1. Enternece ver tanta gente defendendo o controlo nacional de uma empresa que, na prática, é brasileira - e se tornou brasileira sem grande contestação. Apetece perguntar onde diabo andavam todas estas almas quando a Sonae oferecia dez vezes mais do que a PT vale hoje. Dando vivas a José Sócrates e Ricardo Salgado, evidentemente, enquanto estes manobravam para que Belmiro falhasse a OPA. Dando vivas a um processo que levou à descapitalização da empresa (era preciso convencer os accionistas a não vender), à parceria com uma operadora brasileira de segunda linha (era do «interesse nacional» que a PT mantivesse presença no Brasil), ao aprofundamento da promiscuidade entre a PT e o GES (o resultado da OPA deixou não apenas claro quem mandava como que o fazia com bênção do governo), à fragilidade da situação actual. A PT (Passos Coelho tem toda a razão) constitui o paradigma do que se obtém quando um Estado controlador e incompetente (por cá, um pleonasmo) decide meter-se onde não devia, em nome de um difuso «interesse nacional» que, na prática, se consubstancia em assegurar lugares para boys apreciadores de robalos. No final da década de 90, após a crise financeira que atingiu os países nórdicos, 60 % das instituições financeiras finlandesas passara para mãos estrangeiras. Ainda recentemente, a divisão de telemóveis da Nokia foi vendida à Microsoft. Por cá, grita-se escândalo sempre que qualquer empresa de capitais nacionais com dimensão suficiente para abrir noticiários televisivos 'corre o risco' de ser vendida a estrangeiros (curiosamente, parece que os brasileiros não o são). Os socialistas, coerentes na via como tendem a 'resolver' os problemas (mesmo os que foram criados exactamente pela aplicação dessa via), clamam por intervenção governamental. O professor Marcelo, intocável no posto de populista esclarecido, acha «imperdoável» ter-se prescindido da golden share. A mensagem é clara: as empresas podem ser privadas desde que pertençam a alguém que agrade ao governo. Incorrigíveis. Incapazes de aprender. Economicamente salazarentos. Mas depois estranham a falta de investimento estrangeiro de longo prazo em Portugal.
2. Há contudo uma área em que o Estado tem um papel crucial: a garantia da concorrência. Num sector com apenas três grupos fortes, a PT não pode acabar por, abertamente (através de uma fusão) ou de forma enviesada (através de conjugação de estratégias), constituir uma extensão de um dos seus actuais concorrentes.
Na questão da venda da rede fixa à PT, Manuela Ferreira Leite deveria ter apenas declarado que fez o que entendeu dever fazer, considerando as circunstâncias que já por várias vezes explicou: a necessidade de manter o défice abaixo dos 3% e a inexistência – à época – de folga temporal para o reduzir por outras vias. Poderia ter acrescentado que a decisão política até vinha do governo Guterres – mas depois de assumir o acto.
Ainda assim, o caso permite-me lembrar Sócrates e o PS em 2004 e inícios de 2005. Nessa altura eles bramavam que o que se passara durante os governos do engenheiro Guterres era irrelevante. A crise devia ser totalmente atribuída aos governos PSD/CDS. Sócrates afirmou dezenas de vezes, no seu estilo onde apenas Ana Lourenço consegue introduzir a dúvida e a humildade, que a direita culpava Guterres para esconder o seu próprio fracasso. Hoje é o PS que tenta desenterrar o passado; que, no fundo, continua a esforçar-se por demonstrar que os governos PSD/CDS foram maus. Bom, meus caros, isso não é novidade para ninguém. Mas deixem que vos diga duas coisas: o governo de Durão Barroso ocorreu durante um período de quebra económica a nível europeu e teve a oposição da comunicação social e do Presidente da República, enquanto o vosso desfrutou nos primeiros anos de alguma retoma económica e teve durante muito tempo uma comunicação social e um Presidente cooperantes; e, parafraseando-vos, o que se deve discutir em 2009 são as vossas políticas. São elas que falharam. E, por muitas trapalhadas que os governos PSD/CDS tenham feito, nenhum deles atingiu o vosso nível de arrogância e de assalto ao poder.
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