como sobreviver submerso.

Sexta-feira, 1 de Janeiro de 2010
O balanço
Agora que a década já acabou há dezasseis horas e quarenta e sete minutos (bem, obrigado) começa a ser possível analisá-la com algum distanciamento crítico. Não tendo sido uma década brilhante, podia ter corrido pior. Afinal, tanto eu como quem me lê (com a possível excepção do pessoal do É Tudo Gente Morta) ainda estamos vivos. Em Portugal, foi marcada por uma crise económica (internacionalmente aconteceram duas mas nós, viciados em crises como somos, conseguimos uni-las) e por uma praga. Da crise não vale a pena falar. A praga chamou-se (e chama-se) Partido Socialista: prosseguindo o trabalho preparatório encetado na década anterior, teve no início desta um papel fundamental na origem da crise e empenha-se afincadamente ainda hoje no seu agravamento. Se fosse de atribuir prémios, dar-lhe-ia o prémio «coerência».
 
O acontecimento da década foram, evidentemente, os ataques de 11 de Setembro de 2001, por terem causado milhares de mortos e duas guerras mas, mais importante, por terem criado o vilão com tendências aparentemente apocalípticas que as pessoas mais adoraram detestar desde que Peter Sellers fez de Dr. Estranhoamor. (Mas o sidekick, aquele que disparava em companheiros de caçada, assustava mesmo). Felizmente, o final da década trouxe de novo esperança à humanidade com o surgimento de um super-herói que, ao contrário do Batman, do Surfista Prateado, do Darkman, que são personagens negras, torturadas, quase psicóticas, é apenas negro.
 
Quanto àquelas coisas de «álbuns da década», «livros da década», «filmes da década» e «etceras da década» tenho que confessar que ainda não pensei nisso  a sério. Sim, o álbum da década é provavelmente Funeral, dos Arcade Fire (mas os que mais vezes ouvi foram Regeneration, dos The Divine Comedy, logo em 2001, e o par Wide Awake, It’s Morning / Digital Ash in a Digital Urn, de Bright Eyes, em 2005), o livro da década é A Estrada, de Cormac McCarthy, o filme da década… nah, ainda não vou arriscar, até porque o meu cérebro, filho da mãe irritante que se julga mais esperto do que eu, me está a martelar incessantemente aos ouvidos (não faço ideia de como o consegue, ainda por cima quando lá tenho enfiados um auscultadores debitando Animal Collective) «Chris Nolan, Wes Anderson, Chris Nolan, Wes Anderson…» e não me apetece parar para analisar tudo o que isso implica. Mas não me importo de escolher o videojogo da década (Ico, para a Playstation 2), o desportista da década (Roger Federer, quem mais?*) e o pastel de nata da década (o que comi no dia 24 de Setembro de 2002, em jejum, facto que admito poder ter tido influência na impressão que me deixou).
 
* Eu sei que também há um senhor chamado Tiger Woods mas continuo relutante em chamar desporto a uma actividade em que não se transpira pelo menos um bocadinho.


publicado por José António Abreu às 16:47
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Sexta-feira, 7 de Agosto de 2009
A arte em polígonos
Em fila indiana, um grupo de cavaleiros entra num castelo. Num dos cavalos seguem duas pessoas: o adulto que o conduz e uma criança com um capacete de onde sai um par de cornos. Nenhum dos adultos tem cornos. O grupo desce até uma enorme sala, que tem a toda a volta duas filas sobrepostas do que parecem ser sarcófagos em pedra. O rapaz – Ico – é metido num dos sarcófagos da fila superior. O sarcófago é fechado. Os cavaleiros saem. Ico tenta abrir o caixão mas rapidamente percebe que nunca o conseguirá. Decorre algum tempo (é difícil dizer quanto) até que, na sequência de um tremor de terra, o contentor onde Ico se encontra tomba no pavimento e se quebra. O miúdo sai. Inicia a exploração do castelo. Rapidamente descobre uma rapariga encarcerada numa gaiola. Liberta-a. Ela – mais ou menos da idade dele mas um pouco mais alta, magra, frágil, de pele extraordinariamente clara – não fala a mesma língua. Conseguem apenas trocar os nomes: ela chama-se Yorda. Seguem juntos mas não antes de Yorda lhe tentar explicar qualquer coisa. Se Ico não percebe o que ela lhe diz, depressa percebe que ela é especial: tem um qualquer poder mágico que lhe permite abrir certas portas e é perseguida por entes sombrios, que surgem do pavimento e tentam levá-la com eles. Ico luta com as criaturas com as armas que tem à mão: primeiro apenas um pau, mais tarde uma espada. As lutas são básicas e pouco coordenadas. Realistas, de certa forma. Na tentativa de sair do castelo, Ico e Yorda têm que resolver enigmas. Muitas portas estão fechadas, muitas pontes destruídas, muitos locais parecem inacessíveis. Ico escala postes, balança na ponta de cordas e amarinha por paredes, na tentativa de abrir portões, descer pontes, accionar mecanismos. Com frequência, Yorda não consegue acompanhá-lo. Aguarda que ele desbloqueie a passagem. Mas Ico tem que ser rápido porque as sombras aproveitam os momentos em que Yorda está sozinha para a atacar. Em certas passagens, Ico e Yorda têm que saltar. Ico, apesar de mais baixo, consegue saltar mais longe. Por isso, salta primeiro e fica pronto para ajudar Yorda. Às vezes, quando o espaço parece demasiado longo, ela hesita. Em algumas dessas ocasiões acaba mesmo por falhar o salto, apenas sobrevivendo porque Ico lhe agarra a mão no último instante. Em muitos momentos, aliás, Ico e Yorda seguem de mãos dadas. Basta a Ico estender-lhe a mão e ela agarra-a imediatamente. Tudo isto acontece num mundo visualmente estonteante, com a luz do sol perfurando vitrais e ramagens de árvores e as pequenas áreas de jardim fazendo contraponto aos blocos de pedra das paredes do castelo. Os sons dominantes são os chilreios dos pássaros e o silvar do vento. Após horas de peripécias, Ico e Yorda chegam finalmente à ponte que permite sair do castelo. Nessa altura, algo acontece. Algo que os separa. Ico volta atrás. Percebe, sem que alguém lho explique, por que existem tantos sarcófagos. Percebe que destino lhe estava reservado se o seu não tivesse caído. Encontra a responsável pela perseguição a Yorda. Luta com ela. Vence mas sofre ferimentos: os cornos na sua cabeça partem-se. Reencontra Yorda. Percebe que as coisas não são tão lineares quanto esperava. Percebe a que se devia a melancolia que sempre se parecera desprender dela. Intui muito do que ela lhe fora tentando dizer na sua língua incompreensível. É devolvido ao mundo exterior, onde já não deve ter problemas de enquadramento, agora que também ele é um rapaz “normal”.
 

 

Em 2002, a Sony lançou um jogo para a PS2 chamado Ico. Existem outros casos, da simplicidade de um Pac-man à complexidade de um Fallout 3, passando pela experiência sensorial de um Rez ou pela criação de mundos alternativos perfeitos como num Bioshock. Mas, para mim, Ico foi crucial. Depois de Ico nunca mais duvidei que os jogos de vídeo pudessem ser obras de arte.

 

 

 



publicado por José António Abreu às 17:55
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Quarta-feira, 8 de Abril de 2009
Já agora, porquê "escafandro"?

Porque é um equipamento que permite respirar debaixo de água (que é como por vezes me sinto), pesado e desconfortável (idem, idem, aspas, aspas) e com raio de acção limitado ao comprimento do tubo para respiração. E porque faz os utilizadores parecerem aliens ou os big daddies do jogo Bioshock.



publicado por José António Abreu às 22:51
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