como sobreviver submerso.

Terça-feira, 16 de Fevereiro de 2010
Torres Vedras, Mealhada, Ovar, Veneza e Rio de Janeiro

Escrevi aqui que não gosto do Carnaval português. É verdade, não gosto. E não gosto por todas as razões que Francisco José Viegas aponta neste texto. Mas não desgosto (sou incapaz de escrever que gosto) do Carnaval brasileiro. Ou do Veneziano.
 
O excerto (um de muitos possíveis) do livro de Ruy de Castro que coloquei ontem no blogue explica o fascínio do Carnaval brasileiro. Um caldeirão de alegria, instintos, sensualidade, só possível num país com a mistura de raças do Brasil e só conveniente num país com um clima como o do Brasil.
 
O Carnaval veneziano é diferente. Como a cidade, no passado a mais próspera da Europa e sede de uma das mais poderosas Repúblicas da península italiana, hoje um cenário mantido para deambulações de turistas, é artificial, ligeiramente triste, mesmo um pouco deprimente. Mas talvez seja este senso de decadência, associado à velha questão da cidade se encontrar há muito à beira da extinção, que o torna atraente. É um baile de mortos-vivos conscientes de o serem.
 
A morte, precisamente. O Carnaval é uma festa em que se tentam aproveitar os últimos momentos antes da Quaresma, período de contenção e tristeza que culmina na morte. Para quem acredita, uma morte salvadora, mas uma morte ainda assim. Toda a Veneza dá a sensação de caminhar para ela e os venezianos, embora com trajes que evocam um passado glorioso, parecem antecipá-la. Optam por um Carnaval melancólico e dolorosamente belo. Como um desfile fúnebre em Nova Orleães.
 
Os cariocas também sabem que a Quaresma está à porta. Também sabem – como poderiam não o saber, com a presença permanente do Cristo Redentor sobre as suas cabeças? – que a morte se aproxima. Mas escolhem aproveitar todos os segundos e celebrar o presente.
 

Que nós tenhamos copiado o Carnaval do Rio e não o de Veneza poderia ser um sinal de esperança (apesar de tudo, gostaríamos de abraçar o presente) ou de inconsciência (recusamos encarar o futuro). Mas nenhuma explicação poética resiste ao pinderiquismo do nosso Carnaval.



publicado por José António Abreu às 12:09
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 2010
Vovó no Carnaval
«Avó? Como posso me sentir avó?», indignou-se outro dia uma amiga minha. «No Carnaval de 1962, eu tinha vinte anos e passei quatro dias pulando montada no pescoço de alguém. Toda noite era um namorado diferente. Às vezes, mais de um, porque eu saía de um baile para outro. Brinquei no Municipal, no Copa, no Quitandinha, no Glória, no Monte Líbano e no Marimbás. Destruí quatro fantasias: índia, tirolesa, pirata e pistoleira. De dia, refrescava a cabeça na praia ou saía em algum bloco. Fui eleita as melhores pernas do Bafo da Onça. Dei uma namoradinha na Barra com um diretor do cinema italiano, esqueci o nome – entrou areia mas valeu. Durante uma semana não me lembro de ter dormido em casa. Cheirei dez tubos de lança-perfume. Então me diga: tenho moral para ser chamada de vovó?»
 
Ruy de Castro, Rio de Janeiro – Carnaval no Fogo.
Edições Asa, pp. 107.


publicado por José António Abreu às 13:18
link do post | comentar | favorito

dentro do escafandro.
pesquisar
 
Janeiro 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


à tona

Torres Vedras, Mealhada, ...

Vovó no Carnaval

reservas de oxigénio
tags

actualidade

antónio costa

blogues

cães e gatos

cinema

crise

das formas e cores

desporto

diário semifictício

divagações

douro

economia

eleições

empresas

europa

ficção

fotografia

fotos

governo

grécia

homens

humor

imagens pelas ruas

literatura

livros

metafísica do ciberespaço

mulheres

música

música recente

notícias

paisagens bucólicas

política

porto

portugal

ps

sócrates

televisão

viagens

vida

vídeos

todas as tags

favoritos

(2) Personagens de Romanc...

O avençado mental

Uma cripta em Praga

Escada rolante, elevador,...

Bisontes

Furgoneta

Trovoadas

A minha paixão por uma se...

Amor e malas de senhora

O orgasmo lírico

condutas submersas
subscrever feeds