como sobreviver submerso.

Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2011
Lauberhornrennen (que é como quem diz «a corrida na Lauberhorn»)

Fiquei na dúvida se as duas senhoras de sessenta e muitos anos que, numa manhã fresca mas agradável de finais de Maio do ano passado, passeavam com um cão (ou passeavam o cão?) pelas ruas de Wengen, na Suiça, eram inglesas (pelas feições e sotaque, pareciam) e também se eram lésbicas (esses pormenores tendem a passar-me ao lado mas houve quem achasse que sim). Em resposta à minha pergunta, uma delas voltou-se e apontou-me na encosta a zona de meta das provas de esqui alpino.

 

(Fossem ou não inglesas lésbicas, é uma imagem curiosamente aconchegante, a de duas estrangeiras sexagenárias, suavemente apaixonadas uma pela outra, vivendo mais ou menos exiladas numa fria mas pitoresca povoação situada nas montanhas da Suiça Central. Acho eu. Enfim, avancemos.)

 

Muitos apreciadores de futebol não considerariam completa uma primeira deslocação a Madrid se não pudessem visitar o Santiago Bernabéu. Da mesma forma, fãs de desporto automóvel não se sentiriam bem dispensando, quando em viagem pela zona Oeste da Alemanha, uma visita ao Nürburgring Nordschleife. Encontrando-me em Wengen, eu precisava de saber onde era a pista de downhill. E devo confessar que, como quase todos os indivíduos nascidos e criados junto ao sopé da Serra da Estrela, nem sequer faço esqui (é entretenimento de fim-de-semana para lisboetas e portuenses).

Mas gosto de velocidade e de um pouco de loucura. E de cenários grandiosos. Vejamos: quatro quilómetros e meio (a mais longa prova da taça do mundo de esqui) para descer dos 2315 até aos 1290 metros de altitude (desnível de 1025 metros, inclinação média de 15 e máxima de 42 graus) a uma velocidade média ligeiramente superior a 100 km/h. Aproximadamente 150 km/h de velocidade máxima (o recorde é de 158). Uma secção estreita onde os esquiadores passam sob a linha férrea de cremalheira que sobe de Wengen para Kleine Scheidegg (onde se pode mudar para outro comboio e trepar por dentro do Mönch e do Eiger até Jungfraujoch, estação situada a cerca de 3500 metros de altitude, num trajecto totalmente desaconselhável a claustrofóbicos). O Hundschopf, um dos mais famosos saltos de todas as pistas de downhill (assim designado por – dizem – ter o formato de uma cabeça de cão). Uma curva interminável chamada «canto dos canadianos» por vários canadianos lá terem caído. Um ponto conhecido como «o buraco dos austríacos» por – what else? – quase todos os austríacos em prova ali terem caído em 1954 (para grande satisfação dos suiços, certamente). E depois há o resto. A presença imponente dos picos Eiger, Mönch e Jungfrau (costumam ver-se bem na televisão, mesmo antes do Hunsdchopf). O tal comboio de cremalheira. O covil de Blofeld no filme de 007 Ao Serviço de Sua Majestade (aquele em que Bond era George Lazenby, casava e não ficava com grandes recordações de Portugal) no Schilthorn, do outro lado do vale. Um teleférico que sai de Wengen e, em 1656,9 metros de trajecto, sobe 947,5. Em 5 minutos.

 

Mas na verdade estou a escrever isto por causa da prova. Disputa-se desde 1930 e nem a Segunda Guerra Mundial interrompeu a sua realização (embora quase só esquiadores suíços tenham participado nesses anos). Em 1991 houve uma morte e, ao longo das décadas, muitas pernas e braços partidos. É possível que certos desportos sejam demasiado loucos para mentes sensatas (é facto assente que as mentes sensatas só aguentam uma dose pequenina de loucura antes de entrarem em processo de rejeição). Nesse caso, esqui alpino, e especificamente a disciplina de downhill, só pode estar na lista. (Imaginem-se a colocar a cabeça de fora da janela do carro na auto-estrada; considerem que estão quinze graus negativos; agora substituam o carro por um par de esquis; finalmente esqueçam a auto-estrada e visualizam-se a descer uma encosta com vinte e tal graus de inclinação.) A Lauberhornrennen é um dos expoentes máximos do downhill e, por conseguinte, da loucura. Acontece amanhã de manhã, se o nevoeiro ou a queda de neve não complicarem tudo. Dá no Eurosport.

 

Neste vídeo faltam os primeiros trinta e tal segundos de descida. O Hundschopf é o primeiro salto, após a curva à esquerda. Ken Read, o canadiano que venceu em 1980, explica no site oficial da taça do mundo que é preciso travar a fundo - pouco antes, segue-se a cerca de 130 km/h - e abordá-lo com muito cuidado porque é «como cair num poço de elevador». Quanto ao Bode, aqui na descida que lhe deu a vitória em 2007 (ganhou também em 2008), para além de conseguir imitar o Keanu Reeves sem recurso a efeitos especiais, sabe decididamente terminar uma prova em grande estilo.


publicado por José António Abreu às 22:07
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Segunda-feira, 22 de Fevereiro de 2010
Finais felizes
É adequado porque os norte-americanos, no seu ingénuo optimismo, são loucos por finais felizes. Quantos filmes não estragaram com a inclusão forçada de um? Mas as histórias de sucesso improvável, no desporto e noutras áreas, não acontecem com e não encantam apenas americanos. Todos os espectadores de ténis já ouviram dezenas de vezes a história de como Maria Sharapova viajou da Sibéria para o estrelato e o que isso representou em esforço e risco para os pais dela. Costumam ser embelezadas, estas histórias. Ainda assim, valem a pena. Quem tem por hábito assistir às provas de esqui alpino também sabe que Bode Miller cresceu numa cabana perdida em Franconia, New Hampshire, onde era forçado a usar skis até para ir à casa de banho. Que ganhou duas medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de 2002, em Salt Lake City, e que depois perdeu uma delas e que depois perdeu uma delas mas não por doping ou outras questões ligadas ao desporto; perdeu-a como se perdem as chaves de casa ou o telemóvel. Já está a par do seu espírito rebelde e frequentemente rebarbativo, do seu desprezo pelo lado comercial do desporto e de como detesta dar entrevistas. Sabe que, chegando como favorito aos Jogos Olímpicos de Turim, falhou em todas as provas. Acompanhou os seus últimos anos, que pareceram de declínio. Não tinha certamente grandes esperanças de que ele viesse a ser uma das principais figuras dos Jogos de Vancouver, apesar de se dizer que ele foi para Vancouver com a intenção de ganhar a medalha de ouro que sempre lhe escapou. Depois de conquistar uma de prata e outra de bronze (o que já era mais do que alguém, e talvez mesmo ele, verdadeiramente esperava), venceu, contra todas as expectativas, o ouro na prova de Super Combinado. Depois de uma descida razoável, fez um slalom absolutamente inebriante, sempre no limiar da queda. Miller não é como Lindsey Vonn ou, no ténis, Roger Federer. O que ele faz não parece fácil. Pelo contrário, dá muitas vezes a sensação de estar prestes a cair, desafiando todas as regras, incluindo as da gravidade. Na sua autobiografia, Bode: Go Fast, Be Good, Have Fun, há uma frase que diz tudo: o objectivo dele ao iniciar a carreira não era ganhar muitas provas nem muito dinheiro mas «fazer ski tão depressa quanto o universo natural permitisse». Na realidade, há dois anos, na descida de Kitzbühel, mostrando-nos que talvez vivamos mesmo dentro da Matrix, pareceu ir além disso e dobrar as leis do universo à sua vontade. É muito possível que coloque um ponto final na carreira a seguir aos jogos. Se o fizer, termina-a com o indispensável final feliz.

 

 

(Foto retirada daqui.)


publicado por José António Abreu às 08:39
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Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 2010
Vonnderbar

Esta rapariga, de nome Lindsey Vonn, vencedora de cinco dos seis downhills realizados este ano na Taça do Mundo de esqui alpino e medalha de ouro há poucos minutos no downhill dos Jogos Olímpicos de Vancouver (ou Vonncouver, como alguns dizem), também me faz pensar nas circunferências do meu professor de matemática. E, para um tipo desavergonhadamente heterossexual e pouco politicamente correcto como eu, apresenta claras vantagens sobre o Federer (de quem, numa demonstração de bom gosto, ela é fã).
 
(A foto foi retirada do link incluído no texto.)


publicado por José António Abreu às 21:35
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