como sobreviver submerso.

Sábado, 15 de Dezembro de 2012
Fabricando a verdade
Como as falsas imagens podem alterar memórias e comportamentos. (Por um lado, nada de verdadeiramente novo; por outro, atendendo a que tanto as manipulações como a disseminação nunca foram tão fáceis, cada vez mais preocupante. Os links no texto são excelentes.)

 

(Fotos de Brian Walski retiradas do artigo.)



publicado por José António Abreu às 13:44
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Quinta-feira, 28 de Julho de 2011
De Oslo ao deserto americano ou a sensação de irrelevância nas sociedades saudáveis
Sim, há o medo do outro, especialmente quando ele é diferente, e a ameaça a valores «tradicionais», encarados como definidores de uma certa pureza, e haverá também distúrbios psiquiátricos que outras pessoas abordarão com mais propriedade do que eu, apesar de frequentemente a teoria explicar muito pouco. A mim, a Noruega fez-me voltar a Ballard. Numa sociedade totalmente saudável, a loucura é a única liberdade possível. Aparentemente, não existem sociedades mais saudáveis do que as nórdicas. Nível de vida invejável, civismo exemplar, protecções sociais generosas. Contudo, os nórdicos são conhecidos pela taxa de suicídios (ainda que, à la Liberty Valance, o mito possa ter-se sobreposto à realidade), e, com certa frequência, surgem da Escandinávia notícias de matanças aparentemente aleatórias ou, como no presente caso, na sequência de planos minuciosos. A violência, que em países menos saudáveis tende a surgir associada à luta pela sobrevivência, a conflitos étnicos ou religiosos com dezenas ou centenas de anos (transformados eles mesmos em tradição) ou à raiva pelas injustiças sociais, é nos países ocidentais (no sentido lato de «ocidentais») uma recusa da conformidade. É uma consequência da sensação de que não se é mais do que um elemento irrelevante numa gigantesca engrenagem funcionando de acordo com uma lógica cada vez mais asfixiante e impossível de alterar. Ballard avisava que os actos «inexplicáveis» de violência continuarão a aumentar. É a única liberdade possível. Enfim, talvez não seja bem a única: o suicídio, um acto de violência dirigido para dentro (note-se como a taxa tem aumentado nas últimas dezenas de anos), será outra. E depois há paliativos. Dos mais corriqueiros – o consumismo desenfreado, a modificação do corpo, os hobbies tornados obsessão, a pintura de frases de protesto em paredes – aos mais perigosos. Por exemplo, a adesão a posições extremistas, que oferecem um conjunto de regras totalmente diferente. Mas os extremistas são confrontados com o facto de nas sociedades «saudáveis», da Europa do Norte ou de qualquer outra zona geográfica, não ser suficiente adoptar certas posições e alardear o facto. Escrever na internet comentários xenófobos, racistas ou contra uma determinada religião gera apenas umas quantas respostas inflamadas. Organizar uns encontros ou umas marchas pacíficas é notícia para rodapé de noticiário. Não há mudança. Ninguém liga. Continua-se irrelevante. Resta subir a parada. Tornar as marchas violentas ou (solução especialmente adequada para solitários, em número cada vez mais elevado nas sociedades «saudáveis») chamar a atenção por meios mais bombásticos (no pun intended). E é então que a sociedade, atingida no seu âmago, na sua sanidade, presta finalmente atenção. Um tipo que mata setenta e tal pessoas já não é um «idiota» que coloca coisas na internet. É um «monstro», alguém que abala certezas, que obriga a pensar. As sociedades «saudáveis» são sociedades anestesiadas e só a morte – e já não basta a morte de uma ou duas pessoas, a menos que sejam famosas – é suficientemente forte para dissipar o efeito da anestesia. Durante uns dias.

 

Ligada a esta sensação de manietação e irrelevância, há pelo menos um outro factor que talvez possa ser abordado analisando a pergunta: por que são quase todos estas pessoas, estes assassinos, estes «monstros», do sexo masculino? (Como os suicidas, de resto.) Ballard outra vez: Nós não somos os seres racionais que pensamos ser. Somos selvagens. Os nossos sistemas nervosos centrais, os nossos cérebros, os nossos instintos, os nossos reflexos estão adaptados à vida de caçador solitário. Ou Cormac McCarthy. Por um motivo completamente diferente, Ana Cristina Leonardo levou-me a retirar Meridiano de Sangue da estante. Reli algumas das dissertações filosóficas que o juiz Holden faz aos seus companheiros, nos intervalos entre matanças e recolha de escalpes (sim, é ficção mas frequentemente aprende-se mais na boa ficção do que em herméticos manuais científicos) . Eis a natureza da guerra, cujo prémio é a um tempo o jogo e a autoridade e a justificação. Vista desta maneira, a guerra é a forma mais genuína de adivinhação. É pôr à prova a nossa vontade e a vontade de outrem no quadro daquela vontade mais vasta que, pelo facto de vincular todas as vontades individuais, é obrigada a escolher. A guerra é o jogo supremo porque representa, em última análise, o romper da unidade da existência. A guerra é deus.[…] Quando um homem cai morto num duelo, isso não demonstra que as suas ideias estavam erradas. O facto de ele se ter envolvido numa tal prova apenas atesta uma nova e mais vasta perspectiva. A vontade dos duelistas de renunciar a quaisquer novas discussões, reconhecendo o carácter trivial de todo e qualquer debate, e de apelar directamente às instâncias do absoluto histórico indica claramente a pouca importância de que se revestem as opiniões e a grande importância das divergências em torno dessas mesmas opiniões. Pois a discussão é efectivamente trivial, mas o mesmo não se pode dizer das vontades opostas que a discussão pôs em relevo.* A guerra enquanto jogo último. Enquanto necessidade masculina (ah, a testosterona) de conquista de poder e de testar limites – os do outro e os próprios. Antes, os homens caçavam e lutavam e, numa fase em que isso já não era bem visto, ainda entravam em duelos. Mas nas sociedades «saudáveis» (em parte, sinónimo de mais femininas) não se luta – não verdadeiramente, pelo menos. As lutas são mal vistas e as que existem têm de permanecer dentro dos limites entendidos como aceitáveis. Uma discussão num bar não pode acabar em pancadaria, da mesma forma que um desaguisado entre vizinhos não pode acabar em tiros ou em facadas. Nas sociedades «saudáveis» apenas as claques de futebol guerreiam (por vezes, sob falsos pretextos: de que forma a paixão a um clube, só por si, justificaria vandalizar áreas de serviço?). Ballard, aliás, defendia que se tornassem os desportos mais violentos e não menos. Até o trânsito – um escape em sociedades um pouco menos «saudáveis», mais dadas à troca de insultos, como a portuguesa – foi em muitos países civilizado à força de radares e pressão social. Esta luta contra os instintos tem consequências. Deixa latente uma sensação de cobardia, de insignificância, pronta a manifestar-se. Pronta a agarrar qualquer pretexto.

 

Ainda por cima, numa reacção natural mas, em parte, contraproducente, a resposta política e social a casos como o da Noruega é envidar esforços para aumentar o grau de sanidade. Lançar programas para ensinar tolerância. Perseguir ou regular sectores que não parecem tão «saudáveis» quanto deviam (heavy metal e jogos de vídeo, por exemplo). Proibir o acesso a armas de fogo. Criar mecanismos de vigilância mais intrusivos. Tudo em nome de uma lógica inatacável. Sensata. Civilizada. (E isto não é ironia; eu não me importava de viver na Noruega e é evidente que não devemos andar por aí aos tiros uns aos outros, até porque a minha pontaria deixa um bocado a desejar – e este último ponto, sim, é ironia.) Mas, afirmem Rousseaunianos e outras almas bem intencionadas o que afirmarem, o homem não é um ser «saudável». Ainda não. Talvez daqui a uns milhares de anos – ou umas dezenas, com manipulação genética (hurrah). Nos próximos tempos, ajudada pelo declínio económico, a pressão aumentará. Desconfio que em breve voltarei a Ballard.

 

* Edição Relógio d'Água, 2004. Tradução de Paulo Faria. Páginas 295 e 296.



publicado por José António Abreu às 23:14
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Terça-feira, 11 de Maio de 2010
Papa

Em Lisboa outra vez, dei de caras com o Papa. Bom, não exactamente: digamos que, mesmo sem fazer grande esforço, vi-o passar. E deixem-me confessar (não nesse sentido) que até uma pessoa como eu, que só evita classificar-se como ateu à frente da mãe, espera algo de especial à passagem do Papa. Uma aura qualquer. Um raio de luz a acompanhar o Papamóvel (um dos Mercedes com menos piada que já vi, e eu nem gosto particularmente de Mercedes). Nada. Apenas um senhor idoso com ar de mártir agradecido, de cabelo e vestido brancos, exposto numa vitrina. Uma das coisas menos espectaculares a que já assisti, e garanto que já tive oportunidade de assistir a várias coisas pouco espectaculares na minha vida. Ainda assim, o Papa fez questão de me acenar (ou então foi para a rapariga com um belíssimo par de ancas que abanava furiosamente uma bandeirinha, ou para a senhora rechonchuda que lhe enviava beijos, ambas à minha frente, encostadas às grades) antes de desaparecer em menos de cinco segundos na curva de acesso ao Rossio. Passei a hora seguinte tentando sentir-me abençoado mas parece que sou imune a bênçãos. Dava-me mais jeito ser imune à gripe ou à cobrança de impostos.

 

Na verdade, achei mais piada aos preparativos. Antes, à hora da almoço, a Avenida da Liberdade sem trânsito, excepto pelos veículos prioritários passando com a urgência dos momentos cruciais, os polícias espalhados por todo o lado, com aquele ar que significa «não sabemos bem o que se passa mas deve ser grave, por isso não chateiem», tinham-me feito sentir como no cenário de um filme de acção. Ainda olhei em volta, à espera de ver o Will Smith, ou o Bruce Willis, ou o Tom Cruise correndo pela avenida abaixo. Só vi polícias, nos seus uniformes azuis. Aliás, o Benfica pode ter ganho o campeonato mas nunca vi tanto azul em Lisboa. Para além dos polícias, andavam por cá centenas de miúdos envergando t-shirts dessa cor, com a frase «Eu acredito» nas costas. Tocante, não? Pelo menos, eu achei. Especialmente depois de passar por quatro raparigas adolescentes que subiam a Avenida da Liberdade cantando alegremente «Come o Papa, Joana, come o Papa». Não cheguei a perceber qual delas era a Joana porque estavam todas igualmente divertidas. E também eram todas bastante girinhas. Ainda nos admiramos dos padres não resistirem a certas tentações...



publicado por José António Abreu às 22:36
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Quinta-feira, 4 de Março de 2010
Errado e mais errado
A greve dos trabalhadores da função pública é errada acima de tudo porque são exigidos efeitos (aumentos salariais) sem que os que a instigam e fazem estejam disponíveis para aceitar mudar as causas que os impossibilitam. Compreende-se: há ideologia, interesses e questões de imagem em jogo, muito mais importantes do que a realidade económica e financeira. A ironia está em quão parecidos com o governo, no estilo e na substância, isso os torna. No fundo, a luta é entre políticas erradas (as do governo) e políticas ainda mais erradas (as dos sindicatos e dos partidos à esquerda do PS), sendo que todos se mostram horrorizados com a ideia de experimentar outras.


publicado por José António Abreu às 19:17
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Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2010
Insensibilidade
Receio estar a ficar insensível a catástrofes. À contagem de mortos nas catástrofes. Cem mortos (já se pode considerar uma catástrofe?). Mil mortos. Cem mil mortos. É-me praticamente indiferente. Questão de zeros. Não pretendo diminuir a importância do que sucedeu no Haiti. Foi e está a ser horrível. Mas uma catástrofe, quando distante, é hoje e antes de mais um número com efeito de choque: «Jesus, parece que há cem mil mortos!», «Não, afinal é meio milhão!» E acompanhamos as frases com um frémito de horror, sendo que há uma componente de fascínio e outra de alívio na nossa voz. Fascínio pela dimensão da tragédia, alívio por ter acontecido lá longe. Actualmente, as catástrofes naturais expressam-se em números que se comparam para saber se a última foi mais ou menos mortífera do que a anterior. Como o número de mortos nas estradas por altura do Natal ou da Páscoa. Oito, dez, doze: qual a diferença para quem está defronte do televisor?
 
A morte já só impressiona em histórias individuais. Com pormenores que revelem o sofrimento de quem morreu ou de quem sobreviveu. É por isso que as televisões procuram casos específicos. Dizem-nos «meio milhão de mortos» mas vão à procura de casos concretos para que possamos sentir a dor. Dos pais das crianças que morreram, da mulher com um braço ao peito, do miúdo que ficou sozinho no mundo. Todavia, ao fazê-lo causam-nos (não, nada de generalizar: causam-me) uma outra sensação: a de estar assistindo a algo forçado, encenado, o episódio de um reality show. (O mal que a proliferação de reality shows fez à nossa capacidade de encarar a realidade de forma espontânea…) E surgem então vontades contraditórias: a de continuar a ver, em fascínio mórbido, e a de desligar o televisor, em negação.
 
A verdade é que a televisão, com as suas exigências de encenação, de novidade e de narração, é um filtro demasiado poderoso para que a autenticidade da dor subsista incólume. Vejo um homem com um penso cobrindo-lhe parte da cara, gente deitada nas ruas, edifícios em escombros, pessoas descarregando material de camiões, militares marchando para dentro de aviões, e sinto-me estranhamente anestesiado. Nestes tempos de sobrecarga sensorial, a única forma que me resta de sentir emoções é recorrer ao cérebro. À imaginação. (É o trabalho da imaginação que faz com as fotografias funcionem melhor do que a televisão.) Porque o que me incomoda está por trás das evidências – é o sofrimento e, no caso dos mortos, o sofrimento que precedeu as mortes. Há poucos dias vieram a público notícias da morte por frio de vários idosos que viviam sozinhos. Não mil nem dez mil: nove. Um número tão pouco impressionante que os jornais se sentiram forçados a salientar que tinham ocorrido num período de doze horas. Estas nove mortes incomodaram-me tanto ou mais que as mortes do terramoto no Haiti. E não por estarmos a falar de portugueses. (Desagrada-me, aliás, o comportamento recorrente dos meios de comunicação, realçando ad nauseam a inexistência de portugueses feridos em catástrofes ocorridas no estrangeiro, no que é quase uma insinuação de que – bastava um – podia ter sido pior.) Estas nove mortes incomodaram-me porque teria sido possível fazer algo para evitá-las (não resultaram de um imprevisível desastre natural) e especialmente porque aconteceram na sequência de um longo processo de sofrimento físico e psicológico. Dor. Solidão. Incapacidade. Frio. Desespero. São factores como estes – é pensar em factores como estes – que tornam a ideia da morte difícil de suportar. Daí que, quando penso no Haiti, não seja o número de mortos que me faz estremecer mas aquilo por que os vivos estão a passar. E, antes de quaisquer outros, os vivos-ainda-não-mortos (ou talvez os mortos-ainda-vivos), presos nos escombros com pernas e braços partidos, esvaindo-se em sangue, tentando suportar a dor e a noção de que vão morrer. Depois os que, não estando soterrados, estão feridos, sem que exista capacidade de socorro adequada. Finalmente, aqueles que, durante os próximos dias ou semanas, enfrentarão a fome, a sede, as doenças, os surtos de violência. Pensar na agonia – individual, mesmo quando multiplicada por milhares de casos – ainda tem (não sei se por muito, se por pouco tempo) força suficiente para me perturbar. A morte, não. A diferença entre mil ou cem mil mortos é estranhamente nublosa: um pouco como comparar dois filmes de acção com orçamentos totalmente díspares – o tamanho das explosões é diferente mas o filme nem por isso. E talvez a nebulosidade da distinção permita compreender como tantos regimes puderam e podem causar milhões de mortos: depois de se começar, as vítimas cessam de ser indivíduos e o seu número deixa de ser relevante.
 
É por tudo isto que tenho medo de estar a ficar insensível à contagem de mortos em catástrofes  De não lamentar ou me horrorizar tanto quanto devia. Mas o facto de o terramoto no Haiti ter causado a morte a milhares de pessoas (e há uma diferença entre dizer «milhares de mortos» ou «milhares de pessoas mortas»; murmurem-no e verifiquem) e de tantas outras estarem em dificuldades consegue ainda suscitar-me raiva e incompreensão. Carlos Barbosa de Oliveira escreveu-o aqui: parece que há povos (como também há pessoas) que nunca chegam a ter uma hipótese.


publicado por José António Abreu às 20:15
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Sexta-feira, 1 de Janeiro de 2010
O balanço
Agora que a década já acabou há dezasseis horas e quarenta e sete minutos (bem, obrigado) começa a ser possível analisá-la com algum distanciamento crítico. Não tendo sido uma década brilhante, podia ter corrido pior. Afinal, tanto eu como quem me lê (com a possível excepção do pessoal do É Tudo Gente Morta) ainda estamos vivos. Em Portugal, foi marcada por uma crise económica (internacionalmente aconteceram duas mas nós, viciados em crises como somos, conseguimos uni-las) e por uma praga. Da crise não vale a pena falar. A praga chamou-se (e chama-se) Partido Socialista: prosseguindo o trabalho preparatório encetado na década anterior, teve no início desta um papel fundamental na origem da crise e empenha-se afincadamente ainda hoje no seu agravamento. Se fosse de atribuir prémios, dar-lhe-ia o prémio «coerência».
 
O acontecimento da década foram, evidentemente, os ataques de 11 de Setembro de 2001, por terem causado milhares de mortos e duas guerras mas, mais importante, por terem criado o vilão com tendências aparentemente apocalípticas que as pessoas mais adoraram detestar desde que Peter Sellers fez de Dr. Estranhoamor. (Mas o sidekick, aquele que disparava em companheiros de caçada, assustava mesmo). Felizmente, o final da década trouxe de novo esperança à humanidade com o surgimento de um super-herói que, ao contrário do Batman, do Surfista Prateado, do Darkman, que são personagens negras, torturadas, quase psicóticas, é apenas negro.
 
Quanto àquelas coisas de «álbuns da década», «livros da década», «filmes da década» e «etceras da década» tenho que confessar que ainda não pensei nisso  a sério. Sim, o álbum da década é provavelmente Funeral, dos Arcade Fire (mas os que mais vezes ouvi foram Regeneration, dos The Divine Comedy, logo em 2001, e o par Wide Awake, It’s Morning / Digital Ash in a Digital Urn, de Bright Eyes, em 2005), o livro da década é A Estrada, de Cormac McCarthy, o filme da década… nah, ainda não vou arriscar, até porque o meu cérebro, filho da mãe irritante que se julga mais esperto do que eu, me está a martelar incessantemente aos ouvidos (não faço ideia de como o consegue, ainda por cima quando lá tenho enfiados um auscultadores debitando Animal Collective) «Chris Nolan, Wes Anderson, Chris Nolan, Wes Anderson…» e não me apetece parar para analisar tudo o que isso implica. Mas não me importo de escolher o videojogo da década (Ico, para a Playstation 2), o desportista da década (Roger Federer, quem mais?*) e o pastel de nata da década (o que comi no dia 24 de Setembro de 2002, em jejum, facto que admito poder ter tido influência na impressão que me deixou).
 
* Eu sei que também há um senhor chamado Tiger Woods mas continuo relutante em chamar desporto a uma actividade em que não se transpira pelo menos um bocadinho.


publicado por José António Abreu às 16:47
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Quinta-feira, 31 de Dezembro de 2009
Mamíferos
Às vezes apanho-me a ver aqueles programas televisivos especializados em entrevistas a «celebridades», festas pejadas de «celebridades», viagens, sessões fotográficas e saídas para compras com «celebridades». Vocês sabem: programas como o Fama Show ou a coisa ectoplásmica que dá pelo nome de Só Visto! (sim, confirmei que tem ponto de exclamação). Nessas alturas fico na dúvida se fui dominado pela minha costela pimba (todos a temos), pela minha costela voyeurística (idem), ou pela minha costela masoquista (que sempre pensei ser uma das superiores, mais pequeninas). Mas não me resta qualquer dúvida de que, como dizia Seth Meyers no episódio do Saturday Night Live que a Fox transmitiu no Sábado passado (e percebemos que a realidade está mesmo absurda quando o humor deixa de ser nonsense para passar a evidência), «Chegámos a um ponto em que 'celebridade' apenas significa 'mamífero'.»
 
(E vai-se a ver ainda há algures um escaravelho famoso.)


publicado por José António Abreu às 13:06
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Segunda-feira, 21 de Dezembro de 2009
Compasso de espera
O Natal bloqueia a criatividade. É uma época em que ser cínico, ou mesmo apenas irónico, parece um acto mesquinho. Mas abraçar o Natal, procurar falar ou escrever sobre os seus pontos positivos (a família, a comunhão, a esperança, a fé), desemboca quase sempre no cliché, numa sensação de mau actor em peça de escola. O Natal está demasiado visto (na TVI perceberam-no e, em vez de O Feiticeiro de Oz ou de Do Céu Caiu uma Estrela, passam Transformers na noite de Natal deste ano). Não pretendo dizer que tudo o que se escreve sobre o Natal é mau. Há quem ainda consiga fazê-lo sem cair no cliché ou no cinismo. Referi um exemplo aqui, num texto que me saiu – que surpresa – negro, tão pouco dentro do espírito Natalício. Mas não eu. E, por isso, nem tento. Mantenho um sorriso nos lábios, como se faz durante momentos embaraçosos, e espero que passe.


publicado por José António Abreu às 11:17
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Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009
Thatcher, catalisadores e «econogia»
Agora (um nadinha) mais a sério. Nas décadas de setenta e oitenta do século XX (há muito, muito tempo, portanto) a primeira preocupação ambiental estava ligada aos efeitos de acidentes em centrais nucleares. A segunda era a chuva ácida. Curta lição de química: compostos de enxofre e de azoto que não deviam estar na atmosfera combinam-se com oxigénio e vapor de água (que felizmente estão) e os resultados incluem ácido sulfúrico e ácido nítrico que atingem a superfície quando chove. Durante décadas, as florestas e os lagos do Norte da Europa sofreram danos severos, ao ponto de em alguns lagos dos países nórdicos ter deixado de existir vida animal. A pergunta óbvia: o que produz os compostos de enxofre e de azoto? A resposta, tão inovadora quanto um remake de um remake de Hollywood realizado por um tarefeiro de quarta qualidade: a queima de combustíveis fósseis. Como se procurou resolver o problema? Entre outras medidas, tentando produzir menos energia eléctrica a partir do carvão e do petróleo e mais a partir do gás e – a ironia – da energia nuclear, e instalando na exaustão de vários processos, incluindo no tubo de escape de todos os automóveis, um catalisador. Nos carros, o catalisador converte os produtos nocivos que o motor produz (óxidos de azoto e monóxido de carbono) em azoto, oxigénio e num composto que, até ao início da década de noventa, pouca gente via como muito pernicioso (afinal, nós atiramos mais de uma dúzia de baforadas dele para a atmosfera em cada minuto*), chamado – adivinharam – dióxido de carbono. A instalação do catalisador, solução apresentada como quase miraculosa, tornou-se ponto de honra para ambientalistas e maioria dos governos. Depois de um período de resistência por parte dos construtores de automóveis (que temiam o aumento dos custos e a diminuição das performances e da fiabilidade dos carros), das petrolíferas (que produziam gasolina com chumbo que destruía os catalisadores) e de alguns governos (com o britânico à cabeça; Thatcher, sempre irritante, assegurava que o catalisador não era a solução porque – imagine-se – produzia dióxido de carbono e que o que se devia fazer era desenvolver a tecnologia de lean burning** e começar activamente a procurar alternativas para o combustível fóssil), o problema pareceu ficar resolvido. As florestas e os lagos começaram a recuperar e os carros não tardaram a ficar ainda mais potentes e fiáveis. Só que o dióxido de carbono revelou-se mesmo um problema e até um problema ligeiramente grave. Dizem muitos cientistas que está na origem da principal preocupação ambiental da última década: o aquecimento global (embora alguns pareçam ter dúvidas de que o planeta esteja mesmo a aquecer, pelo menos quando trocam mensagens de correio electrónico entre si). E lá chegamos a Copenhaga e às medidas para diminuir as emissões de dióxido de carbono. Por quê relembrar tudo isto? Porque, se Thatcher não tinha toda a razão (era preciso fazer algo imediatamente), Thatcher (e relembre-se que a formação da senhora é em Química) também tinha alguma razão: os catalisadores não foram a panaceia para todos os problemas ambientais, tendo até ajudado a agravar alguns, e teria sido importante um maior esforço no estudo de soluções alternativas aos combustíveis fósseis. Por todas as razões, não só técnicas mas também económicas e políticas (que Thatcher também entendia perfeitamente). Ou, se preferirem, refiro-o porque convém salientar que não há soluções perfeitas e que, por entre todas as que são propaladas por políticos, ecologistas e meios de comunicação, algumas têm problemas sérios, para o ambiente e – talvez não menos importante, nos tempos que correm – para a economia. Apostar na tecnologia errada pode ter custos elevadíssimos. Imagine-se que as dificuldades técnicas relacionados com a utilização de hidrogénio como combustível nos automóveis – provavelmente a solução com menores consequências ambientais – são resolvidas; para que servirá nessa altura a rede de abastecimento de carros eléctricos – utilizadores de baterias pouco amigas do ambiente e cuja disseminação aumentará a necessidade de produção de energia eléctrica, parte da qual será certamente ainda obtida a partir de combustíveis fósseis – que vai ser instalada? Por outro lado, há já erros claros. Apoiar fiscalmente os automóveis híbridos é um deles: um Toyota Prius tem direito a benefícios fiscais mas emite sensivelmente a mesma quantidade de dióxido de carbono que um Renault Mégane 1.5 dCi*** e ainda dá origem a outros problemas ambientais, devido ao número de baterias que utiliza. Sendo importante não perder tempo, é fulcral ter cuidado. As próximas décadas serão cruciais para o ambiente mas também para a economia de muitos países. Os que fizerem as apostas certas podem lucrar imenso. Os que cometerem erros graves pagarão um preço elevado. Num país como Portugal, com uma crise estrutural grave que não passará rapidamente, um governo que parece funcionar mais por impulsos e visões do que por análises racionais (lembram-se dos discursos entusiasmados do Primeiro-Ministro sobre os biocombustíveis há somente três ou quatro anos?), onde o escrutínio da acção do governo é fraco, a iniciativa privada é frágil e/porque está quase toda dependente das vontades do governo, os riscos são ainda maiores. Em resumo: a economia e a ecologia estão mais ligadas do que nunca (já alguém sugeriu o termo «econogia»?) mas ainda não é claro que sejam amigas.
 
* Razão por que, na lógica do poluidor-pagador, todos os praticantes de desporto deviam pagar uma taxa ecológica.
** Ou combustão baseada numa «mistura pobre», em que a percentagem de combustível é muito menor do que a usada nos motores que temos instalados nos veículos que conduzimos.
*** Ou equivalente.
 
(Foto obtida aqui.)


publicado por José António Abreu às 21:10
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Quinta-feira, 10 de Dezembro de 2009
Guerra e Paz
Obama explicou a necessidade da guerra ao receber o Prémio Nobel da Paz. Meteu lá pelo meio Luther King e Mandela e frases destinadas a suavizar a mensagem mas ela não deixou de ficar clara: os Estados Unidos querem a paz mas não hesitarão em fazer a guerra para a conseguir, se a isso forem obrigados. Pela primeira vez, admirei a coragem e frontalidade do homem (há outros aspectos que eu já admirava). Divertido é ver como alguns dos seus apoiantes mais à esquerda (Mário Soares, por exemplo) assobiam para o lado e continuam a assegurar que ele é um símbolo da paz – daquela que não admite a guerra em qualquer circunstância – e que até o envio de mais 30 000 militares para o Afeganistão (uma medida de eficácia dúbia mas cujo sucesso seria fundamental para todos nós) é uma espécie de passo à frente que prepara uma corrida para trás. O discurso de hoje não foi no estilo daqueles que o tornaram famoso. Não empolgou, não criou ilusões. Foi sensato e realista. Foi, apesar de algum excesso de retórica (uma marca que ele parece não conseguir evitar), excelente.


publicado por José António Abreu às 22:18
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Segunda-feira, 7 de Dezembro de 2009
Coelhinha

 

Descubra o cromossoma Y.

 

Estou decididamente a ficar velho. Descubro-me cada vez mais frequentemente a pensar que no meu tempo é que era. Não sei se sucedeu por causa da tendência actual para o politicamente correcto (exigência do Miguel Vale de Almeida?), se por falta de dinheiro para convencer meninas a despirem-se, mas ver Ricardo Araújo Pereira na capa da Playboy destrói qualquer esperança que um homem ainda pudesse ter numa organização minimamente lógica da sociedade. É a primeira vez na história da revista que um homem tem a capa só para ele. Eu, que nunca achei a edição portuguesa grande coisa, fico envergonhado por sermos nós (estamos frouxos) a destruir mais de meio século de assumido e descomplexado hedonismo heterossexual. Hugh Hefner estaria em choque se, felizmente, não estivesse já um pouco xexé. Ainda por cima, a foto ficaria melhor na revista do Expresso do que na Playboy. Onde estão as plumas, as luvas até ao cotovelo, os bikinis minúsculos? Olha-se para Ricardo Araújo Pereira e percebe-se, aliás, que está tão confuso como qualquer outro homem (ou até mulher) com um mínimo de respeito pelos ícones do século XX estaria. A pensar: Isto é embaraçoso, pá; a capa da Playboy é para meninas. Tem toda a razão, claro. E, agora que o precedente foi aberto, quem fará a capa de Janeiro? O Carlos Castro? Suponho que sempre é mais provável que aceite usar plumas.
 
P.S.: E onde está o coelho? A caça à cabeça do coelho nas capas da Playboy era um excelente passatempo a que um jovem com aspirações, digamos, erótico-culturais se podia dedicar depois de folhear a revista, até para recuperar da estupefacção – misturada com uma pitada de horror, reconheça-se – que o tamanho das glândulas mamárias das raparigas americanas lhe causava. Não me digam que é aquela miserável mancha no ombro de RAP? RIP, Playboy Portuguesa. E quanto mais depressa, melhor.


publicado por José António Abreu às 20:52
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Sábado, 21 de Novembro de 2009
A mi pesar
Gonzalo Torrente Ballester escreveu a frase no livro Filomeno, A Mi Pesar, atribuindo-a a um diplomata português. Usou-a para exemplificar a capacidade que os portugueses demonstram para contornar os assuntos complicados. Dedico-a ao juiz de instrução criminal de Aveiro que investiga o caso Face Oculta: «Vossa excelência tem razão, mas não a tem toda, e a pouca que tem não lhe serve de nada.»


publicado por José António Abreu às 21:53
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Sexta-feira, 20 de Novembro de 2009
Estamos assim
É este o país que criámos. Fomos assistindo passivamente enquanto seres ignóbeis assumiam cargos decisivos. Até aplaudimos alguns. É por isso que talvez também seja este o país que merecemos.
 
(Cheguei ao caso através do Corta-Fitas.)


publicado por José António Abreu às 08:34
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Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009
Culpados e inocentes
A polícia inglesa arquivou o caso Freeport. Não terá descoberto provas suficientes de corrupção para formular acusações. Muito bem. É provável que em breve as autoridades portuguesas façam o mesmo. Em princípio, nada a apontar. O problema é que, com a justiça portuguesa no estado em que se encontra, arquivamentos já não significam inocência. Apenas – precisamente falta de provas (ou provas inadmissíveis). De onde resulta que a suspeição permanece. Sobre os culpados e sobre os inocentes. Os primeiros, embora finjam o contrário, não se importam (safaram-se ainda assim), os segundos não mereciam o estigma. Por cá, «justiça» é um conceito de dicionário.


publicado por José António Abreu às 08:25
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Segunda-feira, 9 de Novembro de 2009
Preto-e-branco a cores
É-me difícil pensar no muro de Berlim sem deixar a ficção sobrepor-se à realidade. É-me também difícil pensar em Berlim a cores. Mesmo antes do muro, Berlim era a cidade do «anjo azul»: Marlene, em glorioso preto-e-branco. Depois passou a ser a cidade de Alec Leamas, George Smiley e Harry Palmer. É verdade que Smiley, interpretado pelo fabuloso Alec Guiness, já nos surgiu a cores, na série de TV dos anos oitenta. Ainda assim. Na minha cabeça, Berlim (e o muro) continua a ser um cenário a preto-e-branco. Fascinante mas opressivo. Com controlos de passagem, feixes de luz varrendo as zonas de transição, homens de sobretudo nas sombras. Preto-e-branco como um sonho desconfortável. E não deve acontecer apenas comigo: alguma razão terá levado Wim Wenders a optar pelo preto-e-branco para parte do sublime As Asas do Desejo ou Steven Soderbergh a optar por um preto-e-branco fortemente contrastado para O Bom Alemão.
 
Todavia, ao visitar-se Berlim hoje o preto-e-branco afigura-se incompreensível. Berlim é uma cidade colorida, moderna, cosmopolita. Outros debaterão as questões políticas e económicas, as feridas mal saradas, os saudosismos deslocados. A mim impressiona-me o modo como a cidade assumiu o passado para dar um salto em direcção ao futuro. Por vezes de forma polémica: fosse eu Berlinense (e, desde Kennedy, não o somos todos um pouco?), teria provavelmente combatido algumas das opções tomadas. No fim de contas, colocar uma cúpula de vidro no Reichstag em vez de reconstruir a abóbada de acordo com as características originais é, se analisada friamente, uma opção que não pode deixar de repugnar. Todavia, perante a obra, não consigo deixar de pensar que a decisão faz sentido: não renegando o passado, escolhe-se – porque ele foi doloroso – olhar para o futuro. Há poucos meses escrevi sobre o assunto aqui e, na verdade, nada tenho agora a acrescentar.
 
Ou talvez só mais uma coisa, entrando afinal no campo político. Outras pessoas olham para Berlim e recordam ficção. Outras ficções, mortíferas, que não deviam ter saído do plano ficcional. As mesmas que essas pessoas lembram quando olham para Praga ou para Moscovo ou que ainda vêem em Pyongyang. Esta manhã na TSF Jerónimo de Sousa falava de «outros muros», de «forças progressistas» que incluem o PCP, de como, vinte anos depois da queda do muro, «o mundo está pior». O mundo nunca estará «bem» mas, independentemente do que possa ainda acontecer e porque a liberdade é um valor inegociável e o medo uma realidade inaceitável, ficou melhor no dia em que o muro de Berlim caiu.

Em cima do muro, preto-e-branco e cor.



publicado por José António Abreu às 18:53
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Terça-feira, 3 de Novembro de 2009
O carreiro
Sou leitor regular (não diário mas quase) do jornal Público. Há um par de anos, quando o excelso, impoluto e visionário licenciado em engenharia que nos lidera começou a atacá-lo (verbalmente e excluindo-o das campanhas publicitárias de organismos estatais), passei a comprá-lo ainda mais amiúde: quando o poder é arrogante, mais necessárias se tornam as vozes dos que não se deixaram comprar ou ofuscar. Nos últimos meses, o Público terá cometido erros. Ter-se-á deixado usar pelos interesses (e pela falta de jeito para intrigas) do PSD e do Presidente da República. É possível que sim. Mas prefiro, de longe, um jornal que comete erros mas investiga e noticia os inúmeros casos dúbios (e «dúbio» é um eufemismo tão grande que até tenho vergonha do o escrever) da política portuguesa do que outro, que finge ser sério e isento quando mais não é do que uma versão circunspecta do Acção Socialista.
 
A saída de José Manuel Fernandes era inevitável. Nada em Portugal subsiste sem o beneplácito do Estado. Trata-se quase de um milagre – agradeça-se ao feitio «antes quebrar que torcer» da família Azevedo – que o Público tenha aguentado durante tanto tempo. Como no caso da TVI, isso acabou. No primeiro editorial da nova direcção perpassa algum nojo pelo passado recente. Anuncia-se uma nova etapa. Menciona-se o fundador Vicente Jorge Silva (ainda por cima para referir as críticas que ele – um ex-deputado socialista – fez recentemente ao jornal) mas evitam-se referências a José Manuel Fernandes. Não surpreende: afastamo-nos tão rapidamente quanto podemos dos que caíram em desgraça. No mundo animal, o instinto de sobrevivência tende a prevalecer sobre todos os outros. Discordei muitas vezes de José Manuel Fernandes. Considero que cometeu erros grosseiros. Mas escrevia o que pensava. Hoje, não sei (ainda?) o que é o Público. O pormenor dos editoriais passarem a não ser assinados é menor mas significativo. Escrevia alguém algures que na maioria dos países não é habitual os editoriais serem assinados. Outra pessoa ironizava com a coincidência de muitos dos que se insurgem contra o facto lerem a The Economist, onde também não são. A verdade é que a The Economist tem uma linha editorial clara. Toma posição em todas as questões importantes. Como é de resto tradição no mundo anglo-saxónico. (Mas não só: alguém tem dúvidas quanto ao alinhamento do El País ou do El Mundo?) Em Portugal, nação de pessoas cinzentas, comprometidas e cobardes, nenhum meio de comunicação se atreve a fazê-lo (excepto – quão ridículo se pode ser? – quando a política em debate é a norte-americana). A «neutralidade» (um conceito absurdo e maligno) é um mantra na comunicação social, o «respeitinho» a regra que ninguém se atreve a questionar. Com a previsível entrada do Público no carreiro dos órgãos de comunicação bem-comportados (outro eufemismo), este «ninguém» está cada vez mais pequeno.


publicado por José António Abreu às 20:16
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Quinta-feira, 29 de Outubro de 2009
Astérix: celebração e lamento

Astérix faz hoje cinquenta anos. Para ser sincero, nunca me pareceu ter menos. Não comprei qualquer dos livros saídos depois da morte de Goscinny e já não leio os que tenho há muitos anos mas o simples nome é suficiente para me suscitar um sorriso ao lembrar as gargalhadas da juventude. Para celebrar o aniversário há um novo álbum que parece não ser mau. Mas leio que, de há uns tempos a esta parte, alguns dos nomes originais foram «aportuguesados». E não de forma subtil. Assuranceturix passou a Cacofonix e – custa-me até escrevê-lo – o chefe Abraracourcix a Matasétix. A noção do ridículo anda pelas ruas da amargura e a tendência para eliminar qualquer possibilidade de mistério e estranheza (no fundo, de uso do cérebro) continua em alta. Transformámos os irredutíveis e orgulhosos gauleses em personagens de Os Malucos do Riso.

(Imagens retiradas do site oficial.)



publicado por José António Abreu às 13:11
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Sábado, 17 de Outubro de 2009
Os gestores

Os suicídios na France Telecom colocam a nu a evidência: na maior parte das empresas de média e grande dimensão o ambiente é hoje frio e agressivo. O orgulho de pertencer à organização desvaneceu-se (ou, para ser mais exacto, foi destruído). Quase ninguém «veste a camisola». Os gestores actuais, que ainda fazem discursos apelando a vários «espíritos» (de grupo, de sacrifício, de luta), não percebem o óbvio: são eles os grandes responsáveis pela situação. Têm sido eles a desprezar os recursos humanos das empresas que lideram, pressionando-os para além do admissível, tratando-os como peças dispensáveis, insultando-os com frequência, antes de voltarem aos tais discursos de circunstância em que tudo soa idílico mas nos quais ninguém acredita. É, de resto, irónico que eles falem, do alto das suas cátedras feitas de cintilante teoria, de «fidelizar clientes», de levá-los a escolher por factores que não o preço, de «criar relações de parceria e confiança». Por que esperam dos clientes aquilo que eles próprios não estão dispostos a dar?

 
Passamos uma enorme fatia da nossa vida em ambiente laboral. Não é por isso surpreendente que, cada vez mais, o estejamos a trazer para as ruas e para dentro da família. O curto prazo impera. Não há paciência para esperar. Queremos tudo, já. E as regras só se aplicam aos outros.
 

Muitas empresas actuais não são lideradas por gestores. São lideradas por meninos (independentemente da sua idade real) mimados que aprenderam a viver no INSEAD, na McKinsey ou nos bastidores da política mas estão a conseguir moldar a sociedade. E  última ironia – que, se se excluírem os tais discursos, parecem cada vez mais apenas «patrões». 



publicado por José António Abreu às 11:55
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Sexta-feira, 9 de Outubro de 2009
Nobel da Paz, take 2

Tudo indica que Barack Obama é um homem sensato e bem intencionado. Ambos os factores são positivos mas não decisivos para que venha a ser um grande presidente americano. É ainda cedo para avaliar a presidência de Obama. E é também demasiado cedo para que ele receba o Nobel da Paz . O comité diz que a presidência de Obama permitiu avançar na direcção de um mundo sem armas nucleares e dar um novo impulso às questões ambientais. O primeiro ponto é um exagero (o tratado com a Rússia é positivo mas está longe de permitir pensar num mundo sem armas nucleares e, para mais, é puramente instrumental*) enquanto o segundo está por consolidar. Elogia ainda a forma como ele conseguiu alterar o clima político internacional. É um facto que o «clima» se alterou mas isso deveu-se mais à saída de Bush do que à entrada de Obama. E, por si só, o «clima» é pouco importante: todas as situações verdadeiramente problemáticas subsistem, com Afeganistão, Irão e Coreia do Norte no topo da lista. O comité Nobel pretenderá talvez dar um sinal aos líderes desses países, dizer-lhes: «Negoceiem porque estão sozinhos; este homem tem o apoio do Mundo.» É uma estratégia arriscada. Imagine-se que Obama dá ordens para intensificar os combates no Afeganistão, aceita incursões de forças americanas no Paquistão, fecha os olhos a ataques israelitas a reactores nucleares iranianos. (Já para não mencionar uma possível reacção a um novo atentado em solo americano.) Como reagirá o comité Nobel? Continuará a apoiá-lo ou dirá «Ooooops, parece que nos enganámos»? Ou esperará que, tendo recebido o Nobel, ele hesite em estilhaçar a imagem de grande conciliador e nunca assuma posições polémicas? Seria preciso muita sorte para um presidente americano, numa época tão complexa como a actual, passar um mandato inteiro sem enfrentar decisões difíceis e impopulares. E seria péssimo que as evitasse por questões de imagem. Há ainda a questão não resolvida de Guantánamo e sinais preocupantes como a recusa em receber o Dalai Lama.

 

Obama até poderá vir a merecer o prémio Nobel. Aliás, esperemos que sim. Mas, por enquanto, é cedo.

 

*Na medida em que permite a ambos os países poupar dinheiro e a Obama surgir perante o Irão e outros países com ambições nucleares como o grande «pacifista».



publicado por José António Abreu às 15:03
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Quinta-feira, 8 de Outubro de 2009
Nobel: 20% de literatura, 30% de conveniência, 50% de política

É cada vez mais claro: ganha-se o Nobel por razões políticas, não por valor literário. Isto não significa que Herta Müller, que nunca li e que acabou de o ganhar, seja má escritora, mas que os critérios puramente literários são apenas relevantes na medida em que não convém premiar alguém que seja mau escritor. Sejamos honestos: por muito boa que a literatura de Müller seja, há pessoas com obras conhecidas e respeitadas mundialmente que mereceriam o Nobel antes dela. Escreveu-se muito sobre vários deles nas últimas semanas (Roth, Oz, Vargas Llosa, Kundera, Pynchon, McCarthy, Achebe). Mas o comité Nobel tem posições bem definidas:

- Não premiar autores que possam ser conotados com a noção política de “direita” (por exemplo, Vargas Llosa e Kundera, este apenas o mais importante escritor europeu das décadas de 70 e 80, a uma grande distância de todos os outros).
- Não premiar autores americanos (goste-se ou não, a literatura americana das últimas décadas é claramente superior à de qualquer outro bloco).
- Privilegiar autores com posições políticas “simpáticas” (isto é, de esquerda) ou sobre quem recaia o fantasma da perseguição política. Alguém duvida que foi Sousa Lara quem deu o Nobel a Saramago? Ou que Pamuk o ganhou por causa da questão do genocídio arménio? Ou que a vocal oposição de Pinter à invasão do Iraque foi decisiva? Ou que Fo o venceu por causa das suas posições políticas? (Nota: alguns destes autores são excelentes; não é isso que está em causa.)
- Premiar regularmente mulheres, mesmo que existam autores masculinos mais conceituados. (Elfriede Jelinek? Herta Müller?)
 

O Prémio Nobel não premeia literatura. Premeia política. Política politicamente correcta.



publicado por José António Abreu às 13:03
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Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009
Clareza

Como penso ter deixado claro aqui, não concordo com a ideia de que o presidente deva ser “neutro” ou um “árbitro”. O que me incomoda no comportamento de Cavaco Silva não é, por isso, que ele tenha uma posição e que a exprima. Todos os presidentes – todas as pessoas com um mínimo de capacidade cognitiva – a devem ter, todos, de uma forma ou outra, a exprimiram. Para mais, se a posição dele é que este governo é mau e que o Partido Socialista (com Sócrates à cabeça) é manipulador, eu não podia estar mais de acordo com ela. O que me incomoda é a aparente – e escrevo “aparente” porque ninguém parece saber exactamente o que é real e o que é jogo de espelhos – incapacidade que Cavaco revelou para jogar de forma minimamente limpa. Manobras de intoxicação da opinião pública, alicerçadas em suspeitas que parece mais provável terem nascido num sonho particularmente agitado ou numa piada de mau gosto que lhe ficou a zunir na cabeça do que em verdadeiros indícios de acções condenáveis por parte do governo (e há tantos), são indignas de um Presidente da República. Eu quero um presidente com opiniões, claro a defendê-las e assumindo os riscos de o fazer. Quero um presidente que use os poderes que tem e que, em algumas áreas, até possa vê-los reforçados. Não sei se isso me faz “presidencialista”. Do que tenho a certeza é que, da mesma forma que prefiro programas eleitorais claros, também na presidência prefiro clareza a meias palavras, a silêncios incómodos ou a recados oblíquos transmitidos por processos ínvios. Como escrevi aqui, a “forma” de Sócrates e do PS seria sempre suficiente para eu os recusar, mesmo que o “conteúdo” fosse bom. Cavaco Silva vai pelo mesmo caminho. Esperemos (sentados e sem reter a respiração) que, ao contrário do que sucedeu sempre com Sócrates, tenha aprendido alguma coisa.



publicado por José António Abreu às 13:27
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Quarta-feira, 30 de Setembro de 2009
Passatempo

Ordene em duas listas distintas os vinte termos apresentados abaixo. Na primeira deve colocá-los por ordem decrescente de importância para a felicidade de um qualquer país (em primeiro lugar o que achar mais importante, em vigésimo o que considerar menos importante). Na segunda deve colocá-los pela ordem que pensa estar a ser seguida num país específico chamado Portugal. Se não existirem diferenças entre as duas listas, parabéns. Pode considerar-se uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade. Se as diferenças forem significativas tem quatro possibilidades: a) queima a primeira lista, esforça-se por apagá-la da memória (bebidas brancas podem ajudar) e entra no espírito da política portuguesa; b) o mesmo que a) mas, em vez de entrar no espírito da política portuguesa, deixa de ler jornais, ouvir rádio e ver televisão; c) torna-se progressivamente uma pessoa tensa e exasperada; d) emigra.

 

Os termos são: cooperação, défice, investimento, fontes, desemprego, notícias, e-mail, justiça, politiquice, competitividade, comboios, crise, endividamento, porreiro, gripe, auto-estradas, guerrilha, exportações, escutas, pobreza.



publicado por José António Abreu às 19:07
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Terça-feira, 29 de Setembro de 2009
Mafaldinha

Mafalda faz hoje 45 anos mas continua uma miúda lúcida, rezingona e de convicções fortes. Como ela mas ao contrário dos miúdos actuais (onde é que o mundo vai parar?), também não gosto de sopa.

 

(Tira retirada daqui.)



publicado por José António Abreu às 20:13
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Sexta-feira, 25 de Setembro de 2009
Traição

O livro recebeu essas homenagens sem que ninguém previsse a tempestade que iria rebentar alguns meses mais tarde, quando o Senhor do Irão, o Íman Khomeiny, condenou Rushdie à morte por blasfémia […].

Isto aconteceu antes de o romance poder ser traduzido. Por toda a parte, fora do mundo anglo-saxónico, o escândalo precedeu, portanto, o livro. Em França a imprensa publicou imediatamente extractos do romance ainda inédito a fim de dar a conhecer as razões do veredicto. Comportamento absolutamente normal, mas mortal para um romance. Apresentando-a exclusivamente por meio das passagens incriminadas, transformou-se, desde o início, uma obra de arte em simples corpo de delito.
  
Os excertos não são apenas mortais para um romance. São sempre uma distorção e, com frequência, mortais para a mensagem completa. Os excertos de Os Versículos Satânicos só fazem sentido quando enquadrados no todo que é o livro. Mas excertos de acontecimentos políticos e sociais são também perigosos. Estamos no final de uma campanha eleitoral em que se discutiram exaustivamente indícios, intenções, posturas, frases avulsas. Houve um momento, no início deste mês – na altura dos debates televisivos – em que pareceu que se podia ir além disso. Ilusões. Como dirigentes desportivos e políticos autoritários sabem bem, a cacofonia tem vantagens. Arregimenta almas excitáveis e destroça tentativas de análise mais profunda. Vivemos no mundo dos soundbites. Decidimos em função deles e nem desejamos mais. Pessoas que tentam aprofundar assuntos são chatas ou presunçosas. Achamos suficiente ler as manchetes dos jornais gratuitos ou assistir à abertura dos noticiários televisivos. E os meios de comunicação (os jornais, as rádios, as televisões mas também as famosas agências) percebem-no e não nos dão mais do que isso. Convém-lhes assim, de resto: debates e investigações sérios exigem tempo, meios e jornalistas preparados. O livro do Kundera de onde a citação acima foi extraída chama-se Os Testamentos Traídos (*). Ao aceitar a cacofonia e a discussão do que é parcial e/ou acessório, a herança que traímos chama-se democracia.
 

(*) Edições Asa, tradução de Miguel Serras Pereira



publicado por José António Abreu às 13:39
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Sábado, 19 de Setembro de 2009
As coincidências

Pode arranjar-se uma montanha de justificações aparentemente inatacáveis, enunciadas em voz ressoando a ultraje ou escritas em estilo de homilia, mas as coincidências assustam. Não é preciso dizer mais do que isto. Ou talvez apenas que, a seguir, será o Sol. Porque só resta ele.



publicado por José António Abreu às 09:51
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Quinta-feira, 10 de Setembro de 2009
Palácio de Cristal - petição para referendo local

O Movimento de Defesa dos Jardins do Palácio de Cristal tem a correr uma petição para exigir um referendo local sobre o polémico projecto de requalificação. Não a posso assinar por estar recenseado em Gaia. Os portuenses podem fazê-lo aqui (ou na rua de Santa Catarina nos dias e horas indicados no link).



publicado por José António Abreu às 21:34
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Terça-feira, 8 de Setembro de 2009
Comprimidos para ser bom e fiel

A Prospect deste mês traz um artigo sobre a investigação de drogas capazes de modificar as capacidades do ser humano. Não só capacidades físicas (na linha dos esteróides e outros produtos para desportistas e body-builders) mas também mentais: drogas que nos ajudarão a esquecer acontecimentos traumáticos, que nos tornarão mais inteligentes, mais fiéis ou nos modificarão os critérios morais. Os medicamentos que prometem melhorar a memória são antigos mas os cientistas garantem que, no futuro, serão muito mais eficazes. E então, ouço perguntar, isso não é bom? Claro que sim. Não gostaria eu de me lembrar de todos os livros que li como se tivesse acabado de os ler? E não será óptimo para os pais saberem que têm à disposição um meio fácil para melhorar as capacidades dos rebentos? Como poderão, aliás, os pais recusar ministrar essas drogas aos filhos se fazê-lo lhes deixaria os filhos em desvantagem perante outras crianças com pais de espírito mais progressista? Mais complicado ainda: como assegurar a igualdade de acesso a essas drogas? Deverá o Estado fornecê-las gratuitamente nas escolas? Afinal, os Estados terão interesse em assegurar que os seus estudantes não saem menos bem preparados do sistema escolar que os estudantes dos países vizinhos. E as empresas – poderão as empresas exigir aos funcionários que os tomem, de forma a que sejam mais produtivos? Ainda assim, estes serão provavelmente os medicamentos que menos questões levantarão. Veja-se o que diz a Prospect a respeito dos que prometem aumentar o grau de fidelidade: In a 2008 paper Anders Sandberg and Julian Savulescu of Oxford’s Uehiro Centre for Practical Ethics somewhat clinically divide erotic love into three parts. After lust (seeking sexual union with any appropriate partner), comes attraction (choosing and preferring a partner), followed by attachment (staying together). Each stage is associated with a brain system that can be modulated by chemical stimuli, for example, lust by testosterone, and attachment by entactogens. If we want to encourage long-term relationships—and the empirical evidence is that they lead to health and happiness (anotem, Zezés Camarinhas deste mundo)—then must we conclude, as Sandberg and Savulescu do, that “we should use our growing knowledge of the neuroscience of love to enhance the quality of love by biological manipulation”? Not necessarily. O optimismo do articulista roça a candura mas, estando a droga disponível, é-nos assim tão difícil imaginar pessoas pedindo aos parceiros para a tomarem ou oferecendo-se para fazê-lo como prova de amor? E depois há as drogas que alteram a nossa disposição para o bem e para o mal: when subjects are given the hormone oxytocin they are more likely to hand over a larger share of their money, exhibiting greater trust that the other person will treat them fairly. Boosting oxytocin levels is not a high-tech procedure; the hormone can be delivered by nasal spray. Trust is central to our personal and business relationships, and altering trust levels could alter society in a profound way.  Enhancement is not identical to improvement. Pumping oxytocin through the air-conditioning could be used for less noble purposes: companies manipulating their consumers, politicians their voters, or predatory men their dates. Noto, ligeiramente divertido, que o autor parece assumir que as mulheres não precisam de ajudas químicas para manipular os parceiros (o que é muito provavelmente verdade) mas o que me incomoda é mesmo pensar que estamos a avançar para um admirável mundo novo em que o ser humano se emaranhará cada vez mais nos efeitos da sua fantástica criatividade. Que o levarão a conseguir debelar os efeitos de doenças degenerativas mas também lhe colocarão cada vez mais dilemas de ordem moral. Não tenho ilusões: dentro de algumas décadas, muitos seres humanos serão produtos de engenharia genética. Talvez as crianças possam ter realmente os olhos da mãe, o nariz do pai e o jeito para o futebol do Cristiano Ronaldo. E, com a ajuda de um comprimido, talvez todos possamos garantir a veracidade da declaração “amo-te”.

 

(Agora vou voltar para o jogo que tenho em pausa na Xbox 360, onde estou numa fase interessantíssima. O meu avatar já está mais forte que o incrível Hulk, consegue lançar bolas de fogo com as mãos e faltam-lhe apenas alguns créditos para poder adquirir a capacidade de controlar mentalmente os adversários.)

 

Imagem retirada daqui, onde há mais alguma informação sobre as smart drugs.



publicado por José António Abreu às 21:49
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Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009
Explicação: os burros são sempre os mesmos

Segundo consigo perceber do que a maioria dos apoiantes do PS têm escrito:

- Em 2004, o PSD manobrou para tirar Marcelo Rebelo de Sousa do ar porque os comentários dele lhe eram incómodos. Ajudou a sustentar a explicação o facto dos sociais-democratas serem estúpidos e inábeis.
- Em 2009, o PSD manobrou para tirar Manuela Moura Guedes do ar porque o programa dela era incómodo para o PS. Ajuda a sustentar a explicação o facto dos socialistas não serem estúpidos nem inábeis.
Ficamos esclarecidos.
 
Adenda: realço a excepção de Tomás Vasques, com uma série de posts onde o desconforto me parece evidente e natural (por alguma razão tem entendido deixá-los fora do Simplex) e ainda consigo compreender este post de Miguel Vale de Almeida. O resto (com a ressalva de certamente não ter lido tudo o que os apoiantes do PS produziram sobre o assunto) voga entre o absurdo e o enojante. 


publicado por José António Abreu às 13:25
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Quinta-feira, 3 de Setembro de 2009
Ajudando a evitar o silêncio

Não gosto do estilo da Manuela Moura Guedes. É opinativa, agressiva e está pouco disponível para escutar. Gosto do estilo da Manuela Moura Guedes. É enérgica, rebelde e está pouco disponível para compromissos. A questão do jornal nacional de Sexta-Feira da TVI mostra pela enésima vez como, em Portugal, nada pode existir sem o beneplácito do governo, muito menos contra ele. O facto de um programa de televisão ser líder de audiências não é suficientemente relevante para a televisão que o passa. Há elementos mais importantes, que transcendem o funcionamento do mercado. É diferente noutros sítios: enquanto as audiências do The Daily Show forem boas, alguém imagina a Comedy Central a despedir o Jon Stewart? Mas existe coerência em tudo isto. Porque poucos por cá defendem verdadeiramente uma lógica de mercado baseada nas opções individuais de cada um. Poucos políticos, poucos industriais, poucos banqueiros, poucos trabalhadores anónimos. Mesmo garantindo o contrário, quase todos receiam a liberdade – quem tem muito poder receia a falta de controlo que ela gera, quem tem pouco receia a autonomia e o risco que ela exige – e usam todos os meios de que dispõem (todo o poder que conseguiram arrebanhar ou toda a cobardia que foram acumulando) para a limitar.

 

De Gaulle disse que o silêncio é a derradeira arma do poder. É pois altura de proclamar bem alto: o prazo de validade deste governo expirou. Chegou o momento de correr com Sócrates.



publicado por José António Abreu às 19:22
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Sábado, 29 de Agosto de 2009
Neblina eleitoral

Claro que não houve coragem. O programa do PSD tem potencial mas vale mais pelo que pode ser que pelo que é. Pelas declarações de menos Estado ou de um Estado sujeito a níveis de exigência superiores e a mais concorrência que pela explicitação das formas de atingir esses objectivos. Talvez convenha assim. Para não assustar os eleitores, essa raça que todos julgam – quiçá com razão – extremamente espantadiça. Ou para não inviabilizar um possível, e parece que tão desejado por alguns, bloco central. Mas, para quem prefere soluções claras, para quem preferia ter por cá, como sucede em quase todos os países desenvolvidos, dois partidos fortes com filosofias claramente distintas, é uma pequena desilusão.

 
Resta o CDS. Terá Paulo Portas a coragem de assumir um programa com mais uva e menos parra? As repetidas referências ao bloco central podem ser uma oportunidade para o CDS (tal como para os partidos à esquerda do PS). Mas, para conquistar os votantes descontentes com o cinzentismo dos partidos do centro, o CDS teria que correr riscos e mostrar que as suas propostas são diferentes. Há espaço para ser diferente (ou, pelo menos, mais claro que o PSD) em muitas áreas. Na educação, propondo real autonomia das escolas (incluindo capacidade para contratar e avaliar os professores), concorrência entre elas, reforço da autoridades dos professores e do nível de exigência colocado aos alunos. Na saúde, defendendo a concorrência directa do SNS com o sector privado (vi, nos noticiários da hora de almoço, Sócrates atacar a ideia como se a concorrência fosse negativa e não uma forma de forçar o sistema público a agilizar-se). No sistema fiscal (simplificação, simplificação, simplificação), na economia (fim das golden shares, privatização dos portos, dos aeroportos, da TAP, da RTP1), na justiça, na administração pública, etc, etc.
 
Há espaço. Haverá coragem? E – confesso que, por mais tempo que vá passando neste rectângulo placidamente deprimido, não consigo percebê-lo – traria a clareza bons resultados eleitorais? A primeira questão é respondida amanhã. Temo que a segunda ainda não seja respondida nestas eleições.

 



publicado por José António Abreu às 16:40
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