como sobreviver submerso.
O cão corre até mim. Fico quieto enquanto me cheira os tornozelos. É grande, com traços de Serra da Estrela. Quando ergue a cabeça arrisco uma festa. O pastor grita que ele não morde. Está parado a cerca de vinte metros. Atrás dele, o rebanho espalha-se pelo campo que termina junto à vedação do aeródromo de Seia. Ainda mais atrás, a encosta da Serra.
Acaricio a cabeça do cão durante uns segundos até sentir um par de saliências que desconfio serem carraças, e depois dirijo-me ao pastor. O cão não me segue. Digo boa tarde, ele replica levantando a mão direita quase à altura do boina, a palma virada para mim, num gesto que é uma saudação mas podia também ser um pedido para não me aproximar mais. É novo ou pelo menos não é velho. Veste um blusão almofadado apesar do sol (é verdade que não está muito calor), calça galochas. Apoia-se num cajado pouco mais baixo que ele. Pergunto-lhe se posso tirar fotografias às ovelhas. Sorri enquanto responde, mostrando uma boca onde faltam vários dentes.
«Esteja à vontade.»
Aproximo-me do rebanho. As ovelhas mais próximas não gostam da minha presença e afastam-se. Paro. Hesito. Estou mais longe do que gostaria mas não quero assustá-las. Sei (os meus avós maternos tinham um rebanho de duas dezenas de ovelhas e meia dúzia de cabras) que é importante poderem aproveitar cada momento que passam nas pastagens. E depois não quero desagradar ao pastor que, mesmo não parecendo preocupado, não acharia certamente graça que um desconhecido começasse a assustar-lhe o rebanho. Tiro meia dúzia de fotos, acocorando-me para realçar as ovelhas e apanhar a encosta da serra por trás. Mas sei que estou demasiado longe para obter o resultado que pretendo.
Volto para junto do pastor. Ele diz-me que o rebanho é de um familiar. Que já foi muito maior mas que agora não compensa ter ovelhas. O preço da lã anda muito baixo e não há apoios. Diz-me quanto vale hoje uma daquelas ovelhas e quanto valia «antes». Não fixo os valores. Diz-me depois que ser pastor é uma vida dura. Solitária, sem pausas para descanso porque as ovelhas precisam de comer todos os dias. A partir de certa altura apetece-me ir embora. Desagrada-me senti-lo mas não consigo evitá-lo. Ouço-o por uma questão de educação, já um pouco arrependido de ali ter ido. Mas as queixas dele são mais melancólicas que agressivas e eu não consigo ser brusco para quem se lamenta. (Devia sê-lo, às vezes.) Para mais, ele passa horas sozinho com as ovelhas e com o cão (ainda deitado no local onde me recebeu) todos os dias. Como negar-lhe dez minutos de conversa?
Finalmente aproveito uma pausa e despeço-me. Afasto-me. Passo pelo cão, que ergue a cabeça mas permanece deitado. Dou mais uns passos e olho para trás. Baixo-me e tiro uma última foto.