Será que não podemos, disse Mardon, deixar de ser pai e filho? Será que não podemos ser simplesmente pessoas, assim escusamos de pensar que deveríamos ter sido infalíveis.
Kjell Askildsen, Um Repentino Pensamento Libertador (Conto A Noite de Mardon)
Edição Ahab, tradução de Mário Semião
Durante anos, um filho vê no pai um génio. Durante anos, um pai vê no filho a perfeição. Lentamente, um e outro vão-se adaptando à realidade: o filho apercebe-se das falhas (temores, limitações, inconsistências, autoritarismos) do pai; o pai vê como o filho lhe foge ao controlo e de exemplar único se vai tornando igual a todos os outros (jovens, depois adultos). Mas o pior nem é perceber as mudanças do outro; é acreditar que ele mudou por não se ter estado à altura das suas expectativas. Seja a conclusão certa ou errada, os pais atingem-na depressa (conhecem bem as suas limitações, e tendem mesmo a amplificá-las), os filhos demoram mais tempo (adolescência e início da idade adulta são épocas de afirmação, não de dúvida ou auto-análise). O contrato implícito entre um pai e um filho coloca-os perante um nível de exigência incomportável: a tal «infalibilidade» de que fala a personagem de Askildsen. Mais cedo ou mais tarde, ambos sentem que falharam. O sentimento de culpa dá então origem a uma acusação silenciosa que se encontra permanentemente no ar: tenho culpa por aquilo em que te tornaste, ou por aquilo que não conseguiste ser. A verdade é que as dificuldades que temos com os outros estão quase sempre relacionadas com incapacidades nossas que eles deixam a nu. E ninguém consegue expor tantas incapacidades de um pai como o filho. E vice-versa.
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