Os espanhóis de Puebla de Sanabria, povoação muito merecedora de uma visita situada mesmo junto ao cantinho superior direito de Portugal (perto de Rio de Onor e do Parque Natural de Montesinho), chamaram "Rua" à rua principal que sai da inevitável e florida Plaza Mayor. Ou seja, calle Rua (ou talvez calle de la Rua). Acho simpático. Pergunto-me se teremos em Portugal alguma rua da Calle.
Caminho na quase escuridão das arcadas da Ribeira quando vejo um miúdo em contraluz e de costas para mim saltar para uma bola. Falha a intercepção. A bola passa-lhe por cima, cai nas pedras da calçada e rebola até parar contra a parede, meia dúzia de metros à minha frente. Avanço. Com um chuto devolvo-a ao guarda-redes. Ele pontapeia-a para o largo, para outro miúdo que se encontra perto das primeiras mesas. Depois prepara-se para tentar novamente a defesa. Ergo a máquina e tiro um par de fotos enquanto a bola vem pelo ar. Apercebo-me que a velocidade de obturação é demasiado baixa para que fiquem nítidas. Baixo a máquina e lanço novamente a bola para o primeiro miúdo, que voltou a não conseguir defender. Este chuta para o outro, que a pára sem dificuldade. Recua e prepara-se para rematar de novo. Reparo que veste calções num tom de verde parecido com o das cadeiras que se encontram amontoadas junto à parede da direita. Ergo a máquina. Ele hesita. Uma expressão de resolução surge-lhe na face. Grita-me: «Senhor, cuidado com a máquina.» Não me mexo. Ele grita de novo. Gesticulo para que esteja à vontade. A expressão dele endurece. Recua mais um passo e depois avança para a bola e pontapeia-a com força. A bola descreve um arco, passa por cima do guarda-redes cujo salto foi mais uma vez tardio, e vem na minha direcção. Tiro uma única fotografia e baixo a máquina à pressa. A bola cai mesmo à minha frente. Sem dificuldade, paro-a debaixo do pé direito. A expressão do rematador passa a espanto. Eu também estou surpreendido mas tento manter-me impassível. Devolvo a bola pela terceira vez mas agora sigo atrás dela. Não vou arriscar outro chuto. Quando passo pelo miúdo, ele olha-me com respeito. Reprimo a vontade de sorrir e sigo em direcção à beira-rio.
(Mais tarde, admito que provavelmente ele também teve medo de se meter em sarilhos e chutou com menos força do que planeara inicialmente. Mesmo assim foi uma bela recepção.)
«Olhe, tire mas é fotografias à minha casa, para ver se me dão outra.»
Estou em falta. Já passou um mês e ainda não fui lá levar a foto.
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