Sabes, Raylan, eu aprendi a pensar sem discutir comigo mesmo.
Boyd Crowder, vilão da série televisiva Justified.
A tensão originada por tiques, gestos extemporâneos ou bordões verbais perde com frequência uma letra se a pessoa incapaz de os evitar for atraente.
Nos tempos actuais - e ainda que a ciência o tenha validado -, a química é um conceito pouco exacto para descrever o mecanismo de atracção entre duas pessoas. As reacções químicas tendem a alterar significativamente os elementos que as sofrem. Mais correcto e moderno será ver as relações como redes Wi-Fi, nas quais se saltita entre hotspots consoante a força do sinal.
Na crítica a The Fury, o filme de 1978 realizado por Brian De Palma, Roger Ebert escreveu: Cassavetes faz sempre um adequado vilão detestável (representa os maus como se eles estivessem permanentemente distraídos por pensamentos de coisas ainda piores que poderiam estar a fazer).
Fiquei a pensar que se trata de uma atitude bastante similar à de inúmeros políticos e gestores, ao anunciarem medidas desagradáveis. Não existindo pesar genuíno, que exista convicção. Enfado é das coisas mais detestáveis com que se pode deparar. Se bem que, ainda assim, talvez não seja tão detestável como o seu reverso, a piedade insincera.
O chefe típico insiste em corrigir o acessório ainda que o essencial também esteja errado.
Sem cunhas, mais vale ser competente.
Comecei cedo a ser assaltado por pensamentos que o bom senso recomendava manter privados. Mas eram pensamentos tão ruidosos que os esforços para impedir que fossem ouvidos pelas outras pessoas me levavam a trejeitos, pausas, vocalizações estranhas e enrubescimentos variados. Durante anos pensei que a idade me traria a experiência necessária para suportar melhor o barulho no interior da cabeça e evitar reagir-lhe de forma visível. Não está a acontecer. Pelo contrário: à medida que o meu cérebro vai ficando mais lento (num processo tão manifesto que já nem foi capaz de corrigir a aliteração existente no início deste post), os meus pensamentos mostram-se cada vez mais ruidosos (certamente efeitos do amontoar de ferrugem, das folgas, de deficiências de lubrificação) e quedo-me tão incapaz como sempre de os esconder. A evolução positiva vem-se registando afinal noutra área: estou-me cada vez mais nas tintas.
A quantidade de gente que acredita que as outras pessoas são apenas aquilo que lhes pareceu serem nos primeiros minutos de contacto é assombrosa e assustadora.
A mente analítica, direccionada, formalista (por vezes roçando o autismo) dos homens permite-lhes manter, quando se dedicam a escrever sobre emoções, um controlo e uma clareza que, com frequência, faltam às mulheres. Não por acaso, mesmo nas últimas décadas, de maior equilíbrio entre os sexos, há mais grandes escritores do sexo masculino do que do feminino. Sendo homem, gostaria de acrescentar que estou consciente de que a primeira frase é uma generalização (na realidade, três, ou, atendendo ao «com frequência», talvez duas e meia) e de que as generalizações são sempre injustas para alguém (por exemplo, para a Agustina Bessa-Luís, que fez 87 anos no passado dia 15 sem que eu o tivesse assinalado).
Nos transportes públicos a tristeza das pessoas torna-se óbvia. Nos veículos ligeiros é com frequência a agressividade que assoma. Percebe-se por que tanta gente, nas cidades europeias onde isso é fácil, usa a bicicleta.
Nos comentários ao post sobre Joyce Carol Oates, Cristina Mendes Ribeiro perguntou-me se sou sempre «assim expressivo» nas minhas paixões. Respondi-lhe que não via motivos para não o ser mas fiquei a pensar no assunto. A paixão nasce da descoberta. Da abertura de novos horizontes. E a vontade de descobrir é quase sempre despoletada por paixões alheias. Raramente – por muito agradável que seja quando acontece – descobrimos as coisas sozinhos. Ver paixão noutra pessoa (e «ver» pode ser «ler» num jornal, numa revista ou num blogue) aproxima-nos da pessoa em questão (desde que ela não exagere, altura em que se torna apenas chata) e do assunto pelo qual está apaixonada. Podemos nunca conseguir entender verdadeiramente o motivo da paixão (apesar de quase tudo ser interessante quando analisado do ponto de vista adequado: a Odisseia e a Ilíada, a teoria da relatividade geral, as novelas radiofónicas de meados do século passado, a filatelia, a conjugação de pigmentos nos quadros de Vermeer, a classificação taxonómica dos coleópteros). Mas o simples facto da paixão existir suscita curiosidade e empatia.
Mas talvez não devesse ser tão genérico. Nem todos têm esta disponibilidade. Para alguns (muitos; muito mais do que pensamos), manifestações de paixão em torno de assuntos que não dominam são ameaças. São ataques que abrem brechas nas muralhas que circundam os seus pequenos e tacanhos (mas estáveis?) mundos. Por outras palavras: há os que desejam saber sempre mais (Pacheco Pereira disse em tempos que o que ele gostaria mesmo era de saber tudo), para quem manifestações de paixão são oportunidades, e os que não querem ser recordados de que sabem muito pouco.
Há pessoas que são tristes mesmo quando estão alegres. Há pessoas que parecem alegres mesmo quando estão tristes. (É-se triste mas, verdadeiramente, apenas se está alegre.) No Pedro Mexia vê-se sempre melancolia. Na Manuela Azevedo ouve-se sempre optimismo. Como a maioria, vogo na inconstância. E, muitas vezes, não consigo sequer perceber se pareço triste ou alegre.
(Gostaria que os Clã fizessem uma canção a partir de um poema do Pedro Mexia.)
As fotos aéreas estão na moda. Não é difícil perceber porquê. Vistas de cima, as coisas tendem a parecer mais bonitas. Será por isso que Deus não repara na confusão que vai cá por baixo?
(Foto de Yann Arthus-Bertrand, retirada daqui.)
Viciamos os nossos corpos em pequenas doses de prazer: o café, o tabaco, as bebidas alcoólicas, a comida, o sexo, mas também a conversa, as viagens, o cinema, a leitura, a música. Somos já abundantemente avisados acerca dos riscos para a saúde de algumas das primeiras. Progressivamente, obrigam-nos até a abdicar delas. Em breve, dir-nos-ão que é mais saudável mantermo-nos em silêncio e na ignorância.
(Se calhar, é.)
Sou míope. Sem óculos, apenas vejo com nitidez alguns centímetros de mundo. Em Portugal, as empresas, os governantes e as organizações de classe são como eu. Mas eu ponho os óculos quando quero ver o que se aproxima.
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