As soluções de Miguel Relvas eram péssimas. A solução de Paulo Portas mantém o status quo. Parabéns a ambos.
1. Ajudada pela restante comunicação social, pouco interessada no aumento da concorrência, e pelo Partido Socialista (já lá vamos), a RTP tem-se esforçado por passar a ideia de que dá lucro. Não dá. A RTP, cuja situação financeira na última década melhorou muito mais à custa de transferências obscenas de dinheiro público do que por mérito próprio (ainda que algum seja de admitir), exige anual e directamente (isto é, sem as transferências do orçamento do Estado) 140 milhões de euros aos contribuintes. Uma empresa que necessita de injecções anuais de dinheiro dos accionistas não dá lucro. Aliás, seguindo esta lógica, seria sempre possível fazer com que a RTP desse lucro: bastaria ir ajustando a taxa do audiovisual na proporção adequada.
2. Politicamente, a actuação do governo tem sido desastrosa: hesitante, incoerente, fazendo avançar quem se devia manter em silêncio e recuar quem devia dar a cara; já a actuação do PS tem sido simplesmente vergonhosa: sabemos que as promessas são baratas e que o povo costuma apreciá-las, mas contestar soluções como se os problemas não existissem é a táctica mais básica que um partido pode utilizar. A parte positiva é nem valer a pena perder muito tempo com as intenções de Seguro e companheiros: tão cedo não haverá dinheiro para repor o que quer que seja.
3. A RTP é um luxo demasiado caro para um país falido, mesmo no cenário cor-de-rosa (perdão: cor-de-laranja) de «só» lhe custar 140 milhões de euros por ano. Mas, ainda que os portugueses aceitassem continuar a pagá-los para receber parte daquilo que a RTP hoje lhes fornece (e apenas parte, visto o cenário do «equilíbrio» pressupor apenas um canal), o risco de derrapagens futuras, que, seja qual for o modelo escolhido (de concessão a privados ou de empresa pública), o contribuinte acabaria pagando, é demasiado real. Também por isso se torna crucial diminuir o nível de custos.
4. A Constituição Portuguesa, esse texto pejado de incongruências que, nas actuais circunstâncias, o PS, necessitado de parecer um partido de esquerda, nunca aceitará rever, obriga a que exista um serviço público televisivo. Fica assim estabelecido um custo para os contribuintes. Resta saber o que é isso de «serviço público», para depois se poder avaliar quanto dinheiro é preciso. Constituirá a informação serviço público quando ela está disponível noutros canais e é cada vez mais obtida por outros meios? E as novelas? Os concursos? Os programas humorísticos? As transmissões de jogos de futebol (e de tudo o que os antecede e das intermináveis análises que se lhes seguem)? Programas de música como o Top Mais? E, permitam-me uma pergunta de algibeira, que canal associariam mais depressa a documentários de qualidade, a RTP1 ou a SIC? No fundo, da programação actual da RTP1, o que não se obtém noutros canais de sinal aberto? O Prós e Contras? OK, salvemos a Fatinha. Constatada esta realidade, torna-se muito mais fácil chegar aos únicos modelos simultaneamente lógicos e que permitem poupar dinheiro aos contribuintes.
5. Com esse ou outro nome, a RTP2 permanece um canal público, dedicando-se essencialmente a conteúdos alternativos: filmes antigos e/ou pouco comerciais, teatro (por que desapareceu dos ecrãs?), música, documentários, debates, magazines de divulgação cultural, desporto amador, etc. Talvez um par de espaços informativos por dia mas com imagens que poderiam muito bem ser fornecidas pelos operadores privados (por acordo entre estes, concurso público, whatever). Custando actualmente a RTP2 cerca de 40 milhões de euros, não há razões para o novo canal custar muito mais (até porque, não concorrendo verdadeiramente com os privados, deveria estar livre para recolher algumas receitas publicitárias). Mas, considerando ainda outros custos (por exemplo, a questão da manutenção do arquivo da RTP), admitamos como razoável um orçamento de 60 a 70 milhões de euros. Este valor permitiria não só evitar transferências do orçamento de Estado como reduzir para metade a taxa do audiovisual, o que, para um governo que começou por alardear convicções liberais, devia constituir um incentivo (antes) e um motivo de orgulho (depois).
6. Resta a questão da RTP1, para a qual há duas soluções: privatização ou fecho. Pessoalmente, gostaria de ver o mercado funcionar; se o Estado conseguisse uma oferta razoável, excelente (não estamos em tempo de desperdiçar dinheiro). Mas, claro, isso exigiria aceitar a hipótese de um canal televisivo de acesso geral vir a ser controlado por estrangeiros (sejamos directos: por angolanos) e de o mercado publicitário não chegar para todos os players (é assim que se diz, não é?). Como, por cá, preferimos «almofadar» as decisões e não chatear empresários instalados, talvez a melhor opção seja partir desde já para o encerramento. Necessitando o novo canal público de muito menos gente, de muito menos equipamento e de instalações muito mais modestas (boa parte dos conteúdos deveria ser contratada a empresas externas, de modo a permitir ajustar mais facilmente os gastos ao orçamento disponível), as indemnizações aos funcionários da RTP seriam compensadas pela venda do edifício e do equipamento da RTP.
7. Nah, por agora chega.
A forma interessa-me pouco. De resto, que a hipótese tenha sido avançada por António Borges parece-me mais um modo (tristemente infantil mas também tristemente comum) de a testar do que um verdadeiro anúncio. O conteúdo, esse interessa-me bastante mais. Não sendo contra o princípio da concessão do serviço público, tenho uma dúvida: extinta a RTP 2 (que custa 40 milhões por ano mas, apesar de inúmeras falhas, ainda se percebe ter uma programação alternativa), o que constituiu afinal o serviço público de televisão? Por outras palavras: os portugueses vão entregar os 150 milhões de euros da taxa do audiovisual à Ongoing (perdão: ao consórcio vencedor) para garantir exactamente o quê?
Se, como parece, a privatização da RTP passa por vender a RTP2 e manter a RTP1 em moldes próximos dos actuais, mais valia o governo estar quieto. O Estado não precisa de um canal generalista com novelas, concursos e programas de entretenimento similares aos dos canais privados que, a prazo, acabará custando o mesmo ou (o que sucederá à publicidade?) ainda mais do que a RTP tem custado. Mas percebe-se que não é fácil largar um certo controlo (ou, no mínimo, uma certa sensação de controlo) sobre a informação. Atendendo à arrastada e, desde o início, pouco ambiciosa reforma do mapa autárquico, as – difíceis, sem dúvida – reformas nas mãos de Miguel Relvas anunciam-se cortinas de fumo.
É cedo mas os sinais são contraditórios. A questão do imposto extraordinário merece-me poucos comentários: não gosto mas admito a sua necessidade e aprecio o anúncio atempado. Outras coisas são mais preocupantes. O adiamento da privatização da RTP 1, por exemplo, é inaceitável. Por mau que seja o momento para a levar a cabo e por negativas que viessem a ser as consequências para os canais privados (e até para a restante comunicação social).
A RTP-N está há mais de meia hora a dar o discurso de José Sócrates num comício na Madeira. Houve uma curta interrupção para seguir o segundo salto de Naide Gomes nos Mundiais de Atletismo mas rapidamente voltaram para o glorioso e esbelto patrão.
E, para não se dizer que estou a esconder propositadamente a relevância noticiosa destes trinta e tal minutos, informo que o salto foi nulo.
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