Zero vírgula zero. Valor arredondado à vigésima casa decimal. Sendo que um PSD forte e diferente do albergue de interesses pessoais e corporativos que é hoje o PS seria essencial para o desenvolvimento do país.
E, de súbito, a calma antes da tempestade. Tudo parece adormecido, numa paz que muitos, por ingenuidade ou interesse, classificarão de positiva. Ocupado na reversão das tímidas reformas dos últimos anos e ainda sem ter de enfrentar números que exponham de forma clara (indícios não bastarão) o falhanço das suas políticas, o governo limita-se a chavões. Um documento que seria recebido com desdém se proviesse do governo anterior, a abarrotar de verbos no infinitivo («melhorar», «simplificar», «garantir», «lançar», «modernizar», «promover», «reforçar», «incentivar») mas confrangedoramente parco em detalhes (quando? como? com que dinheiro?), passa por base séria para discutir reformas. A ânsia de afastar Passos Coelho da liderança do PSD faz socialistas e comentadores encartados dispararem críticas a Passos por manter a pose de primeiro-ministro mas também por não mostrar sentido de Estado suficiente para aceitar as posições do governo (um «sentido de Estado» que o PS nunca teve enquanto oposição).
No fundo, PS, Bloco e PCP, ajudados por grande parte da intelligentsia, seguem entretidos na reescrita da História recente – ao ponto de o representante dos comunistas no congresso dos sociais-democratas ter declarado por várias vezes, com a convicção inabalável dos dogmas (são afinal tão religiosos), que o PSD ainda não se refez da derrota nas eleições legislativas. Mas presos ao passado estão os partidos da «geringonça». Tudo o que fazem é em função dele, tudo o que propõem conduz a ele. O futuro apenas lhes merece chavões.
O PSD não teve coragem para assumir que a lei de limitação dos mandatos constituía um acto de marketing político e nada mais. É por isso bem feito que os tribunais, forçados a pronunciarem-se sobre um assunto que não lhes devia ter chegado, estejam a decidir contra as pretensões dos candidatos sociais-democratas. Veremos, todavia, se no jogo da interpretação do corpo e do espírito da lei, instâncias judiciais superiores não acabarão validando a intenção escondida (mas real) do legislador em vez da sua intenção declarada (mas falsa).
A queda deste governo é, para mim, uma prioridade. Mas isto não significa que pense que o PSD deva votar favoravelmente a moção de censura anunciada pelo Bloco de Esquerda. Toda a gente já percebeu, até porque o sorridente Pureza se apressou a avisar que a moção também tem por alvo o PSD, que o pessoal do Bloco não deseja verdadeiramente derrubar o governo. Pretendeu apenas antecipar-se ao PC e entalar o PSD. Precisamente o tipo de jogos calculistas e hipócritas que os bloquistas costumam criticar nos outros. Mas o PSD não deve hesitar por causa de um pormenor como este. Nem por considerações tácticas, como preferir evitar assumir a governação antes de Sócrates ser forçado a tomar todas as medidas impopulares e não apenas algumas. A razão é outra. Mal ou bem, o PSD deu uma última hipótese ao governo ao viabilizar a aprovação do orçamento. Instou-o a provar que, contra todos os indícios acumulados ao longo de 2010 (e, na verdade, dos anos anteriores), consegue resolver a situação. Ora é demasiado cedo para avaliar se o governo aproveitou a oportunidade: o país ainda não teve de recorrer a ajuda externa (apesar dos métodos para conseguir financiamento estarem a roçar o crime, de tão onerosos que são para as contas públicas) e ainda não estão disponíveis quaisquer números sobre a execução orçamental de 2011. Derrubar o governo agora seria arriscar a incompreensão de milhares de portugueses, devidamente alimentada por Sócrates. Para mais, a incerteza não durará. Dentro de dois ou três meses poderemos avaliar pelo menos um destes pontos, e provavelmente ambos: Abril e Maio são meses cruciais no que respeita às necessidades de financiamento e também por essa altura conhecer-se-ão os dados referentes à execução orçamental no primeiro trimestre. Se os resultados forem negativos (isto é, se entretanto o governo for incapaz de conseguir financiamento e tiver de recorrer a auxílio externo, ou se a execução orçamental for má), o PSD terá então todas os motivos para censurar o governo. E os portugueses para compreenderem a atitude. Se isto vier a acontecer, a moção do Bloco assumirá então todos os seus contornos: permitirá que Sócrates acuse o PSD de inconstância, de votar de uma forma em Março e de outra em Maio, de se entregar a manobras calculistas em vez de pensar nos «interesses do país» (para o qual, segundo ele, a estabilidade continuará a ser decisiva). Vozes no PS acusam com frequência Bloco e PC de não passarem de partidos contestatários, indisponíveis para apoiar as políticas do governo. Após esta moção, e pelo menos em relação ao Bloco, a acusação torna-se bastante injusta.
Em 1891, o industrial suíço Karl Elsener, dono de uma empresa produzia equipamento cirúrgico, descobriu que o exército suíço usava canivetes multi-funções fabricados na Alemanha. (O canivete era necessário porque o processo de desmontagem de um novo modelo de espingarda obrigava à utilização de uma chave de fendas.) Estando-se numa época em que os sentimentos nacionalistas imperavam, Elsener decidiu fabricar uma versão do canivete alemão e conseguiu contrato para fornecer o exército. Cinco anos mais tarde, através do uso de uma mola especial, que lhe permitiu colocar instrumentos de ambos os lados do corpo do canivete, fez evoluir o design e criou o que por cá se chama «canivete suíço» e, no mundo anglófono, swiss army knife (a patente, de Junho de 1897, referia-se-lhe como «canivete desportivo e dos oficiais suíços»). Em 1909, em homenagem à recém-falecida mãe, Elsener renomeou a empresa Victoria e em 1921, na sequência do surgimento do aço inox, o nome foi novamente alterado, para Victorinox. A Victorinox anuncia os seus canivetes com a frase The Original Swiss Army Knife.
A empresa de Elsener não esteve sozinha no mercado durante muito tempo. Em 1893, a Paul Boechat & Cie começou também a produzir uma versão do canivete alemão e a fornecer o exército. Mais tarde, desenvolveu a sua própria versão do «canivete suiço». Já no século XX, a Paul Boechat & Cie foi comprada pelo seu director-geral, Theodore Wenger, que lhe alterou o nome para Wenger. A Wenger anuncia os seus canivetes com a frase The Genuine Swiss Army Knife.
Como podem duas empresas usar slogans tão parecidos? Simples. (Mais ainda desde que, em 2005, a Victorinox comprou a Wenger mas isso não vem ao caso). Em 1908, o exército suiço decidiu que para evitar fricções entre cantões (a Victorinox situa-se no cantão de Schwyz, na Suiça central, enquanto a Wenger é da zona francófona do Jura) cada empresa forneceria 50% das necessidades. Colocadas perante o problema de saber como aproveitar a ligação ao exército e fazer publicidade ao canivete sem guerras judiciais pelo meio, Victorinox e Wenger chegaram a um acordo: a primeira passaria a vender «the original swiss army knife» e a segunda «the genuine swiss army knife».
Adenda: Espero que pelo menos fique claro para os que ainda tinham dúvidas que Sócrates desconhece o termo «negociar» e que apenas pretende arranjar forma de fragilizar Passos Coelho, forçando-o a aprovar um orçamento que sempre contestou, ou de poder acusá-lo de ter contribuído para a crise. Não se descobre um artigo na Constituição que nos permita desterrá-lo para uma ilha qualquer? Assim à la Napoleão... (O ideal seriam as Desertas.)
Quando cometemos erros graves e não (n)os podemos esconder, a melhor forma de evitar assumir responsabilidades é transferi-las ou partilhá-las. Os portugueses são especialistas neste processo. Poucos assumem frontalmente os erros que cometem. Acusam sempre alguém, arranjam sempre desculpas. Fazem-no no emprego, nos acidentes rodoviários, nas relações familiares. Muitos, no entanto, fazem-no mal, deixando evidente quão hipócritas são. O governo e o PS estão entre os melhores. Entre os mais inteligentes, calculistas – e pérfidos.
Que tal começar a chamar o PSD de PPC/PSD?
A campanha para a eleição do líder do PSD interessa-me tanto quanto os despiques verbais entre claques de futebol. E tem mais ou menos o mesmo nível. É certo que não se usa a mesma quantidade de calão, nem se verbalizam desejos de que os adversários passem por uma experiência sexual desagradável (ou agradável; que sei eu sobre o assunto?), mas a animosidade é similar. Compreende-se: afinal, se as claques não sobrevivem sem os clubes, há por aí muita gente que não sobrevive sem o partido. Mas, porque até nos assuntos que pouco me interessam não gosto de não possuir opinião (são gratuitas e toda a gente sabe como os portugueses adoram coisas gratuitas, mesmo que lhes venham a ser inúteis), tenho uma ligeira preferência por Rangel, essencialmente porque Sócrates parece gostar menos dele. (Sim, as minhas fundamentações são sempre assim profundas.) Ou (eu escrevo para me obrigar a pensar) talvez o que eu tenha mesmo é uma ligeira aversão por Passos Coelho. Gosto das pessoas que criticam frontalmente (desde que não me critiquem a mim, claro), não das que surgem com um sorriso charmoso, dão beijinhos e abraços, e depois disparam frases assassinas (felizmente, as frases assassinas raramente matam). Por outro lado, se não é mal nenhum ter sonhos na vida (em miúdo, eu queria ser astronauta mas entendo que outras crianças almejem logo liderar partidos políticos), ele parece ser o único candidato cuja ambição nunca lhe permitiria desistir da corrida, mesmo que lhe provassem que, fazendo-o, o PSD conquistaria o poder. E depois a ascensão dele parece-me demasiado planeada. Na adolescência, li uns quantos livros de espionagem e, apesar de não acreditar em teorias da conspiração (mas as Torres Gémeas continuam lá; é tudo feito com espelhos), uma coisa assim faz-me pensar em livros de Robert Ludlum ou John le Carré. Em planos meticulosos e demorados. Em agentes infiltrados. Em masterminds criminosas. (Alguém sabe se Ângelo Correia tem um gato?) Enfim. Independentemente das minhas preferências e das minhas despreferências (não é erro, é inovação), e até da catadupa de posts do Pacheco Pereira, parece que Passos Coelho vai ganhar. Não há problema. Como sou optimista (e mentiroso), capaz de descortinar pontos positivos até onde eles não existem, uma parte de mim fica satisfeita: é bom ver que há gente que consegue concretizar os sonhos de menino (eu já quase me resignei a permanecer com os pés no chão). Interessa-me é saber o que o PSD vai fazer depois de eleger o novo líder. E, mais especificamente, que ideias vai defender. Provavelmente todas as indispensáveis, segundo as conveniências de cada momento. (Ei, foi assim que Sócrates ganhou em Setembro passado e já sabemos que o cérebro por trás de Passos Coelho é arguto, para além de tenaz.) Mas pode ser que não. Pode ser que o PSD se afirme com ideias claras, que ganhe as eleições de Junho de 2011 (tenho acesso às caixas de correio electrónico do Público), e que transforme este país num Canadá sem frio ou numa Austrália sem animais venenosos (excepção feita a um ou outro ser humano), repleto de gente feliz, motivada e culta, imbuída de um nível de civismo não apenas comparável ao dos países nórdicos mas ao do próprio Pólo Norte. Sim, Passos Coelho é homem para isso. Por três ordens de razão.*
* Dr. Ângelo Correia: de bom grado pagarei direitos de autor pelo uso da frase. O que eu quero é ter a sua amizade. E não me importo de ser apenas o segundo português no Espaço.
No União de Facto, Bernardo Pires de Lima escreveu após o debate televisivo entre José Sócrates e Paulo Portas que, num país normal, aquele teria sido o debate entre os líderes dos dois maiores partidos. É verdade. As diferenças ideológicas entre o PSD e o PS são ténues. Ao longo de décadas, os portugueses pareceram gostar disso e nem o CDS se atreveu a apresentar ideias muito diferentes (houve até uma altura em que o CDS se assumiu como o partido da "equidistância", um conceito absurdo quando se olha para o beco estreito que são as diferenças entre PSD e PS). Nestas eleições, os partidos fora do que Paulo Portas gosta de chamar “o centrão” usaram uma estratégia diferente. A crise financeira animou uma esquerda já antes bastante ideológica: o Bloco e o Partido Comunista não se coibiram de falar em nacionalizações e em taxar tudo e mais alguma coisa (não sei se inventámos a máquina do tempo e recuámos umas décadas, se a máquina do teletransporte e fazemos agora parte da América Latina). Mas também o CDS arriscou discutir assuntos como o papel do Estado em sectores como a educação e a saúde, as prioridades nas prestações sociais, a colocação de portagens nas SCUTs ou a política de impostos. Ao mesmo tempo, Bloco e CDS assumiram, na pose e no discurso, uma ambição cada vez maior. É verdade que, como Pacheco Pereira dizia há semanas num debate na RTP-N, todos os partidos querem os votos todos mas, num país conformista, anestesiado e avesso ao risco, costumava ter-se a sensação de que os dois maiores tinham mais de 70% dos eleitores presos num redil. No domingo passado descobriu-se que menos de 66% lá permanecem. Sendo improvável que o país caminhe da depressão para a felicidade antes que se verifique a necessidade de novas eleições, tenderão PSD e PS a reforçar componentes ideológicas (assumindo que o albergue espanhol em que se tornaram o permite), deslizando o primeiro para a direita e o segundo para a esquerda (como o PS fez nos últimos meses e em especial durante a campanha, num esforço desesperado e instrumental para esvaziar o BE), ou continuarão a procurar agradar a gregos e troianos, correndo o risco de verem os partidos mais pequenos aumentarem pelo voto dos que, por crescente desilusão, se forem deixando convencer da necessidade de políticas mais definidas? É claro que o crescimento do CDS e do BE vai também depender do que cada um fizer nos próximos tempos. E aqui a posição do BE é mais fácil. Não tem deputados para formar maioria com o PS e está livre para prosseguir o seu caminho de contestação e capitalização do descontentamento. Contudo, baseia-se numa ideologia que pode ser facilmente desmontada como irrealista e catastrófica para a economia (Portugal, talvez por estar tão longe dos países que ficaram do lado errado da "Cortina de Ferro", é o único país da Europa Ocidental onde quase 20% dos eleitores ainda acreditam no comunismo), e disputa votantes com um partido que sabe excepcionalmente bem fingir-se mais de esquerda ou mais de direita, consoante as conveniências. Já o CDS tem um delicado balanço pela frente. Por um lado, não deve adoptar a mesma estratégia destrutiva (muitos dos que votaram nele não o entenderiam); por outro, não pode de forma alguma transmitir a sensação de que está a ceder perante o PS (muito mais votantes se sentiriam traídos). Tem ainda que levar em conta o posicionamento do PSD depois da previsível mudança de liderança mas dificilmente o PSD se permitirá "assustar" os eleitores do centro virando demasiado à direita (o PSD está obrigado a um balanço ainda mais difícil e só a máquina partidária, a força autárquica, o "clubismo" de alguns eleitores e o voto "útil" lhe garantem resultados pelo menos honrosos). Para o CDS ter esperanças de continuar a crescer necessita de munir-se de muita paciência (não costumava ser o ponto forte de Paulo Portas), fazer uma oposição firme mas bem fundamentada e explicar todas as posições que tomar. E aguardar que, à medida que a situação do país se agravar (é duro ter de escrever isto mas não creio que, mesmo com o final da crise internacional e com os megalómanos projectos de obras públicas, a situação económica vá melhorar nos próximos tempos), mais e mais pessoas comecem a não aceitar respostas em meias tintas e, apesar de todas as fidelidades que o peso do Estado e da resignação consegue comprar, ponderem outros sentidos de voto que não no PS ou no PSD. A incapacidade que ambos têm revelado para reformar o Estado em vez de se servirem dele pode começar finalmente a custar-lhes caro. Em especial ao PSD, empenhado na sua ideologia esquizofrénica de tentar a quadratura do círculo (ou achavam que o título do programa do Pacheco Pereira tinha sido escolhido apenas por ser uma expressão bonita?).
Numa entrevista incluída no i de ontem (não a descobri no site do jornal), António Borges explicou de forma cristalina a razão por que certas empresas apoiam a estratégia de investimentos do governo e os resultados que daí advirão. Uma grande fatia (Borges disse metade) da economia nacional (energia, telecomunicações, banca, seguros, distribuição) tem um mercado protegido, sem concorrência externa (nestes sectores, é irrelevante que os chineses ou quaisquer outros tenham custos de produção mais baixos). A estas empresas agrada que o Estado invista tanto quanto possível. Para as restantes (as exportadoras), que o Estado gaste em estradas, num novo aeroporto ou no TGV é quase irrelevante. Os produtos que fabricam não ficam mais competitivos no exterior por causa disso. Para estas empresas seria muito mais importante uma intervenção ao nível dos factores com impacto no preço dos produtos (custo do crédito, da energia, dos combustíveis, das responsabilidades fiscais, etc.). Ainda por cima, o crescimento das empresas protegidas está limitado pelo mercado interno. Resultado? A economia estagna e precisa cada vez mais da intervenção do Estado. Que se endivida cada vez mais e cobra cada vez mais impostos, hipotecando a margem de manobra futura e (no que é uma outra espécie de 'asfixia democrática') asfixiando a economia.
Nota: este post nasceu das respostas de António Borges mas permiti-me elaborar um pouco sobre elas (até porque já não tenho comigo o jornal para o poder citar). Quaisquer erros ou imprecisões são da minha responsabilidade.
Pode arranjar-se uma montanha de justificações aparentemente inatacáveis, enunciadas em voz ressoando a ultraje ou escritas em estilo de homilia, mas as coincidências assustam. Não é preciso dizer mais do que isto. Ou talvez apenas que, a seguir, será o Sol. Porque só resta ele.
O grande problema da indefinição ideológica de Manuela Ferreira Leite e do PSD, preocupados que estão em não assustar os votantes mais à direita com propostas de esquerda e os votantes mais à esquerda com propostas de direita, é que abre espaço em ambos os lados do espectro para que outros possam surgir como mais atractivos para quem prefere clareza. Paulo Portas percebeu-o e mostrou, no debate que acabou há pouco, quão grave isso pode ser para o PSD.
(Isto partindo do princípio que a ideologia e as propostas concretas ainda significam alguma coisa neste país.)
Segundo consigo perceber do que a maioria dos apoiantes do PS têm escrito:
Claro que não houve coragem. O programa do PSD tem potencial mas vale mais pelo que pode ser que pelo que é. Pelas declarações de menos Estado ou de um Estado sujeito a níveis de exigência superiores e a mais concorrência que pela explicitação das formas de atingir esses objectivos. Talvez convenha assim. Para não assustar os eleitores, essa raça que todos julgam – quiçá com razão – extremamente espantadiça. Ou para não inviabilizar um possível, e parece que tão desejado por alguns, bloco central. Mas, para quem prefere soluções claras, para quem preferia ter por cá, como sucede em quase todos os países desenvolvidos, dois partidos fortes com filosofias claramente distintas, é uma pequena desilusão.
As listas de candidatos a deputados do PSD são uma desilusão. Não por existir pouca renovação (que, dependendo do modo como se virem as coisas, até há) porque esta não deve ser um objectivo mas um meio: significa pouco se, por exemplo, for conseguida através da captação de nomes panfletários como Inês de Medeiros ou Miguel Vale de Almeida (por muita consideração que ambos me mereçam, o convite para as listas do PS não se deveu a Sócrates acreditar piamente na qualidade política deles) mas poderia significar muito se revelasse verdadeira vontade de delinear políticas alternativas ao “centrão” amorfo e umbiguista que nos governa há décadas. Talvez fosse esperar demasiado. Em primeiro lugar, as estruturas locais dos partidos regem-se mais por critérios de interesses pessoais que pelo interesse nacional. Depois, Manuela Ferreira Leite é Cavaquista e deixou-o bem claro ao escolher certos nomes. (Até me parece que Cavaco aprendeu com os erros do passado mas não estou certo de que todos os cavaquistas o tenham feito.) Por fim, no nosso sistema e mentalidade, os deputados acabam – infelizmente – por ser pouco importantes, uma vez que raramente fogem ao guião partidário ou governamental. Em quase todas as circunstâncias, poderiam ser substituídos (com vantagem orçamental) por direitos de voto que os líderes exerceriam aquando das votações. De resto, todos sabemos que, seja qual for o partido que ganhe as eleições, terá que formar a quase totalidade do governo fora do parlamento. Mas é pena que assim seja. É pena que o parlamento não seja o lugar onde estão os portugueses mais capazes. E é pena que o PSD não tenha aproveitado para incluir nas listas gente menos comprometida com o passado e com mais visão de futuro.
Há depois os lamentáveis casos dos arguidos António Preto e Helena Lopes da Costa, que – nunca pensei escrevê-lo – fazem incidir outra luz sobre a coragem de Marques Mendes. Há Maria José Nogueira Pinto, que respeito mas não entendo como pôde aceitar fazer parte das listas do PSD numa altura em que apoia uma candidatura autárquica contra o PSD. E há finalmente Passos Coelho. A decisão de o deixar de fora não me incomoda. Passos Coelho foi opositor de Manuela Ferreira Leite quando ambos concorreram à liderança do partido. Perdeu. E a partir daí continuou a ser opositor dela mas – e é somente aqui que reside o problema – fazendo uma oposição traiçoeira e hipócrita. Aparecendo sorridente ao lado de Ferreira Leite antes de disparar declarações farisaicas perante as câmaras televisivas. Ferreira Leite limitou-se a recusar ser tão hipócrita quanto ele.
A renovação não é necessariamente uma coisa boa. Mas é uma oportunidade. Manuela Ferreira Leite está a ultimar as listas de candidatos a deputados. Resta saber se vai ter coragem para decidir sem medo de afrontar alguns caciques locais. É triste constatar que o que devia ser uma vantagem (as estruturas locais reflectirem melhor os interesses das populações onde se inserem) é afinal uma perversão. Ou alguém acredita que os filhos dos autarcas de Barcelos, Gaia e Coimbra são mesmo os melhores cidadãos simpatizantes do PSD que essas regiões têm para oferecer ao país? Aliás, as coisas andam de tal modo perversas que, mesmo que fossem, ninguém acreditaria.
Perguntaram-me: vamos fazer um programa este fim-de-semana? Respondi: não me meto em política.
O programa do PSD já existe mas passa em canal codificado.
Seria bom termos vários programas disponíveis para podermos fazer zapping.
O PSD vai a banhos em Agosto antes de apresentar o programa em Setembro. Já o programa do PS é um típico programa de Verão.
O programa do PS parece uma sequela cinematográfica: mesmo actor principal, guião retocado para encaixar os desejos dos espectadores. Não sei é como é que o filme vai conseguir manter a tradição das sequelas serem piores que o original.
Por uma questão de guerra de audiências, espero que o programa do PS tenha episódios suficientes para durar até Setembro. Avaliando pelo passado, não deve haver problemas.
Só escrevinhei isto porque a programação não estava a ser brilhante. O que é natural quando o único programa disponível é o do PS.
E agora desculpem-me mas vou para a cama tentar não fazer duzentos euros.
A estratégia actual do Partido Socialista para lidar com os partidos à sua direita é clara: classificá-los como económica e socialmente retrógrados, encostá-los ao “papão” do neoliberalismo e acusá-los de não possuírem ideias para o futuro. Para fazer passar a primeira parte da mensagem não há pejo em usar a táctica que o PS criticava ao PSD e ao CDS em 2005 quando estes partidos chamavam a atenção para os governos Guterres (agora mencionam-se os de Durão Barroso e Santana Lopes) e em utilizar o mesmo discurso visionário sustentado no vazio mais absoluto (pode substituir-se por “convicções”) que Sócrates já empregava há dez anos quando se referia ao Euro 2004 (ver aqui). A questão do “neoliberalismo” é um chavão oco: nunca houve liberalismo em Portugal, quanto mais neoliberalismo, e ainda há dois anos o próprio PS poderia ser acusado do que o termo parece significar por cá. Já o PS actual é, como sabemos, “social”. A última parte é mais insidiosa e adquire actualmente forma no clamor pela apresentação de um programa eleitoral por parte do PSD. (O PS é nisto ecoado por alguns comentadores presumivelmente de direita.) O que leva os socialistas a exigir o programa é o mesmo que faz os sociais-democratas hesitar: em ambos os partidos se pensa que os portugueses não têm coragem para encarar a realidade. Mas isto tem consequências distintas para PS e PSD. O PS não está manietado nem por esse medo nem pela própria realidade. Distribui dinheiro (é o governo que o faz mas, como Elisa Ferreira nos disse há meses, “o dinheiro é do PS”) e promete o que bem entende. Fá-lo impunemente porque Sócrates pode empolar ou mesmo mentir – já todos sabemos que o faz. A “política de verdade” do PSD, sendo a muitos níveis uma aposta correctíssima, apresenta uma fragilidade: quem se coloca na posição de dizer a verdade não pode empolar ou mentir. Mas dizer a verdade toda (o que pode ser – e provavelmente será, considerando o endividamento e a vertiginosa derrapagem actual das contas públicas – necessário fazer depois das eleições) pode assustar. Até hoje, os eleitores sempre demonstraram preferir declarações grandiloquentes (exemplo de 2005: “150 000 novos empregos”) a banhos de realidade. É isto inevitável? Lembro-me de em 2007 assistir a um debate entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal. Royal – elegante, polida, radiosa – usou a táctica habitual da esquerda: acusou Sarkozy de querer acabar com os direitos sociais, de querer forçar os trabalhadores a trabalhar mais, de querer introduzir uma qualquer espécie de liberalismo. Sarkozy, para minha surpresa, foi claro em muitos pontos: assumiu que defendia o regresso à semana de 35 horas, assumiu que eram necessárias mudanças e que estas teriam custos. Ao mesmo tempo, fez Royal parecer vazia, sem ideias concretas. Como todos sabemos, apesar da vantagem ter sido pequena, Sarkozy ganhou as eleições. Seria possível Manuela Ferreira Leite fazê-lo em Portugal? Pessoas como Medina Carreira acham que sim. Que os portugueses estão preparados para um discurso de verdade e rigor. Gostaria de pensar o mesmo. O PSD poderia então apresentar um programa eleitoral inteiramente honesto. Mas, quando a extrema-esquerda acabou de obter mais de vinte por cento dos votos nas eleições europeias, sou forçado a duvidar.
Adenda: a respeito da aversão ao risco dos portugueses é favor ler este post n'O Insurgente, onde Bruno Alves avança uma excelente teoria sobre o assunto.
Na questão da venda da rede fixa à PT, Manuela Ferreira Leite deveria ter apenas declarado que fez o que entendeu dever fazer, considerando as circunstâncias que já por várias vezes explicou: a necessidade de manter o défice abaixo dos 3% e a inexistência – à época – de folga temporal para o reduzir por outras vias. Poderia ter acrescentado que a decisão política até vinha do governo Guterres – mas depois de assumir o acto.
Ainda assim, o caso permite-me lembrar Sócrates e o PS em 2004 e inícios de 2005. Nessa altura eles bramavam que o que se passara durante os governos do engenheiro Guterres era irrelevante. A crise devia ser totalmente atribuída aos governos PSD/CDS. Sócrates afirmou dezenas de vezes, no seu estilo onde apenas Ana Lourenço consegue introduzir a dúvida e a humildade, que a direita culpava Guterres para esconder o seu próprio fracasso. Hoje é o PS que tenta desenterrar o passado; que, no fundo, continua a esforçar-se por demonstrar que os governos PSD/CDS foram maus. Bom, meus caros, isso não é novidade para ninguém. Mas deixem que vos diga duas coisas: o governo de Durão Barroso ocorreu durante um período de quebra económica a nível europeu e teve a oposição da comunicação social e do Presidente da República, enquanto o vosso desfrutou nos primeiros anos de alguma retoma económica e teve durante muito tempo uma comunicação social e um Presidente cooperantes; e, parafraseando-vos, o que se deve discutir em 2009 são as vossas políticas. São elas que falharam. E, por muitas trapalhadas que os governos PSD/CDS tenham feito, nenhum deles atingiu o vosso nível de arrogância e de assalto ao poder.
António Carrapatoso acaba de ser entrevistado por Mário Crespo na SIC Notícias. Como já fora anunciado, deixou o cargo de presidente executivo da Vodafone. Mais importante, apesar de ter afirmado preferir cargos de cariz empresarial, deixou aberta a porta para poder vir assumir um cargo governativo. Pode ainda não haver programa mas a equipa de um futuro governo PSD começa a desenhar-se.
As repetidas declarações de Vital Moreira sobre a necessidade de Manuela Ferreira Leite tomar uma posição sobre o caso BPN são – inspirar fundo – demagógicas, populistas, ridículas, impróprias, patetas, vergonhosas, descaradas, estrambólicas, irritantes, indecorosas, trogloditas, presunçosas, canalhas, soezes, escandalosas, vis, torpes e descabidas. Eu sei que alguns dos termos são sinónimos mas espero que a apresentação sequencial reforce a ideia que pretendo passar. Incluí indignas?
Enfim. Aguardemos a próxima tirada do emérito, insigne e distinto professor de Direito. Felizmente já não temos que o aturar durante muito mais tempo.
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