Apesar de ter dezenas de livros amontoados nas estantes à espera da minha atenção, estou a ler o programa eleitoral do CDS (internem-me, por favor). A primeira coisa que se me oferece dizer é que Paulo Portas conseguia ser mais conciso quando escrevia crónicas n'O Independente. Não sei quem lançou a ideia de que o documento tem duzentas páginas mas só pode ter sido uma daquelas pessoas que arredondam sempre para baixo. No meu computador, o ficheiro PDF descarregado daqui apresenta-se com duzentas e sessenta e uma páginas (é verdade que com texto menos denso que noutros programas) em estilo, digamos, amador (sugiro – a política dá cabo dos bons princípios com uma velocidade estonteante – que digam que foi por causa da contenção de custos, mesmo que não tenha sido). No que respeita ao conteúdo, há coisas interessantes (por exemplo, maior clareza que o PSD nas questões ligadas à concorrência entre sectores público e privado, intenção de obrigar o Estado a cumprir os mesmos prazos que os privados têm que cumprir na sua relação com o Estado, simplificação fiscal e bonificação para famílias com vários filhos) mas também pontos em que se assobia para o lado (golden shares, comunicação social) e outros em que, como é tradicional em todos os partidos, as intenções rapidamente seriam trucidadas pela realidade (especialmente, e apesar de se sugerir uma ou outra forma de desviar fundos de áreas consideradas menos importantes para outras classificadas como fulcrais – apoio social, redução de impostos, etc. –, quando se verificasse que faltava dinheiro). Ainda assim, não é um mau programa. Ficaria bastante melhor com uma cura de emagrecimento, tem ainda muitas áreas em que houve receio de ser claro, mas bate o do PSD aos pontos. Duvidoso é que o trabalho leve a resultados eleitorais significativos. Além de mim, só os rapazes e raparigas do Rua Direita se devem ter dado ao trabalho de o ler. E, que me tenha apercebido, na comunicação social o impacto foi reduzido. Não consigo deixar de pensar que o CDS tem o mesmo problema da Avis na luta com a Hertz. Que tal espalharem pelas ruas uns cartazes com uma foto de Portas, Caeiro, Ribeiro e Castro et al e o slogan "We Try Harder"?
Claro que não houve coragem. O programa do PSD tem potencial mas vale mais pelo que pode ser que pelo que é. Pelas declarações de menos Estado ou de um Estado sujeito a níveis de exigência superiores e a mais concorrência que pela explicitação das formas de atingir esses objectivos. Talvez convenha assim. Para não assustar os eleitores, essa raça que todos julgam – quiçá com razão – extremamente espantadiça. Ou para não inviabilizar um possível, e parece que tão desejado por alguns, bloco central. Mas, para quem prefere soluções claras, para quem preferia ter por cá, como sucede em quase todos os países desenvolvidos, dois partidos fortes com filosofias claramente distintas, é uma pequena desilusão.
Perguntaram-me: vamos fazer um programa este fim-de-semana? Respondi: não me meto em política.
O programa do PSD já existe mas passa em canal codificado.
Seria bom termos vários programas disponíveis para podermos fazer zapping.
O PSD vai a banhos em Agosto antes de apresentar o programa em Setembro. Já o programa do PS é um típico programa de Verão.
O programa do PS parece uma sequela cinematográfica: mesmo actor principal, guião retocado para encaixar os desejos dos espectadores. Não sei é como é que o filme vai conseguir manter a tradição das sequelas serem piores que o original.
Por uma questão de guerra de audiências, espero que o programa do PS tenha episódios suficientes para durar até Setembro. Avaliando pelo passado, não deve haver problemas.
Só escrevinhei isto porque a programação não estava a ser brilhante. O que é natural quando o único programa disponível é o do PS.
E agora desculpem-me mas vou para a cama tentar não fazer duzentos euros.
A estratégia actual do Partido Socialista para lidar com os partidos à sua direita é clara: classificá-los como económica e socialmente retrógrados, encostá-los ao “papão” do neoliberalismo e acusá-los de não possuírem ideias para o futuro. Para fazer passar a primeira parte da mensagem não há pejo em usar a táctica que o PS criticava ao PSD e ao CDS em 2005 quando estes partidos chamavam a atenção para os governos Guterres (agora mencionam-se os de Durão Barroso e Santana Lopes) e em utilizar o mesmo discurso visionário sustentado no vazio mais absoluto (pode substituir-se por “convicções”) que Sócrates já empregava há dez anos quando se referia ao Euro 2004 (ver aqui). A questão do “neoliberalismo” é um chavão oco: nunca houve liberalismo em Portugal, quanto mais neoliberalismo, e ainda há dois anos o próprio PS poderia ser acusado do que o termo parece significar por cá. Já o PS actual é, como sabemos, “social”. A última parte é mais insidiosa e adquire actualmente forma no clamor pela apresentação de um programa eleitoral por parte do PSD. (O PS é nisto ecoado por alguns comentadores presumivelmente de direita.) O que leva os socialistas a exigir o programa é o mesmo que faz os sociais-democratas hesitar: em ambos os partidos se pensa que os portugueses não têm coragem para encarar a realidade. Mas isto tem consequências distintas para PS e PSD. O PS não está manietado nem por esse medo nem pela própria realidade. Distribui dinheiro (é o governo que o faz mas, como Elisa Ferreira nos disse há meses, “o dinheiro é do PS”) e promete o que bem entende. Fá-lo impunemente porque Sócrates pode empolar ou mesmo mentir – já todos sabemos que o faz. A “política de verdade” do PSD, sendo a muitos níveis uma aposta correctíssima, apresenta uma fragilidade: quem se coloca na posição de dizer a verdade não pode empolar ou mentir. Mas dizer a verdade toda (o que pode ser – e provavelmente será, considerando o endividamento e a vertiginosa derrapagem actual das contas públicas – necessário fazer depois das eleições) pode assustar. Até hoje, os eleitores sempre demonstraram preferir declarações grandiloquentes (exemplo de 2005: “150 000 novos empregos”) a banhos de realidade. É isto inevitável? Lembro-me de em 2007 assistir a um debate entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal. Royal – elegante, polida, radiosa – usou a táctica habitual da esquerda: acusou Sarkozy de querer acabar com os direitos sociais, de querer forçar os trabalhadores a trabalhar mais, de querer introduzir uma qualquer espécie de liberalismo. Sarkozy, para minha surpresa, foi claro em muitos pontos: assumiu que defendia o regresso à semana de 35 horas, assumiu que eram necessárias mudanças e que estas teriam custos. Ao mesmo tempo, fez Royal parecer vazia, sem ideias concretas. Como todos sabemos, apesar da vantagem ter sido pequena, Sarkozy ganhou as eleições. Seria possível Manuela Ferreira Leite fazê-lo em Portugal? Pessoas como Medina Carreira acham que sim. Que os portugueses estão preparados para um discurso de verdade e rigor. Gostaria de pensar o mesmo. O PSD poderia então apresentar um programa eleitoral inteiramente honesto. Mas, quando a extrema-esquerda acabou de obter mais de vinte por cento dos votos nas eleições europeias, sou forçado a duvidar.
Adenda: a respeito da aversão ao risco dos portugueses é favor ler este post n'O Insurgente, onde Bruno Alves avança uma excelente teoria sobre o assunto.
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