como sobreviver submerso.
«Quando começou?»
«Há quase um ano.»
«O que é que o levou a isto?»
«Não vai acreditar no que lhe vou dizer.»
«Por que diz isso?»
«Porque não vai.»
«Não tenho razão para duvidar do que me vai dizer. Aceitou falar comigo, dar a entrevista, tenho que assumir que vai dizer a verdade.»
«…»
«Ponha-me à prova. Diga lá: o que é que o levou a roubar carteiras de esticão?»
«O amor à minha mulher.»
«…»
«Está a ver? Não acredita.»
«Não. Acredito. Só fiquei surpreendido. Há-de admitir que não é uma justificação habitual.»
«Talvez…»
«Gostava que desenvolvesse a ideia. De que modo é que o amor à sua mulher o levou a roubar malas?»
«Como todas as mulheres, ela gosta de malas mas não temos dinheiro para as comprar. Então decidi roubar algumas para lhe oferecer.»
«Estou a ver… É uma ideia interessante. E como é que ela reagiu?»
«Primeiro ficou assustada. Mas depois gostou. Percebeu que eu o fazia por ela.»
«Há quanto tempo estão casados?»
«Quase dois anos.»
«E, diga-me lá outra vez, quando é que começou a roubar carteiras para lhe oferecer?»
«Há… dez meses e meio. Foi quando tive a ideia. Antes só assaltava automóveis. Agora faço as duas coisas. Uma por necessidade, a outra por prazer. Quer dizer, pelo prazer de lhe dar as carteiras.»
«Quantas já roubou?»
«Tem piada que pergunte porque realmente contamo-las, sabe? Até brincamos com aquela mulher do gajo que era ditador das Filipinas, não era?, que tinha dois ou três mil pares de sapatos. A gente ri-se e diz que a minha mulher há-de ter tantas carteiras como ela tinha sapatos.»
«Quantas já roubou até agora?»
«Cento e catorze.»
«Cento e catorze?»
«Sim.»
«A sua mulher precisa assim de tantas carteiras?»
«Para dizer a verdade, não. Mas tornou-se uma espécie de passatempo, sabe? E gosto de ver a cara dela quando lhas ofereço. É das poucas alturas em que fica mesmo feliz.»
«Ela não es…»
«E depois não é tão fácil como se pensa, sabe? Ela gostava de ter uma Guess. Então eu jurei que lhe ia dar uma. Sabe quantas tive de roubar até conseguir uma genuína? Doze. As primeiras onze eram todas falsificações. Já andava farto do raio das carteiras Guess e quase a desistir. E não foi muito melhor arranjar uma Louis Vuitton verdadeira. Só consegui à oitava tentativa. E ainda tenho dúvidas de que seja mesmo verdadeira.»
«Nunca foi apanhado pela polícia?»
«Nã. Eu tenho cuidado quando roubo carteiras. Mas é verdade que nessas semanas em que andei atrás das Guess já andava tão desesperado que me distraí e ia sendo apanhado a forçar a porta dum Ford. É muito fácil entrar nos Fords, sabe?»
«Não, não sabia. Eu tenho um Ford.»
«Então já fica a saber. Já não precisa de ficar admirado se chegar ao pé dele e alguém o tiver assaltado.»
«Err, obrigado. Voltemos às malas. Costuma devolver os documentos?»
«Ainda pensei nisso, a sério que pensei. Mas não. Não ia mandar-lhes uma carta, não é? E tenho medo de deixar impressões digitais ou uma coisa assim. Também é só ir à loja do cidadão e arranjam-lhes logo outros documentos.»
«As mulheres a quem as rouba não oferecem resistência?»
«Não lhes dou hipótese. Quer dizer, já houve umas quantas que se conseguiram agarrar à mala antes de eu lha ter arrancado das mãos.»
«E o que aconteceu?»
«Foram parar ao chão. Não sou de desistir quando começo um trabalho.»
«Magoaram-se?»
«Não sei. Não fico a ver. Devem ter esfolado os joelhos ou as mãos.»
«E não se sente mal por causa disso?»
«Não é um problema meu, pois não? A minha mulher anda na rua e corre o mesmo risco.»
«E tem medo, ela?»
«Um bocado. Agarra as carteiras com uma força que só visto. Eu já lhe disse que se algum filho da puta lhe tentar roubar uma, que a deve deixar ir. Havemos de arranjar outra. Se calhar até aquela outra vez. Mas ela diz que nem pensar. Fui eu que lhas dei e ela não as quer perder.»
«Como é que escolhe as que rouba?»
«Antes era um bocado ao calhas mas agora já sei do que ela gosta.»
«E do que é?»
«Coisas bonitas, com pêlo e letras e fivelas. E de cores diferentes. Uma preta, uma castanha, uma vermelha, uma roxa, uma verde, uma cinzenta,…»
«Estou a ver. E ela só gosta de malas?»
«Não, claro que não. É mulher, não é? Também gosta de outras coisas.»
«Mas compra-as?»
«Poucas. Não temos dinheiro. Recebemos o rendimento mínimo mas é uma miséria, não chega para nada.»
«Para ela, você só rouba carteiras?»
«Ouça, eu também roubava sapatos se pudesse. Mas não é assim tão fácil, pois não? Tinha que deitar as mulheres no chão e tirar-lhos dos pés. Era demasiado perigoso.»
«Devia ser, devia.»
«Mas olhe que bem gostava. Por que é chato, está a ver? Agora a minha mulher tem dezenas de malas espectaculares mas não tem roupa à altura nem sapatos a condizer.»
«É chato, de facto. Bom, acabámos. Foi interessante falar com alguém com um amor tão evidente pela mulher.»
«Obrigado. Pode não acreditar e até achar que é piroso mas ela é a única coisa que me interessa. Sou capaz de fazer tudo por ela.»
«Não acho nada piroso, acho bonito.»
«Sabe o que é que vou fazer com o cheque que vocês me prometeram?»
«Não. O quê?»
«Vou à Fashion Clinic – onde os futebolistas vão às compras, sabe? O Cristiano Ronaldo e assim... É uma loja do caraças; até já pensei em assaltá-la mas não é a minha especialidade – vou lá comprar-lhe uns sapatos da Prada que ela viu na montra na semana passada e adorou. Vai ficar tão contente quando lhos der…»