como sobreviver submerso.

Segunda-feira, 4 de Maio de 2009
Xutos, Sócrates, Marilyn Manson, George W. Bush.

A canção "Sem Eira nem Beira", do último álbum dos Xutos & Pontapés, tem provocado polémica por parecer fazer um ataque directo ao primeiro-ministro. Zé Pedro veio rapidamente desmentir que os Xutos tivessem Sócrates em mente quando a compuseram. Em primeiro lugar, devo dizer que sou fã dos Xutos. Não daqueles fãs que têm todos os álbuns e já os viram ao vivo dezenas de vezes, mas, ainda assim, aprecio-os há muito. Em segundo lugar, tenho que confessar que, do pouco que já ouvi do último álbum, me parece dos mais fracos da carreira deles. Em terceiro, e mais importante, que é uma desilusão a banda tentar ser cordata. De duas uma: ou nunca pretenderam efectivamente que o "sr. engenheiro" do tema fosse Sócrates e então são de uma ingenuidade inacreditável, o que é mau para a imagem de uma banda de hard rock, ou assustaram-se com a polémica e decidiram que afinal não queriam afrontar o poder, o que seria expectável vindo de muita gente mas é péssimo para uma banda de hard rock (se alguma coisa se pede aos membros de bandas rock é que tenham os tomates no sítio). Pedro Abrunhosa, por muito irritante que consiga ser, foi coerente nos tempos do Cavaquismo.

 

 

A polémica lembrou-me uma entrevista do ano 2000 em que o cantor Marilyn Manson declarou ter intenção de votar em George W. Bush. Justificou-se dizendo que a arte (e subentende-se que a música dele) é mais relevante com um poder conservador, contra o qual possa combater. A declaração e o aparente calculismo valiam toda uma tese mas a verdade é que, nos meses seguintes e na sequência das discussões que as declarações originaram, Manson recuou. Diz-se que terá acabado por se abster (o seu pouco entusiasmo com Al Gore não era calculismo). Anos mais tarde, Manson declarou que estava arrependido da declaração de apoio a Bush, especialmente por recear que tivesse levado alguns fãs a votar nele, o que, numas eleições tão renhidas como as de 2000, podia ter sido decisivo.

 

Por que  relembro isto? Bom, para ser sincero é provavelmente e acima de tudo uma prova das ligações estranhas que se estabelecem no meu cérebro. Mas é também um alerta para o pessoal da música e de outras actividades artísticas. Por favor, tentem pensar um pouco no que dizem e fazem, em particular quando assumem posições políticas. Ninguém pede aos cantores rock que sejam modelos de estilo, sobriedade ou sensatez mas, para bem das próprias carreiras, convém que o que cantam corresponda ao que sintam. Há uma espécie de contrato não-escrito entre as boas bandas e o seu público. Um contrato que exige ausência de tretas. Fumem, injectem-se, destruam quartos de hotel e máquinas fotográficas, mas não se acobardem perante o poder. Desconheço se os Xutos vão cantar "Sem eira nem beira" nos concertos mas, se o fizerem, não se instalará uma sensação de desfasamento entre a banda e grande parte do público? Cantarão em uníssono e com a mesma convicção? O que dirão Tim, Zé Pedro ou Kalu (que canta o tema) aos microfones se o público aproveitar para lançar gritos anti-Sócrates? Depois da eleição de Bush, Manson nunca voltou a atingir o nível de sucesso de que desfrutou no final da década de 90. Parece que por enquanto não há consequências para os Xutos, o que talvez diga alguma coisa sobre os portugueses. Mas ainda é cedo para balanços.



publicado por José António Abreu às 08:40
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