como sobreviver submerso.

Sexta-feira, 10 de Julho de 2009
Insegurança e injustiça

O Procurador da República alerta para a redução de liberdades individuais em nome da segurança. O aviso poderá ser visto como algo exagerado, uma vez que, de acordo com um estudo da Privacy International, uma entidade independente, Portugal tem um nível de protecção da privacidade "enfraquecido" mas mantém salvaguardas razoáveis, uma situação que, não sendo brilhante, é melhor que a de muitos outros países da UE (e em especial do Reino Unido, classificado ao nível de países como os Estados Unidos, a Rússia e a China). É curioso notar como, na Europa, muitos países que passaram recentemente por sistemas ditatoriais tendem (por enquanto) a apresentar um melhor nível de salvaguardas. (Há excepções notórias, como a Espanha).

 

Mas, apesar do ranking (referente a 2007) ainda não nos posicionar muito mal, o aviso de Pinto Monteiro tem razão de ser por (como diria o Eng. Ângelo Correia) três ordens de razão: a tendência é também por cá para o Estado aumentar as formas de intrusão na esfera privada dos cidadãos; as salvaguardas existem na lei mas, porque o nosso sistema judicial é mau, nem sempre na prática; e é antes da situação atingir níveis verdadeiramente preocupantes que os principais intervenientes no sistema devem falar.

 

Pinto Monteiro centra a questão na segurança. Como penso já ter deixado pelo menos implícito aqui e aqui, julgo que a tendência para a imposição (por parte dos governos) e aceitação (por parte do público) destas medidas vai para além das questões da segurança. Estas são sem dúvida importantes e a maior parte das pessoas, vendo notícias consecutivas sobre assaltos violentos ou baleamento de polícias (o terrorismo perdeu parte da carga ameaçadora que, pelo menos em alguns países, chegou a ter), tende a aceitar o aumento de medidas de segurança 'intrusivas', convencidas de que nunca serão afectadas por elas. Mas penso que a questão vai mais longe. Para além da sensação de insegurança, uma outra, de injustiça, tem vindo a impregnar a sociedade portuguesa (e admito que outras). A injustiça (parte real, parte percepção) de sentir que se é cada vez mais pressionado enquanto outros passam incólumes por todas as dificuldades. Afinal, o emprego só parece estar em risco para alguns. As reformas de certas pessoas permanecem obscenamente elevadas enquanto as da maioria caem. Os lucros de algumas empresas continuam astronómicos e os seus gestores e accionistas ganham milhões de euros por ano enquanto a maioria tem problemas para pagar o empréstimo da casa. Uma imensidão de pessoas recebe subsídios para nada fazer enquanto os restantes têm que trabalhar. Esta percepção (que, sendo justa, injusta ou apenas simplista, existe) cria um desejo de vingança sobre os que são vistos como privilegiados (não apenas os ricos mas todos os que parecem não fazer o suficiente para justificar aquilo que têm). Na opção de mentalidade expressa pela velha história dos dois jardineiros que vêem passar o patrão num Roll-Royce, dizendo um para si mesmo que ainda um dia há-de acabar com aqueles privilégios e o outro que ainda um dia há-de ter um carro como aquele, estamos claramente ao lado do primeiro porque já desistimos de ter esperanças que o nosso mérito (que nos parece inegável) seja convenientemente recompensado. Vigie-se e fiscalize-se toda a gente, pois então. No que nos diz respeito, é irrelevante: afinal, já somos controlados ao chegar e ao sair do emprego, já temos o acesso à internet monitorizado (ou bloqueado) pela empresa em que trabalhamos, já estamos sob vigilância nos shoppings, já nos sentimos sob vigilância nas estradas. Mais: já estamos, indefesos, expostos a todos os abusos das autoridades. E, no fim de contas, nada fizemos de mal. Se a redução das liberdades individuais levar a que possam ser apanhados os verdadeiros criminosos, óptimo. Claro que depois de os apanhar torna-se necessário puni-los. E aqui nasce a segunda parte do problema: o Estado, através do sistema judicial, não consegue fazê-lo.  Diz-nos então que precisa de mais meios de vigilância para arranjar melhores provas e nós, cada vez mais desesperados e mesmo acreditando cada vez menos na possibilidade das coisas mudarem, aceitamos.

 

A solução? Uma economia a crescer para reduzir as tensões sociais. Políticas sociais cirúrgicas e justas. Um sistema judicial a funcionar. Toda a gente conhece a solução. A questão é como lá chegar.



publicado por José António Abreu às 12:47
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