumas pessoas devem ter visto menos de um quarto de hora de jogo). Nos camarotes, então, o panorama aquando do início do encontro é sempre desolador, com mais de dois terços por ocupar. Suponho que será de bom-tom entrar tarde. Afinal, para muita gente com lugar de camarote mais importante do que apreciar o ténis é ser visto. De tal modo que nem há pejo em fazer os jogadores esperar enquanto calmamente se distribuem apertos de mão e beijinhos a caminho dos lugares. As nossas elites são o espelho do país: preocupadas acima de tudo com as aparências, cultivam um snobismo pacóvio e não mostram qualquer respeito por regras e horários. De cada vez que entro no Court Central do Jamor e constato a enorme área dedicada a camarotes (enfim, João Lagos terá de rentabilizar o evento) tenho vontade de me tornar ainda mais marxista do que já sou. Que é como quem diz, acrescentar o culto pelo Karl ao culto pelo Groucho.
A verdade é que, VIP ou plebeu, o público justificava um estudo sociológico. Apenas um exemplo, do ano passado: atrás de mim nas bancadas, apontando para dois sacos a abarrotar, impante de orgulho, dizia um homem para a pessoa do lado: «Tudo somado, levo umas cinquenta bolas, vinte chapéus e praí trinta t-shirts!» Suponho que se pode ver a questão como existindo quem saiba rentabilizar o preço do bilhete. Em tempo de crise, é capaz de não ser mal pensado.
Fiquei na dúvida se as duas senhoras de sessenta e muitos anos que, numa manhã fresca mas agradável de finais de Maio do ano passado, passeavam com um cão (ou passeavam o cão?) pelas ruas de Wengen, na Suiça, eram inglesas (pelas feições e sotaque, pareciam) e também se eram lésbicas (esses pormenores tendem a passar-me ao lado mas houve quem achasse que sim). Em resposta à minha pergunta, uma delas voltou-se e apontou-me na encosta a zona de meta das provas de esqui alpino.
(Fossem ou não inglesas lésbicas, é uma imagem curiosamente aconchegante, a de duas estrangeiras sexagenárias, suavemente apaixonadas uma pela outra, vivendo mais ou menos exiladas numa fria mas pitoresca povoação situada nas montanhas da Suiça Central. Acho eu. Enfim, avancemos.)
Muitos apreciadores de futebol não considerariam completa uma primeira deslocação a Madrid se não pudessem visitar o Santiago Bernabéu. Da mesma forma, fãs de desporto automóvel não se sentiriam bem dispensando, quando em viagem pela zona Oeste da Alemanha, uma visita ao Nürburgring Nordschleife. Encontrando-me em Wengen, eu precisava de saber onde era a pista de downhill. E devo confessar que, como quase todos os indivíduos nascidos e criados junto ao sopé da Serra da Estrela, nem sequer faço esqui (é entretenimento de fim-de-semana para lisboetas e portuenses).
Mas na verdade estou a escrever isto por causa da prova. Disputa-se desde 1930 e nem a Segunda Guerra Mundial interrompeu a sua realização (embora quase só esquiadores suíços tenham participado nesses anos). Em 1991 houve uma morte e, ao longo das décadas, muitas pernas e braços partidos. É possível que certos desportos sejam demasiado loucos para mentes sensatas (é facto assente que as mentes sensatas só aguentam uma dose pequenina de loucura antes de entrarem em processo de rejeição). Nesse caso, esqui alpino, e especificamente a disciplina de downhill, só pode estar na lista. (Imaginem-se a colocar a cabeça de fora da janela do carro na auto-estrada; considerem que estão quinze graus negativos; agora substituam o carro por um par de esquis; finalmente esqueçam a auto-estrada e visualizam-se a descer uma encosta com vinte e tal graus de inclinação.) A Lauberhornrennen é um dos expoentes máximos do downhill e, por conseguinte, da loucura. Acontece amanhã de manhã, se o nevoeiro ou a queda de neve não complicarem tudo. Dá no Eurosport.
Até a jogar futebol Portugal está parecido com a Grécia.
A Espanha fazia questão de ganhar.
Gosto tanto do universo futebolístico como José Saramago gostava do religioso. Tornou-se assim inevitável escrever sobre o assunto. Afinal, os ódios – especialmente os de estimação – são tão estruturantes como as paixões. Como o grande poeta irlandês Paul Hewson* escreveu recentemente: Choose your enemies carefully ‘cos they will define you / Make them interesting ‘cos in some ways they will mind you / They’re not there in the beginning but when your story ends / Gonna last with you longer than your friends. Não estou certo de concordar com a parte final mas o início afigura-se-me perfeito.
Adiante. Tratando este texto de futebol, sinto-me quase obrigado a começar com um cliché: eu até gosto de futebol; não gosto é do que se passa em torno do futebol. E do facto de muitas vezes não haver futebol, mesmo dentro do campo de futebol (ou, creio ser assim que se diz, do «rectângulo de jogo»). Vamos por partes (mais que duas).
Terminologia
O desporto-rei. O esférico (quando se optar pelo uso de «bola», é conveniente salientar que é redonda). As quatro linhas, ou o rectângulo de jogo. O plano técnico-táctico. O jogo directo. O primeiro poste. A cabeça da área. O pressing. O místere. O manáger. O dérbi. O encontro de alto risco. O frango. O pontapé de bicicleta. O fazer-se à falta. O mergulho (também conhecido por «atirar-se para a piscina»). A falta cirúrgica. O fazer a diagonal. O chuveirinho. O 4-4-2, o 4-3-3, o 4-3-2-1, o 4-1-3-2, o 5-3-2, o 3-5-2, o 4-5,33-0,67 (a táctica da selecção portuguesa quando joga com um avançado baixinho e solitário chamado Liedson, que só toca na bola quando recua até ao meio-campo, altura em que Portugal joga em 4-6-0). O autocarro. A chicotada psicológica. As declarações: estava escrito que o jogo ia acabar empatado, uma equipa só joga o que a outra deixa jogar, há que respeitar o adversário, o resultado acaba por se ajustar ao que se passou dentro das quatro linhas, a haver um vencedor, só podia ter sido o XYZ (que, em futebolês, equivale a «nós»), penso que merecíamos a vitória, tenho que dar os parabéns aos meus jogadores, vocês sabem que eu nunca falo do trabalho do árbitro, o que se passou foi uma vergonha. O apito final.
Fitas
Haverá desportista mais fiteiro que o jogador de futebol? Leva um toque na perna direita e atira-se ao chão agarrado à esquerda, como se a tíbia estivesse à mostra e o perónio desintegrado em fragmentos. Quando um esquiador ou um piloto de motos cai e fica agarrado a uma perna, a gente percebe que ela está partida em pelo menos vinte e dois locais diferentes, e também percebe porquê. Um patinador artístico usa calças de lycra e corpete justo mas levanta-se mais depressa do que cai. E não falemos dos tipos do rugby, para quem as lesões serão provavelmente motivo de orgulho tão grande quanto os ferimentos de bala e de arma branca o eram para as personagens desempenhadas por Mel Gibson e Rene Russo no mítico Arma Mortífera 3 (ei, as referências culturais devem ter a profundidade requerida pelo assunto em análise). Já para não falar das fitas dos dirigentes, dos comentadores e dos jornalistas. O futebol é um desporto pejado de prima-donas kitsch, combinação tão pavorosa como pão-de-ló de Ovar com miúdos de frango.
Cromos
Comentadores
Onde é que se tira o curso? Era na Independente?
Política
Recuso um desporto em que o nível de promiscuidade com o poder é maior do que no conselho de administração das maiores empresas nacionais.
Fãs
OK, sou elitista. Mas, com ou sem vuvuzelas, os fãs do futebol são extremamente irritantes. Em primeiro lugar, são muitos e qualquer conjunto grande de pessoas com interesse similar e sem vergonha de o assumir adquire rapidamente tendências totalitárias. Em segundo lugar e em parte decorrente do primeiro, falam alto, em linguagem incompreensível, sobre pessoas chamadas Di Maria, Nani, Hulk, Coentrão, e – já não joga, pois não? Que pena, do nome deste até eu gostava – Martelinho. Depois, são quase todos homens, com pança e bigode (literal ou metaforicamente). Há excepções a este ponto? Há. Algumas fãs que os cameramen das televisões se esforçam por descobrir por entre grunhos e tontos, uma Cinha Jardim fora do prazo de validade, apesar dos corantes e conservantes, e mais umas quantas raparigas que apenas gostam de olhar para os futebolistas, amaldiçoando a regra que os leva a receberem um cartão amarelo quando festejam golos tirando a camisola.
Claques
Os fãs de que ninguém gosta. A prova de que o homem do neandertal não se encontra extinto.
Empates
Não gosto de empatas nem de empates. O futebol não é o único desporto em que o empate é possível, claro. Mas o facto de ser possível empatar, e de frequentemente isso constituir um mal menor, leva a que o empate se torne no objectivo não-declarado mais vezes do que Sócrates desdiz o que disse garantindo ter sempre dito o que está a dizer. Ora jogar para o empate é de mariquinhas. (Desconfio que nos dias que correm é politicamente incorrecto usar o termo «mariquinhas» para designar atitudes que são, bom, mariquinhas, mas vou deixá-lo ficar porque não encontro melhor para descrever comportamentos que, bem vistas as coisas, são mariquinhas). O futebol está cheio de gente a jogar para o empata. Empatas. Como Carlos Queirós (resumo do jogo com o Brasil: eles não faziam questão de ganhar; nós jogámos à defesa). O empate é pantanoso. Uma coisa disforme. Prefiro ver o Federer perder. É uma sensação mais intensa e definida. Perder com galhardia é mais bonito do que empatar.
Hierarquias
O futebol parece-se demasiado com a vida do dia-a-dia. Um clube de futebol tem uma estrutura similar a uma empresa, o que implica hierarquias, jogos de poder, beija-mãos, problemas de motivação e utilização de bodes expiatórios. Ora eu – e certamente não estarei só – já obtenho no emprego quantidades de tudo isso muito acima da dose diária recomendada pela OMS. Por que raio haveria de ter vontade de mergulhar ao fim-de-semana num universo com exactamente as mesmas características? Mais: o futebol é um jogo colectivo, onde – dizem – todos os jogadores são igualmente importantes. Na realidade, como nas empresas, cada jogador desunha-se para sobressair do esforço colectivo (passa o raio da bola, Ronaldo de uma figa!) e a igualdade é ilusória: quantos defesas atingem a fama e a remuneração dos melhores atacantes? Por que motivo se desculpam dez falhanços de um ponta-de-lança mas se crucifica um guarda-redes após um ou dois? Mesmo nós, espectadores, relembramos essencialmente grandes jogadas individuais: Maradona no México em 1986; o calcanhar de Madjer; as performances de João Pinto enquanto jogador do Benfica nos encontros com o Sporting (#$%&£@§). Os «movimentos» colectivos tendem a desvanecer-se da memória. Antes um desporto individual, então. Sempre é menos hipócrita.
E já chega, que o Portugal – Espanha está prestes a começar. Qual será a nossa táctica, hoje? 5-5-0? Ou usaremos o quadrado?
* Mais conhecido como Bono.
P.S.: Uma nota de agradecimento à SportTV que, apesar de ter três outros canais a transmitir futebol, decidiu interromper a transmissão do encontro (retomando-a já com ele terminado) para apresentar a conferência de imprensa de Carlos Queirós. Enfim: todos sabemos como os treinadores de futebol têm sempre coisas importantes e originais a dizer antes dos encontros. É por estas e por outras que me recuso a ser assinante regular.
Compre um bilhete para o penúltimo dia do Estoril Open, esperando ver as duas meias finais masculinas e a final feminina. Chegue ao Jamor pouco depois do meio dia sob chuva persistente. Constate que nenhum encontro se iniciou e aguarde um par de horas. Não havendo alterações nas condições climatéricas, vá deixar a mala no hotel onde pernoitará e, cerca das quatro das tarde, sempre debaixo de chuva, opte por almoçar. Às cinco e qualquer coisa aperceba-se de que a chuva parou e encaminhe-se novamente para o Jamor. Fique bloqueado no trânsito da Segunda Circular, junto ao Estádio de... da... junto ao Colombo. Fuja logo que possa e siga em direcção a Alcântara. Chegue ao Jamor por volta das seis e corra até ao Court Central. Constate que Federer perdeu o primeiro set e encontra-se já a meio do segundo. Veja-o perder em cerca de meia hora. Junte-se à multidão que sai do Central em direcção ao Centralito, onde Frederico Gil disputa a outra meia final. Renda-se à evidência de que nem o irmão mais magro da Kate Moss, nu e untado em manteiga da cabeça aos pés, conseguiria entrar no court. Aperceba-se de que a final feminina também está a decorrer, num Court 1 com meia dúzia de gatos pingados (não literalmente, porque, relembre-se, parou de chover) a assistir. Sente-se e aprecie dois minutos de ténis, que é mais ou menos o tempo que demoram os cinco pontos que compõem o último jogo do encontro. Bata palmas à vencedora e à vencida e, verificando que continua a ser impossível entrar no Centralito, vá-se embora outra vez, dando o dia tenístico por concluído. Reze para que no Domingo (se também tiver bilhete para esse dia) consiga melhor rendimento dos 60 euros que lhe custou o ingresso.
(De momento não chove, mas...)
(Go, Gil.)
Gosto de ténis, gosto de ver meninas a praticar desporto, e não me importo nada que elas usem vestuário provocante (ah, o voleibol de praia). Todavia, o vestido que Venus Williams está a usar esta semana no torneio de Miami causa-me problemas. Eu simpatizo com Venus, de tal forma que até possuo este livro (fotos + ténis + mulher esbelta + preço simpático na Amazon = como resistir?), e já estou avisado de que este ano ela resolveu ser provocante. Mas o vestido vermelho de Miami, mais até do que a roupa interior de Melbourne, dificulta o meu seguimento dos encontros. Põe-me a pensar em cabarets parisienses de finais do século XIX e em bordéis do Velho Oeste. Faz-me recear que ela comece a dançar can-can, executando simultaneamente malabarismo com as bolas. Leva-me a murmurar que devia estar a usá-lo com botins (daqueles com atacadores) e não com sapatilhas, comportamento muitíssimo perturbador porque – basta olhar para mim para o constatar – eu nunca perco tempo a ponderar o que fica bem com quê. Maldoso, cheguei a ter vontade de que ela fosse eliminada para eu me poder concentrar nas jogadas mas, indiferente aos problemas que me causa (o egoísmo das estrelas), Venus foi ganhando sempre e conseguiu atingir a final (daqui a minutos, no Eurosport, frente a Kim Clijsters). De forma que, mesmo contrariado (pensam que gosto de pensar em bordéis e em vestidos de can-can quando podia estar a reflectir no que escrever sobre o PEC ou o caso dos submarinos?), lá me vou forçar outra vez a observá-la.
(Mas torço por Clijsters e não tem nada a ver com o vestido.)
(Foto retirada daqui.)
Ontem, um dia depois de eu ter publicado isto, Elena Dementieva foi afastada do open do Estados Unidos por uma adolescente norte-americana chamada Melanie Oudin. Pelo menos não parecem existir indícios de intervenção do PS no assunto.
Por alguma razão que a minha memória não registou, 2004 foi um ano em que voltei a prestar atenção a uma data de coisas. Já aqui dei conta do renascimento do meu interesse pela fotografia. Mas 2004 foi também o ano em que voltei a acompanhar com regularidade o que se passa no mundo do ténis.
No início de Setembro desse ano achei-me por acaso a assistir a uma meia-final do open dos Estados Unidos entre a russa Elena Dementieva e a americana Jennifer Capriati. O estilo de jogo de Dementieva manteve-me fascinado a olhar para o ecrã. Não por ser leve e cirúrgico como o de Roger Federer, ou potente e agressivo como o de Serena Williams, ou equilibrado e imaginativo como (era) o de Martina Hingins. O de Dementieva não tinha nada disso. Deixem-me descrever rapidamente a maioria dos pontos nessa meia-final. Comecemos com Dementieva a servir: primeiro serviço fraco contra a rede ou meio metro fora do quadrado de serviço; segundo serviço fraquíssimo que, quando acertava no quadrado de serviço (Dementieva foi durante anos a «rainha das duplas faltas»), levava a bola a bater (devagar) no court e a saltar (pouco) para o lado, num efeito que deixava Capriati incrédula e desamparada; se respondia em dificuldade (por ter de lançar-se para diante para conseguir responder), Dementieva tomava conta do ponto e massacrava-a; se, apesar de tudo, Capriati conseguia uma resposta forte, Dementieva passava o tempo a correr de um lado ao outro do court, devolvendo todas as bolas até Capriati se irritar e cometer um erro. Agora os pontos em que Dementieva respondia ao serviço: boa resposta (claramente, uma das melhores pancadas da russa); se Capriati ficava desequilibrada, Dementieva massacrava-a; se Capriati, não obstante a qualidade da resposta, conseguia pegar no ponto (o que sucedia na maioria das vezes), Dementieva passava o tempo a correr de um lado ao outro do court, devolvendo todas as bolas até Capriati se irritar e cometer um erro. Dementieva venceu o encontro no tie break do terceiro set e raras vezes vi uma jogadora tão – ia escrever «irritada» mas é mais «descoroçoada» – como Capriati após perder essa meia-final. Dementieva avançou para a final e, como já sucedera na de Roland Garros desse mesmo ano (que não vi), jogou de forma tão nervosa e insegura que foi trucidada pela adversária, uma compatriota a sair da adolescência, tímida e de aparelho nos dentes, chamada Svetlana Kuznetsova (em Roland Garros fora-o por Anastasia Myskina, uma compatriota mais ou menos da mesma idade que ela, esbelta e irascível).
Essa meia-final tornou-me um fã de Elena Dementieva. O jogo dela era tão incongruente e tinha tantos pontos fracos que era praticamente um milagre ela conseguir manter-se entre as melhores tenistas do mundo. Mas conseguia. Raramente ganhava às cinco ou seis melhores do ranking mas – e esse é o ponto que mais admiração me provoca ainda hoje – nunca desistia. Lutava sempre até ao fim, gritando (dizem que ocasionalmente expressões russas que não convém traduzir) ou sorrindo de desespero quando as coisas lhe corriam mal, falando com a mãe sentada nas bancadas (tentando mostrar-se impassível mas sempre tão claramente em pânico), pedindo uma bola e batendo-a para o lado oposto do court após uma pancada sem nexo (como se assim pudesse corrigir o erro e fazer com que tudo ficasse bem outra vez), seguindo a bola com o indicador esquerdo espetado no ar na preparação dos smashes (raros, porque ela não subia à rede com frequência), limpando o suor da testa com o indicador direito e correndo quilómetros e quilómetros de um lado ao outro do court em cada encontro. Em Novembro de 2006 fui vê-la a Madrid, aos WTA Championships (campeonato de final de época onde competem as oito melhores do ano e a que ela acedera com dificuldade). Como seria de esperar, perdeu os três encontros da fase de grupos. Em 2007 esteve algum tempo fora do circuito por causa de uma lesão (fractura de esforço em nada menos que três costelas ao mesmo tempo) e em 2008, depois de anos a ser avisada de que devia arranjar um treinador que lhe melhorasse o serviço (de longe, o seu ponto mais fraco), lá se decidiu a fazer alguma coisa a esse respeito. Hoje ainda não tem um grande serviço, ainda treme como varas verdes quando tem que servir para fechar um encontro, mas parece finalmente perto do seu verdadeiro potencial. Há cerca de um ano, para surpresa de muitos, ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Este ano perdeu nas meias finais do open da Austrália num encontro equilibrado com Kuznetsova (outra vez ela) e nas meias finais de Wimbledon num encontro extraordinário em que dispôs de match points frente a Serena Williams (que ganharia o torneio) mas que acabou por perder por oito a seis no terceiro set. Perto. Muito perto. Mas, como dizia a personagem interpretada por Rene Russo (o que é feito dela?) no Arma Mortífera 2 (fica sempre bem citar grandes obras literárias ou cinematográficas), «perto é uma loja de lingerie sem montra».
O primeiro encontro de Dementieva no open dos Estados Unidos deste ano aconteceu ontem. Ganhou facilmente. Continuo a ver nela uma determinação nova. Como se tivesse decidido ocupar finalmente o lugar que lhe estava reservado há muito entre as favoritas. Não sei se essa determinação vai resistir aos momentos em que tiver de servir para fechar encontros contra uma das irmãs Williams, contra Safina, contra Jankovic ou contra várias outras. Para ser franco, não estou à espera de que vença o torneio. Mas seria bonito. Acima de tudo, seria uma lição de força de vontade e perseverança. E as histórias baseadas em força de vontade e perseverança são tão mais luminosas quando têm um final feliz.
(A foto foi tirada em 2006, nos WTA Championships.)
Tenho evitado abordar o tema do futebol neste blogue. É possível que isso já sugira que sou sportinguista. Os adeptos do Sporting são muito diferentes dos adeptos do Benfica e do Porto, e não apenas por entre eles se encontrar um número extremamente elevado de banqueiros, como o Gato Fedorento notou há tempos. (Atendendo à reputação actual de tal gente, os restantes sportinguistas prefeririam car-jackers ou mesmo políticos de carreira, mas é só mais um entre tantos pontos a encarar com resignação.) O que torna um sportinguista num verdadeiro sportinguista é a atitude entre a confiança impetuosa e a dúvida persistente, entre a vontade de voar e a quase-certeza de que, se der o famoso passo em frente à beira do precipício, cairá a pique. É, se quiserem e para facilitar, uma abordagem intelectual e artística da vida e do jogo de futebol. Ouço já vozes em protesto avançando nomes de intelectuais confessadamente adeptos do Benfica ou do Porto, mas peço que não invadam por enquanto a caixa de comentários com bombas, petardos e very-lights; creio que, mesmo não sendo sportinguistas, irão conseguir perceber a diferença. (E admito também que uns quantos sportinguistas não o conseguirão; há sempre gente enganada na porta.)
Há exactamente um mês escrevi isto sobre o Estádio Olímpico de Berlim. Há poucos minutos, um outro negro, agora aplaudido entusiasticamente pelos espectadores, bateu o recorde do Mundo dos duzentos metros depois de, no passado Domingo, ter batido o dos cem. Usain Bolt é um fenómeno e há locais que a História privilegia. Felizmente, desta feita não há ditadores megalómanos e racistas nas bancadas.
A minha jogadora de ténis preferida, por razões que talvez eu um dia explique, é Elena Dementieva. Mas estou a ver o encontro de Svetlana Kuznetsova com a regressada Kim Clijsters e não consigo deixar de lembrar que foi Clijsters quem mais gostei de ver jogar nos WTA Championships de 2006, em Madrid (a foto foi tirada lá). Perdeu numa excelente meia-final em três sets com Amélie Mauresmo mas foi um prazer ver-lhe a garra, a concentração, a vontade de não desperdiçar tempo (é das jogadoras que menos demora entre serviços). Lembro-me que, na fase de grupos, venceu em cerca de 45 minutos um encontro com a mesma Kuznetsova que defronta hoje. (Após o qual estive prestes a apanhar a bola autografada que bateu na direcção dos belgas que estavam junto a mim, mas faltou-me um bocadinho assim – ainda me raspou nos dedos – e o ressalto não me favoreceu). Retirou-se meses depois, casou, foi mãe há um ano e pouco e decidiu agora regressar (como eu já referira aqui), não se sabe se para ficar muito, se pouco tempo (tem apenas 26 anos).
O encontro está no terceiro set, depois de Clijsters ganhar o primeiro e Kuznetsova o segundo. Nunca seria fácil, claro. Kuznetsova venceu Roland Garros este ano e está numa das melhores formas de sempre. Clijsters está a jogar o primeiro torneio após decidir regressar. Mas a combatividade continua lá e a forma física também (parece mesmo ter emagrecido). E, agora que é mamã, até se sente à vontade para dizer a um par de miúdos nas bancadas "be seated, ok? Thank you" naquele tom que qualquer criança sabe significar "eu estou bem disposta mas daqui a pouco as coisas mudam e vocês ficam sem televisão, computador e consola de jogos até amanhã".
Triplo match point. Ganhou. É um prazer tê-la de volta.
(Naturalmente, os miúdos sentaram-se.)
Por ser simpatizante do Sporting e, mais importante, pouco apreciador do universo futebolístico, tinha prometido a mim mesmo não fazer comentários sobre as eleições do Benfica. Mas, aqui sentado com a televisão a mostrar-me debates onde Benfiquistas evitam criticar as manobras sujas que caracterizaram a marcação das eleições ou a necessidade de um dos candidatos votar com escolta policial, resultados eleitorais de república das bananas, vaias aos derrotados e à comunicação social, entradas triunfais do inesperadíssimo vencedor, um discurso (cuja transmissão em directo obriga à interrupção de um debate sobre o estado da Nação na SIC Notícias) em que o presidente da vetusta e heróica agremiação parece não ir chamar “garotões” aos derrotados, acusando-os apenas de falta de dignidade, tenho que admitir que o Benfica é de facto o único clube verdadeiramente representativo dos portugueses. Dos mesmos que elegem Alberto João Jardim, Fátima Felgueiras ou Valentim Loureiro. Dos mesmos que cospem ou atiram lixo para o chão. Dos mesmos que ziguezagueiam por entre o trânsito e queimam os semáforos vermelhos. Acredito agora que o Benfica tenha os famosos seis milhões de adeptos. Talvez até sete, talvez até oito. Parabéns ao Benfica. Parabéns a Portugal.
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