Entre os que vêm alertando para os perigos de se insistir que não existem alternativas à actual política destaca-se Pacheco Pereira (alguém que gosto de ler e ouvir há muito tempo). A sua coluna de opinião no penúltimo número da Sábado, por exemplo, era inteiramente dedicada ao tema (disponível no Abrupto em prestações suaves mas não muito práticas: 1, 2, 3, 4, 5). Pacheco Pereira estaria certo se o que se dissesse fosse mesmo isso: que não existem alternativas. Mas pouca gente afirma tal coisa. O que se afirma – que eu afirmo – é que quem critica as políticas actuais deveria explicitar as alternativas que propõe. E isto apenas Bloco de Esquerda e Partido Comunista fazem, ao defender que se rasgue o memorando de entendimento. Eu próprio consigo pensar em várias alternativas, das dolorosas e quase certamente inconstitucionais (mas que alterariam o modo de funcionamento do Estado e seriam por isso menos efémeras do que a correcção através de impostos) a algumas sem custos para os portugueses: por exemplo, uma redução das taxas de juro associadas ao empréstimo da Troika (apesar de tudo, não tão elevadas como muita gente pretende, residindo essencialmente o problema nos montantes sobre os quais elas incidem: isto é, precisamos de demasiado dinheiro emprestado). O busílis da questão é que as menos dolorosas não dependem apenas de nós. E isto leva muita gente a dizer que é preciso negociar abertamente com a Troika melhores condições de juros, prazos, montantes, e a criticar o governo por não mostrar estar a fazê-lo. Pacheco Pereira faz parte deste clube. Acha que é preciso negociar. Mais: acha que é preciso mostrar que se está a negociar. E, porque o governo português não dá indícios de negociar, acusa: «o Governo português aí trai Portugal. A palavra é mesmo essa: trai.» Não é. Para existir traição tem de existir consciência de se estar a cometê-la. Este constitui, aliás, o único elemento que pode ser usado para desculpabilizar a teimosia no investimento público por parte de José Sócrates e respectiva trupe (considerações ético-legais à parte): não há traição quando se acredita estar a seguir a melhor via disponível. De resto, se errar fosse traição, quase todos os ex-governantes deste país seriam traidores. Não são. São (foram) apenas incompetentes. Como talvez Passos Coelho e Vítor Gaspar o sejam – mas traidores, não. Ou então, considerando que todas as soluções disponíveis implicam dor (como o próprio Pacheco Pereira reconhece) e que ninguém pode garantir taxativamente qual a menos dolorosa (ver post anterior acerca dos cenários de negociação dura com a Troika), há tantas traições quanto alternativas.
Na verdade, poucos sabem o que se passa nos bastidores. Em Setembro, o governo obteve mais um ano para efectuar o ajustamento. No último Conselho Europeu, Passos Coelho defendeu para Portugal o mesmo regime de financiamento bancário que vier a ser aplicado a Espanha. Para um governo tão radical, são indícios de que há disponibilidade para aproveitar as oportunidades. É pouco? Para a maioria da opinião pública e, mais ainda, da publicada, parece que sim. Mas nem Passos nem qualquer outro membro do governo pode (deve) entrar em desafios pueris. Este governo (e o mesmo se passaria num liderado pelo Partido Socialista) não tem margem para se dedicar a bluffs destinados à satisfação da auto-estima de meia dúzia de portugueses – ou mesmo da totalidade dos portugueses. O que socialistas e muitos comentadores ligados ao PSD e ao CDS (incluindo, aparentemente, Pacheco Pereira) defendem não passa da tentativa de aplicar um bluff conhecido ab initio por ambas as partes – o que, obviamente, o condenaria ao fracasso: vejam-se os braços de ferro (permitam-me o eufemismo) esboçados pela Grécia.
Que existem alternativas, existem. A nível externo e a nível interno. Resta saber – e era isto que convinha discutir – se, em termos de efeitos imediatos e riscos para o futuro, são melhores do que as opções actuais. Para mim, algumas são; desconfio – e não consigo evitar repetir-me – é que nem todas são constitucionalmente exequíveis. O que me leva a concordar com Pacheco Pereira num ponto importante: devia ter-se começado por uma Revisão Constitucional. Em abono da verdade, refira-se que Passos Coelho a propôs ao chegar à liderança do PSD, numa época em que o PS ainda governava, tendo as críticas chovido de todos os lados, incluindo do interior do próprio PSD (mas não de Pacheco Pereira). Que desde então ele tente evitar o assunto surpreende pouco. De qualquer modo, sendo impossível regressar ao passado (dar-nos-ia muito jeito, apesar de provavelmente nem assim aceitarmos fazer tudo o que seria necessário para evitar a situação em que nos encontramos), temos que analisar as opções que ainda são possíveis. Incluindo – por que não? – a da Revisão Constitucional. Infelizmente, Pacheco Pereira, como tantos outros (com António José Seguro à cabeça), evita avançar com ideias concretas. O que até se compreende, visto esse ser um jogo de elevado risco: no limite, se aplicadas com maus resultados, ainda alguém poderia vir falar em traição.
Mas talvez o que mais me tenha incomodado no artigo de Pacheco Pereira seja a pequena batota em que ele o baseou. Atente-se na primeira frase: «O principal argumento governamental usado e abusado pelos seus defensores e parodiado pelos seus propagandistas» (quando é que receberei o cartão de sócio?), «e um must da pauperização do debate parlamentar, é a pergunta 'então quais são as alternativas?'»; só que, logo a seguir, Pacheco Pereira esquece a sua própria afirmação e dedica-se a rebater o tal outro ponto que, parecendo quase igual, é afinal bastante diferente: que «defensores» e «propagandistas» do governo afirmam não haver alternativas. Para além de ligeiramente desonesto, acaba por se revelar muito menos produtivo.
Luís Filipe Menezes deu esta entrevista ao i, onde compara Pacheco Pereira à loira de La Dolce Vita, de Fellini, na famosa cena da Fontana di Trevi. A comparação prova quão obcecado por JPP é Menezes: já vi a cena uma data de vezes e não há maneira de conseguir olhar para Anita Ekberg e pensar em Pacheco Pereira.
P. S.: Pacheco Pereira reagiu mal ao título de primeira página do i. Tsk, tsk...