como sobreviver submerso.

Segunda-feira, 15 de Junho de 2009
Regresso necessário a uma religião esquecida

Uma questão que qualquer pessoa – crente ou não – se coloca algumas vezes durante a vida é a clássica: se Deus é bom e omnipotente, por que permite tantas desgraças e actos maldosos? Conheço a teoria do livre arbítrio mas, mesmo assumindo que Deus nos liberta para o bem e para o mal e fica a assistir impávido e sereno a violações, assassinatos e outros actos pouco simpáticos, apenas nos punindo depois da morte, isso não explica os desastres naturais. Sendo todo-poderoso, é Ele que os causa? Ou, mais uma vez, apenas assiste, nada fazendo por não querer ou não poder? Das duas uma: ou Deus é sádico ou afinal é impotente. Nenhuma das hipóteses me parece lisonjeira ou passível de fácil aceitação por parte da Igreja.

 
Grande parte do problema advém do facto do deus do Cristianismo (que, relembre-se, é o mesmo do Judaísmo e do Islamismo) ser apresentado como um gajo sem falhas. Os bons velhos deuses gregos ou romanos (chamemos-lhes clássicos, para facilitar) tinham todas as qualidades e defeitos dos humanos que os veneravam: mentiam, enganavam, lutavam entre si, arranjavam formas ardilosas de ir para a cama com outros deuses ou com mortais particularmente atraentes. Um humano sabia que quando o mar estava revolto ou quando ocorria um tremor de terra, Poseidon tinha algo a ver com o assunto. Por outro lado, quando se apaixonava também sabia quem responsabilizar (Afrodite ou o seu filho Eros, mais tarde identificado como Cupido pelos romanos). As coisas eram fáceis e lógicas. E deuses assim até são simpáticos. Pode-se perfeitamente xingar um deus assim. Experimentem lá dizer que Deus – o deus cristão, judaico e islâmico – é um sacana sem coração por causar terramotos com milhares de mortos ou nos impingir o Sócrates (o mais-ou-menos licenciado em engenharia, não o filósofo grego). Mesmo um ateu sente um arrepiozinho pela heresia.
 
O nosso (como quem diz) Deus é normalmente apresentado como o velhote da Coca-Cola (corpulento, de longas barbas), só que com uma fatiota branca que lhe disfarça a barriga. O Islão proíbe representações visuais mas, ainda assim, os crentes islâmicos do sexo masculino devem ser influenciados por elas, uma vez que acham importante usar barba e vestimentas no mesmo estilo. Nas últimas décadas, as feministas têm protestado contra esta representação. Algumas garantem mesmo que Deus é uma mulher. Talvez. Isso poderia explicar os desastres naturais como sendo vulgares acidentes: o painel de comando na sala de Deus deve ser complexo e provavelmente pouco parecido com o de uma máquina de lavar roupa. Também aqui, e apesar do conceito do politicamente correcto ainda não existir na Atenas de há dois mil e quinhentos anos, os deuses clássicos eram mais igualitários. Zeus, o manda-chuva (não é metáfora, uma vez que era o deus dos céus, da trovoada e dos relâmpagos) era do sexo masculino mas existiam inúmeras deusas poderosas, algumas desempenhando cargos de prestígio não habitualmente associados ao sexo feminino (p. ex., Artemisa, deusa da caça e das florestas, que guardava ciosamente a sua virgindade - outra condição pouco comum nas mulheres actuais -, e Atenas, entre outras coisas deusa da inteligência e da razão).
 
Os deuses clássicos também se prestam bem a actualizações. Veja-se a que os romanos fizeram quando conquistaram a Grécia. Actualmente, no seguimento das tendências político-tecnológicas, poderiam escolher-se nomes mais cibernéticos. Acrescentar um ponto a Zeus faz logo uma grande diferença, desde que seja colocado no sítio certo (Z.eus é claramente melhor que Zeu.s; obviamente, os Americanos tentariam impor Ze.us e a comissão europeia faria um esforço para nos convencer de que o ideal seria usarem-se dois pontos: Z.eu.s). O monte Olimpo poderia ser substituído pelo Monte Google e, para além dos deuses mais tradicionais (guerra, oceanos, céu, caça, amor, inteligência, etc.) poderiam arranjar-se divindades adaptadas a problemas actuais. Proponho desde já o deus do trânsito ou o deus das novelas da TVI. Para os que estão a achar tudo isto ridículo, lembro que ainda hoje muita gente venera deuses gregos. Vejam-se os adolescentes capazes de tudo pela deusa Nike (da vitória) ou os cinquentões endinheirados subjugados ao deus Hermes (do comércio, dos viajantes, do voo e, como se pode constatar pelo preço das gravatas, dos ladrões).
 
Para terminar, e como profeta desta nova velha religião, agradeço que me passem a tratar por j.aa. Juntem-se a mim. Vamos ser maiores que a Cientologia.
 
Zeus. Isto NÃO é um cartoon.
 


publicado por José António Abreu às 08:26
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