No domingo passado distraí-me e acabei assistindo aos comentários do Professor Marcelo na TVI (*). A dada altura, ele explicou-nos (a nós, telespectadores, e a uma embevecida Judite de Sousa) que os resultados das eleições italianas, parecendo originar um problema de difícil resolução, revelar-se-ão afinal muito positivos, na medida em que obrigarão Angela Merkel a prestar atenção às reivindicações dos países do Sul. Segundo o Professor Marcelo, os alemães não ligam peva (o termo é meu mas o sentido é dele) à Grécia, nem a Portugal, nem sequer à Espanha, mas respeitam a Itália e sabem que esta lhes pode causar um montão de problemas bicudos (a expressão é minha mas o sentido é dele). Minutos depois, escalpelizando já o tema da alteração das condições dos empréstimos europeus a Portugal e à Irlanda, o Professor Marcelo anunciou que, obviamente, os prazos serão alargados e a curva de pagamentos suavizada mas que não se pode avançar demasiado depressa por necessidade de desenhar formas que, disfarçando a cedência dos governos dos países credores, evitem alienar os seus cidadãos e permitam as aprovações parlamentares necessárias. Referiu explicitamente a Alemanha e o jogo de cintura a que Angela Merkel, em pleno ano de eleições, se vê forçada.
Sendo que o Professor Marcelo – desculpe lá, Professor; almas gémeas na paixão pelo ténis, eu até gosto de si – não fez mais do que expressar o que muitos pensam, tudo isto é bonito e de uma coerência inatacável. Ora recapitulemos. Em Itália, castigam-se os políticos por terem ignorado a vontade popular; em Portugal, onde acusações idênticas aos políticos nacionais são às dúzias por hora, aplaude-se – diz-se que é a democracia a funcionar e, num glorioso corolário, exige-se que o governo alemão aprenda a lição e altere o rumo, ainda que contra a vontade dos cidadãos alemães. Em simultâneo, na Alemanha o governo parece utilizar subterfúgios para executar políticas que não corresponderão à vontade popular; em Portugal, com reservas porque continua a dar jeito ter a quem apontar o dedo, aplaude-se – diz-se que já não era sem tempo e exige-se mais. Convenhamos: a começar no PM que sonha ser PR, gostamos da democracia quando ela se molda às nossas tendências para a realpolitik.
(*) Pergunto-me sempre se ele teria atingido níveis de fama e respeito similares com um primeiro nome mais comum (tipo António, Carlos ou João) ou fora de moda e, por isso mesmo, ligeiramente incongruente (tipo Anacleto, Barnabé ou Frutuoso). Imagine-se Judite de Sousa dizendo: «É altura do comentário semanal do Professor Anacleto. Boa noite, Professor Anacleto. Que livros nos traz esta semana?»
Estive a ver o programa do Professor Marcelo. Enquanto ele perorava entusiasmado sobre coisas certamente muito importantes eu pensava que ser conhecido pelo primeiro nome é algo que poucos humanos conseguem. Ser identificado pelo apelido já é alguma coisa mas existem abundantes exemplos de gente que o conseguiu: Cavaco, Sócrates, Guterres, Soares, Eanes, Sampaio, Futre, Figo, Saramago, Cesariny. Impor o primeiro nome é raríssimo. Por cá, para além do Marcelo só me recordo do Herman e, prova de que, sendo difícil, pode suceder mesmo com nomes próprios banais, d’O Zé (sendo que, neste caso, o artigo faz toda a diferença).
Conseguir ser conhecido por uma única palavra, ainda que esta seja o apelido, é transformar o nome em alcunha. É criar um nome artístico, como «Elvis», «Madonna» ou «Bono» (os músicos parecem gostar particularmente de o fazer), sem mudar o nome que efectivamente se tem. Mas ser conhecido pelo nome próprio é verdadeiramente especial. É atingir o estatuto de cartoon. Repare-se: Mickey, Minnie, Donald, Pluto, Porky, Bugs, Ratatouille, Heidi, Popeye, Astérix. Poucas personagens da banda desenhada ou do cinema de animação precisam de um apelido. Quando muito, que seja especificado o tipo de animal que são (rato, pato, coelho), presumivelmente para afastar eventuais dúvidas decorrentes da imprecisão ou da excessiva criatividade do traço do desenhador. Este cuidado é dispensável nos seres humanos, uma vez que mesmo o Professor Marcelo parece indubitavelmente humano*. Existem, porém, cartoons que vão mais longe e dispensam totalmente a necessiade de nome próprio e apelido. A Pantera Cor-de-Rosa consegue ser identificada pela cor (nos humanos, o Blue Man Group é um esforço meritório no mesmo sentido mas não identifica as pessoas que constituem o grupo, antes os cartoons que eles representam), o Professor Pardal é reconhecido por um título académico e pela designação de toda a sua espécie, e o Diabo da Tasmânia vai um passo mais longe e dispensa o título. Nem o Professor Marcelo conseguiu ir tão longe e ser conhecido como «o Professor Humano» ou, simplesmente, «o Humano».
Apesar de o ter escrito no primeiro parágrafo, apercebo-me agora de que impor o primeiro nome não é assim tão raro. Na música (onde, já o vimos, muita gente é conhecida por um único nome), e mais especificamente no subgénero pimba, a utilização do primeiro nome é comum: Emanuel, Ágata, Romana, Toy, Clemente, Micaela. O que poderá demonstrar que há qualquer coisa de popularucho no uso isolado do primeiro nome. O «Herman». «O Zé». Talvez por isso Marcelo tenha tido o cuidado de arranjar e impor o «Professor». Nem ele nem o Professor Pardal gostariam certamente que os considerássemos pimba.
* Quando muito, o Professor Marcelo poderá ser confundido com um novo passo na evolução do ser humano, um homo sapiens sapiens sapiens.
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