Mas a época de abundância em que o ouro corria em Lisboa durou sessenta anos: de meados do século XV ao começo do século XVI. Nessa altura acreditou-se que chegariam nos barcos tesouros sem fim, escravos, ouro, especiarias, tecidos, a cidade floresceu, encheu-se de ostentação e luxo, tornou-se cosmopolita. A ela acorriam representantes dos grandes banqueiros e dos grandes comerciantes da Europa e agentes secretos de outros países, também em busca de riqueza fácil, que procuravam informações sobre as rotas e os produtos.
Mas a péssima gestão e os gastos excessivos levaram o país à beira do colapso. D. João II e D. Manuel I, em reinados sem guerras e de abundância extrema, deixaram dívidas.
Outros europeus entraram em competição connosco no comércio e ganharam. Não soubemos gerir nem organizar-nos, soubemos envaidecer-nos e esbanjar.
A Feitoria da Flandres por exemplo acabou por ser fechado, e em 1549 o país perdeu o crédito em Antuérpia, hipotecando os lucros das exportações dos anos seguintes. Em pouco tempo o valor dos juros duplicou.
Havia fome em Lisboa e era a Flandres que se iam comprar cereais, com juros altíssimos, mas mesmo assim o pão faltava. Vendiam-se padrões de juros, adiavam-se pagamentos e pediam-se cada vez mais empréstimos. Vivíamos muito acima das nossas posses, e em lugar de produzir riqueza íamos a outros lados procurá-la feita. Foi assim que fizemos com África e a Índia.
E o mesmo sucedeu depois, noutro período de aparente abundância igualmente malbaratada, com o açúcar, o ouro e as pedras preciosas do Brasil, nos séculos XVII e XVIII. O país vivia numa contínua fuga para a frente.
Em 1557 Garcia de Resende apontava a falta de bons governos – esse mal acompanhou-nos cronicamente, embora não tivesse de ser assim.
Íamos procurar o longe, descurando o que ficava perto. O país despovoava-se, não havia braços nem vontade para cultivas nem pescar e era demasiado caro o esforço contínuo da guerra, porque a expansão se fazia pelas armas. A «glória de mandar» desfez-se rapidamente em vaidade e espuma. O Velho do Restelo foi sempre criticado e mal visto, e ninguém aproveitou uma única palavra do que ele disse.
Teolinda Gersão, A Cidade de Ulisses.
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