Louçã é um enigma por trás de uma evidência. Como ele faz questão de mostrar apenas a evidência (com uma ou outra excepção controlada, como o recente artigo do Público sobre a sua excelente biblioteca), ficar-me-ei por ela. Louçã é o homem perfeito. Alto, magro, inteligente, bom orador, aparentemente liberal (nos costumes, sosseguem os fãs), com uma carreira académica brilhante, é portador de uma enorme série de opiniões que, no instante em que lhe saem da boca, se transmutam em dogmas. Pode possuir 6000 livros (ah, os exageros da propriedade privada) mas, sendo quem é, lê-os não para aprender coisas novas mas para confirmar ideias. Como sucede com Jerónimo e – pelo menos no discurso – com Sócrates, elas não estão expostas à mudança (apenas a direita – esse campo ideológico extremista – parece aceitar que alterações de contexto podem originar mudanças de opinião). Na verdade, Sócrates é Primeiro-Ministro e Louçã apenas líder de um pequeno partido mas, exceptuando esse detalhe, Louçã é tudo o que Sócrates gostaria de ser.
De entre os líderes dos cinco principais partidos, Jerónimo de Sousa é o único que não é atacado pelo que é. Ninguém o apelida de arrogante, nem de autoritário, nem de iluminado. E, todavia, num paradoxo que podia dar uma tese, está à frente de um partido que ainda vê Estaline com bonomia, que apoia forças guerrilheiras para as quais o rapto de civis é uma actividade legítima, que tem gente que encara a Coreia do Norte como uma democracia. É verdade que, embora ainda rosnem de vez em quando, os lobos comunistas estão hoje envelhecidos e surgem frequentemente como cordeiros. Olhe-se para Honório Novo ou para António Filipe. Jerónimo (o único líder que tratamos pelo primeiro nome) parece simpático, humilde, sincero e compassivo. Poderá até ser tudo isso. Mas a simpatia não faz subir o PIB e as políticas do PC fá-lo-iam descer.
Paulo Portas podia salvar sozinho de um incêndio num lar de idosos todos os residentes, o cão, o gato, o peixinho de aquário e a carne de vaca guardada na arca frigorífica que ainda assim teria pessoas a criticá-lo e a acusá-lo de demagogia. A mente frenética e o entusiasmo com que tenta passar as ideias são totalmente inadequados a um país de gente que não gosta de processar muita informação de cada vez. É demasiado autoconsciente, não por sentir que as coisas lhe estão a sair mal como sucede, por exemplo, a muitos formadores inexperientes, mas porque o seu cérebro não consegue relaxar e se encontra sempre dois segundos adiantado em relação ao que está a dizer. Quando fala ouve-se a falar, quando está na televisão procura ver que câmara está a gravar, quando diz uma piada sorri antes de todos os restantes, quando tem o que considera uma boa ideia entusiasma-se antes do tempo. O resultado é um discurso e uma pose que parecem encenados (e são, mas quase sempre no momento). A tragédia de Portas é que a suas qualidades são também os seus defeitos.
Claro que salvar a carne de vaca poderia mesmo ser considerado demagogia.
Manuela Ferreira Leite até pode ser a tal professora tradicional que já foi acusada de ser. Mas é uma daquelas professoras que sempre se preocupou verdadeiramente com os alunos, a ponto de, por vezes, ter confundido preocupação com rispidez. E é hoje uma professora reformada. Muito mais solta, e disponível para sorrir de vez em quando.
Sócrates não tem capacidade de auto-ironia e isso diz quase tudo sobre ele. Em parte, talvez seja assim por saber que o trajecto que usou para chegar onde está se encontra pejado de opções criticáveis. A assinatura de projectos alheios, o carreirismo político, a licenciatura facilitada, as falhas culturais. Como a melhor defesa é o ataque (um lugar comum não necessariamente verdadeiro mas quase com força de lei neste país), blinda dúvidas e avança certezas. A certeza de que é perfeito («estou muito satisfeito comigo mesmo») e de que o passado não interessa. Aliás, nem o presente lhe interessa muito. O que lhe interessa verdadeiramente são as visões que tem do futuro. A cultura foi substituída por um deslumbramento com as novas tecnologias (Cavaco, também não exactamente conhecido pelo nível cultural, apostara nas infraestruturas). Sócrates é um Rastignac que fez tudo o que era preciso fazer para chegar ao topo mas evita pensar nisso. Está – pensará ele – onde devia estar. Na intimidade, com as defesas em baixo, é capaz de ser um tipo “porreiro”. Mas líderes assim são perigosos.
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