Aviso prévio: o título mais adequado para esta série de artigos seria “viagens pelas convoluções do meu cérebro” pois muito do que será referido pode muito bem ser real apenas nos muitos quilómetros desse pequeno espaço.
Quando se pensa em cidades dos Estados Unidos, Seattle não é a primeira que vem à ideia. Nem a segunda. Nem a terceira. Talvez a sexta ou sétima. (Não vale a pena tentarem fazer um teste mental agora porque já estão influenciados.) Mas está claramente no topo das cidades norte-americanas que me atraem.
Não é fácil explicar porquê. Talvez pela localização geográfica, perdida que está no mais remoto cantinho do país (o Alaska e o Hawai não contam – já ficam fora). Talvez pela incongruência de ser capital de um estado chamado Washington, lá longe da outra Washington, que é por sua vez capital do país inteiro mas não me atrai minimamente.
Dá ideia de ser uma cidade limpa. Com ar frio e transparente. Totalmente o contrário de Detroit. Com um ritmo de vida menos frenético que Nova Iorque. Com menos desigualdades que Los Angeles. Com menos criminosos que Washington. Menos ventosa que Chicago. Menos kitsch que Miami. Menos snob que Boston. Menos gay que S. Francisco. Menos reaccionária que Dallas. Menos materialista que Las Vegas. Na minha cabeça, apenas Denver chega perto.
Aparece em poucos filmes mas alguns são-me simpáticos: WarGames (mítico, pioneiro, com a melhor forma de sempre de convencer um computador e um Matthew Broderick que ainda não era gordo e sensaborão); Singles, o melhor filme de Cameron Crowe e o filme que me apresentou Kyra Sedgwick (eu sei, eu sei: Born on the 4th of July e Mr. e Mrs. Bridges são anteriores mas às vezes tenho lapsos inexplicáveis); The Fabulous Baker Boys (ah, a Michelle Pfeiffer esfregando-se no piano…); Sleepless in Seattle (eu era fã da Meg Ryan, OK?); The Things We Lost in the Fire (sou fã da Halle Berry, OK?); Grey’s Anatomy (agora está uma treta mas as duas primeiras temporadas foram excelentes). E na maior parte dos filmes não se impõe, como fazem Nova Iorque, Los Angeles ou Miami. Sustenta-o com carinho, sem espalhafato ou uma agenda própria.
E ainda há a música. Hendrix tem que ser mencionado, apesar de me parecer que não condiz com Seattle, os Fleet Foxes e os Modest Mouse (nome inspirado numa passagem de Virginia Woolf, o que diz algo sobre estes rapazes) garantem que as coisas continuam a mexer por lá, e depois houve o grunge. Claro que, para muita gente, um estilo musical tão ruidoso e niilista pode não ser uma boa recomendação mas que se lixe. Os Nirvana eram uns génios, os Alice in Chains bastante bons, os Pearl Jam lançaram pelo menos um grande álbum, os Soundgarden deixaram marcas e os Smashing Pumpkins não eram de lá mas é como se fossem.
Mesmo em termos de empreendedorismo (uma palavra irritante mas na moda que o Word assinala como erro ortográfico), Seattle é uma cidade a ter em conta: a Boeing, a Microsoft, a Starbucks são de lá. Muita gente não gosta da Microsoft mas, como fã de jogos de vídeo, tenho que lhe dar algum crédito (e afinal o Word assinala “empreendedorismo” como erro ortográfico).
No que respeita a arquitectura, nada conheço para além da Space Needle. Mas gosto da Space Needle. Lembra-me (deve lembrar a toda a gente) um disco voador espetado num poste. Como se a aterragem tivesse sido feita pelo extra-terrestre aprendiz que surge na curta-metragem “Lifted”, da Pixar. O que me faz sorrir sozinho. E gosto do que me faz sorrir sozinho.
Finalmente, li que há uma estatística que a aponta como tendo os habitantes mais cultos dos Estados Unidos. Bingo. Havia de sentir-me em casa.