como sobreviver submerso.
Sábado, 20 de Fevereiro de 2010
Os gestores e crise: 16
«A responsabilidade social também se aplica aos funcionários», disse o director de recursos humanos.
O administrador pareceu surpreendido. «Ah, sim? De que modo?»
«É suposto as empresas ajudarem-nos a melhorar os conhecimentos e a forma como se inserem na sociedade.»
«A sério? Ridículo. Já lhes damos emprego. Nos dias que correm podem considerar-se com sorte.»
Domingo, 13 de Dezembro de 2009
Os gestores e a crise: 15
«Este Natal vamos dar coisas a pessoas necessitadas», disse o administrador. «E no futuro podemos alargar a medida a outras épocas do ano.»
O director de marketing disse: «Excelente. Acções dessas dão uma óptima imagem. As pessoas gostam das empresas que se preocupam com os mais desfavorecidos. Vamos potenciar o efeito ao máximo. Que orçamento temos para comprar os bens?»
O administrador franziu o sobrolho. «Orçamento? Nenhum. Vamos dizer aos nossos funcionários para trazerem coisas de casa.»
«Ah, brilhante. Brilhante.»
Segunda-feira, 7 de Dezembro de 2009
Os gestores e a crise: 14
«A nova moda é a responsabilidade social das empresas», disse o administrador. «O que é que fazemos nesse campo?»
O director de recursos humanos hesitou. «Como costuma jogar lá, patrocinámos o torneio de golf da Quinta dos Buracos Verdes.»
«Óptimo. Isso tem relevância social, não tem? Arranje mais umas quantas coisas do género e encomende um relatório bonito.»
Sábado, 12 de Setembro de 2009
Os Gestores e a Crise: 13
A reunião estava a terminar. O administrador apresentara em detalhe o plano de reestruturação proposto pela empresa de consultoria. Calou-se finalmente e perguntou se alguém desejava fazer comentários. Por momentos, pareceu que ninguém iria falar. Então, o director que falara antes disse: «Se vamos descentralizar algumas operações e a maioria dos processos de decisão, depois de termos feito o oposto há três anos, não seria mais lógico aguentarmos dois ou três anos e evitarmos os custos da centralização que teremos de fazer nessa altura?»
Os restantes directores olharam para os blocos de notas que tinham à frente como se, de súbito, lá tivesse surgido escrito algo inesperado. Mais uma vez a irritação foi visível no rosto do administrador. Quando parecia prestes a responder, o director que colocara a pergunta sorriu e disse: «Estou só a brincar.»
Os outros directores entreolharam-se e depois focaram a atenção no administrador, que, após um instante de hesitação, soltou uma gargalhada: «Ah-ah. Boa piada.»
Todos os directores riram abertamente.
Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009
Os Gestores e a Crise: 12
«Os consultores recomendam a descentralização de operações», disse o administrador.
Os directores sentados em torno da mesa entreolharam-se. Um disse: «Isso é o contrário do que eles recomendaram há três anos, na última reestruturação. Que já tinha sido o contrário do que recomendaram há sete, na penúltima reestruturação. Que tinha sido o contrário do que recomendaram há doze, na reestruturação anterior.»
O administrador fuzilou-o com o olhar. Disse, em tom peremptório: «Há diferenças.» Calou-se. Caiu um silêncio que ameaçou prolongar-se. O administrador acrescentou: «Estamos ou não a reagir cada vez mais depressa?»
Segunda-feira, 10 de Agosto de 2009
Os Gestores e a Crise: 11
«Os consultores precisam de mais dados», disse o administrador.
«Enviámos tudo o que tínhamos», disse o director comercial.
«É insuficiente. Como eu pensava, o nosso sistema de informação tem falhas graves. Ponha gente a tratar do assunto.»
«Não temos pessoal disponível.»
«Tire-os de outras coisas.»
«Por que não são os consultores a recolher os dados? Assim já não havia dúvidas quanto ao que realmente pretendem. E afinal para alguma coisa estão a ser tão bem pagos…»
O administrador estava excepcionalmente bem disposto e limitou-se a suspirar. «Não seja assim. Não os contratámos para que fizessem o nosso trabalho. Há coisas que devemos ser nós a fazer. Porque a empresa é nossa, meu caro. Nunca esqueça isso. Nós é que somos importantes. Eles apenas nos devem dizer o que devemos fazer depois de nós lhes dizermos o que estamos a fazer. Nada mais.»
Quarta-feira, 15 de Julho de 2009
Os Gestores e a Crise: 10
«Os consultores precisam de dados», disse o director comercial.
«Todos os nossos dados já foram disponibilizados», disse o adjunto.
«Foi o que eu disse ao administrador.»
«E ele?»
«Disse-me para não arranjar desculpas e para disponibilizar mais.»
«Ah. Se calhar o que eles não têm é os dados certos para chegarem às conclusões a que querem chegar...»
O director sorriu. «Os dados são quase irrelevantes. Eles chegam lá na mesma.»
«Sim, isso é verdade. O que se pretende que se faça?»
«Envie tudo outra vez numa ordem diferente e tão confusa quanto possível.»
Sexta-feira, 26 de Junho de 2009
Os Gestores e a Crise: 9
O administrador disse: «As coisas estão a piorar. É preciso reavaliar a situação e reduzir custos. Cortar gastos supérfluos e gastar dinheiro apenas no que é absolutamente essencial. Não há alternativa. Reduzir, reduzir, reduzir, meus senhores.»
Os directores sentados em torno da mesa evitaram olhar-se nos olhos. Alguns rabiscaram a folha do bloco que tinham à frente mas pararam logo a seguir, receosos de que isso pudesse ser interpretado como falta de motivação. Um arriscou um aceno de concordância que animou o administrador e irritou os colegas.
O administrador continuou: «Para nos ajudar a cortar nos custos vamos contratar um consultor externo.»
Todos os directores olharam fixamente para os blocos de papel.
Quarta-feira, 17 de Junho de 2009
Os Gestores e a Crise: 8
«Informação completa é essencial nestes tempos de crise», disse o administrador. «Quero relatórios diários.»
O director comercial hesitou uma fracção de segundo e depois disse: «Com certeza.» Seguiu para o gabinete. Chamou o adjunto. Disse-lhe: «Quero relatórios duas vezes por dia.»
Após um instante de silêncio, parecendo pesar as palavras, o adjunto disse: «Isso vai custar tempo. O pessoal já anda apertado. Se calhar era preferível usarem o tempo que vão gastar a recolher e a enviar os dados duas vezes por dia a vender produtos.»
«Informação completa é essencial nestes tempos de crise. Quero relatórios duas vezes por dia.»
Quarta-feira, 27 de Maio de 2009
Os Gestores e a Crise: 7
O administrador encarou o director comercial. «Os resultados estão a baixar.»
«A concorrência é maior, cortámos pessoal nas vendas e no desenvolvimento, a crise retrai o consumo.»
«Isso não pode servir de desculpa.»
«Os nossos preços estão fora do mercado.»
«Esta é uma empresa que não pode vender com base apenas no preço. Tem uma imagem forte que as pessoas têm que pagar»
«Não podemos obrigar as pessoas a comprar.»
«Hmmm, talvez. Mas podemos – aliás, é a sua missão – obrigar o nosso pessoal a vender.»
Segunda-feira, 11 de Maio de 2009
Os Gestores e a Crise: 6
O administrador estava sozinho no gabinete examinando folhas com gráficos que mostravam a evolução dos resultados da empresa. As coisas não andavam bem. Passado algum tempo levantou-se e foi até à casa de banho privativa. Olhou-se no espelho. Compôs o nó da gravata. Murmurou: «Esta empresa iria ao fundo sem mim.»
Quinta-feira, 30 de Abril de 2009
Os Gestores e a Crise: 5
O director de recursos humanos pensou no administrador por um instante e depois concentrou-se no homem sentado do lado oposto da secretária. Como o director, estava na casa dos cinquenta. «Diga-me», pediu o director de recursos humanos, «o que é que o torna indispensável?»
O homem foi apanhado de surpresa. Hesitou. Pensou na questão, parecendo não saber o que responder. Parecendo sentir que qualquer resposta seria errada e que, quanto mais demorasse, mais errada seria. Finalmente disse: «Não sei.»
«Devia saber», disse o director de recursos humanos. «Todos temos que saber.»
E despediu-o.
Quinta-feira, 23 de Abril de 2009
Os Gestores e a Crise: 4
«Temos pessoal a mais», disse o administrador.
«Já reduzimos muito», disse o director de recursos humanos. «E os directores andam a queixar-se de que o trabalho se acumula e que nunca é possível cumprir prazos e objectivos.»
«Então temos que melhorar a produtividade. Despeça alguém.»
Quarta-feira, 15 de Abril de 2009
Os Gestores e a Crise: 3
O director de recursos humanos disse: «A chefe da Divisão D pediu a demissão.»
O administrador disse: «E então?»
«Temos o novo projecto a começar. Pode ser complicado.»
«Temos que tirar partido a fundo dele - dela - enquanto ainda cá estiver. Vamos aguentá-la tanto tempo quanto a lei nos permitir fazê-lo.»
«A motivação não vai ser a mesma.»
«Ora! Se a motivação fosse realmente importante, esta empresa já teria ido à falência.»
Sábado, 11 de Abril de 2009
Os Gestores e a Crise: 2
«O chefe da secção D tem uma oferta de emprego», disse o director de recursos humanos.
O administrador não levantou os olhos do papel que estava a ler. «Deixe-o ir.»
«Na realidade, é uma mulher.»
A informação despertou a atenção do administrador. «A sério? Deixe-a ir.»
«Precisamos dela.»
«Arranjamos outra pessoa. Um homem. As mulheres faltam demasiado.»
«Vai-nos ficar mais caro.»
«Não interessa. É uma questão de princípio.»
«Mas ela é boa. E já tem experiência. Além disso, o pessoal gosta dela.» O director de recursos humanos hesitou. Depois acrescentou: «Nós prometemos-lhe um bom aumento no ano passado e não cumprimos o acordo.»
«Os tempos estão difíceis para toda a gente.»
«Mas acabou de dizer que não importa termos que pagar mais ao substituto dela...»
O estado de espírito do administrador mudou de aborrecimento para exasperação. «Já chega. Pessoas ingratas não têm lugar nesta empresa. Deixe-a ir.»
O director de recursos humanos não disse mais nada.
Quinta-feira, 9 de Abril de 2009
Os Gestores e a Crise: 1
«Estes números não podem estar certos», disse o administrador.
«Verificámo-los várias vezes», disse o director financeiro.
«Não. Têm que estar errados.»
«Vamos refazê-los.»