como sobreviver submerso.
Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013
Tolice

Sei demasiado sobre rapazes para ter uma perspectiva sentimental a seu respeito. Também fui um deles e sei o que isso significa; ou seja, que há um tolo ou um homem apaixonado no seu interior que luta por se libertar.

Robertson Davies, O Quinto da Discórdia. Edição Ahab, tradução de Maria João Freire de Andrade.

 

Gostava de conhecer a versão original para perceber que termo foi traduzido por «tolo». Provavelmente «fool», que também serve. Julgo entender o «ou»: pode libertar-se um tolo (no sentido de parvalhão, de macho com o nível de sensibilidade de um tractor velho sacolejando uma charrua em piso empedrado*) ou um homem apaixonado. Mas, neste caso, mesmo levando em conta que a paixão nem sempre é dirigida a outro humano mas a uma causa, a um assunto, a um animal doméstico, não ocorre sempre uma aglutinação? Não é ponto assente fazer parte da condição de homem apaixonado uma boa dose de tolice? Aliás, conquanto por norma apenas se consiga percebê-lo em retrospectiva e até apenas depois de dissipados os efeitos de uns quantos actos irreflectidos, não constituirá a tolice um dos aspectos mais positivos da paixão – aquele que estilhaça a imagem construída e torna os homens (como, de resto, as mulheres) mais humanos? Nenhum cão, gato ou ave do paraíso tem capacidade para detectar tolice na forma como age quando fortemente atraído por algo. Só os humanos a têm. Só os humanos conseguem perceber que estão a ser tolos e, por conseguinte, pelo menos em teoria, deixar de o ser. Não o fazendo, os humanos constituirão até os únicos tolos genuínos. Sendo que, na sua versão mais benigna (mais leve, mais etérea, mais slapstickiana), a tolice é também o oposto do cinismo, outra característica eminentemente humana. Deixemos então claro: ser tolo é muito diferente de ser estúpido ou parvalhão. Ser estúpido ou parvalhão é sempre mau. Ser tolo é frequentemente uma coisa boa.

Ou assim espero. Até um humano ligeiramente cínico como eu precisa de ilusões.

 

* Sim, podem ficar impressionados: analogias destas vêm-me sem esforço.


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publicado por José António Abreu às 08:42
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1 comentário:
De olinda a 6 de Janeiro de 2014 às 09:45
espera lá: então consideras a paixão uma conveniência social?


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