como sobreviver submerso.

Quarta-feira, 20 de Maio de 2009
Na esguelha

Aconteceu novamente ontem à noite, ao chegar ao Porto. Se calhar passa-se apenas comigo. Da próxima vez esperarei que um ou dois passageiros me ultrapassem no trajecto para a linha dos táxis. Porque ou acontece com toda a gente ou há uma conjugação astral qualquer (e eu não acredito em astrologia) que me faz apanhar sempre táxis conduzidos por taxistas loucos. Ontem, a caminho de Gaia, atingimos mais de cento e sessenta quilómetros por hora. As curvas foram uma luta contra a força centrífuga. A dada altura, o homem resolveu fazer uma chamada de telemóvel – sem sistema mãos livres, claro. Desta vez nem protestei, para não ter que ouvir as garantias ocas do costume ("está tudo sob controlo", "já faço isto há muitos anos", etc.) e os ataques aos outros condutores (que, segundo parece, são o verdadeiro perigo).

 
Por cá, a gente até já está habituada. Não devia, mas está. Mas imagino a reacção de um nórdico qualquer, habituado a viajar de táxi sem ser projectado de um lado para o outro. (Há um par de anos, o taxista que me levou de um hotel em Copenhaga para o aeroporto não passou dos cento e dez e teve uma das conduções mais calmas de que me lembro.) O tal nórdico deve sentir-se uma personagem do jogo Crazy Taxi. Deve perguntar-se por que raio Portugal não é publicitado como um destino para férias radicais. Ele não viria mas talvez viessem outros.
 
Que cada um faça o que lhe dá na gana e se esteja nas tintas para considerações alheias tem ainda outra consequência: gera reacções radicais. Se os fumadores tivessem tido algum autocontrolo (não fumar em espaços fechados e sem ventilação quando em presença de não fumadores, por exemplo), talvez a lei do tabaco pudesse ter sido menos restritiva. A situação nas estradas é similar. Comportamentos como o do meu taxista de ontem justificam que a atenção pública se foque quase exclusivamente nos condutores (o governo agradece) e reforçam a sensação de que o que é preciso é mais fiscalização e repressão: brigadas, radares, câmaras, identificadores nas matrículas. Lá seguimos sorumbática mas convictamente a caminho de 1984.
 

Enfim, será a famigerada falta de civismo nacional. Muitas pessoas continuam a achar que, na estrada, é perfeitamente aceitável ignorar as regras de profissionalismo, de bom senso e de boa educação (porque, na verdade, nem sequer vêem a coisa dessa forma). Como disse o meu taxista ao interlocutor durante a chamada telefónica: “Já sabes: comigo é sempre na esguelha.” Talvez então não devesse conduzir um táxi, ó amigo. Porque o serviço que presta não é apenas levar pessoas do ponto A ao B. É também fazê-lo em conforto e segurança.



publicado por José António Abreu às 16:18
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