A resposta timorata de Barack Obama ao atentado terrorista de Orlando, evitando relacioná-lo com o Islamismo radical e parecendo atribui-lo exclusivamente à perturbação de uma única pessoa, parece demonstrar que ele ainda não entendeu ser componente essencial do modus operandi do Daesh no Ocidente (e em particular nos Estados Unidos, geograficamente distante dos países onde tem presença militar) o uso de indivíduos perturbados a cujas vidas confere sentido. Ainda que tal não seja verdade e os cuidados de linguagem procurem apenas - por razões tácticas e/ou de convicção - evitar a ideia de que existe uma guerra de civilizações, há momentos em que, não apenas por respeito às vítimas e aos seus familiares, mas também por necessidade de garantir aos cidadãos que se está consciente do grau e das características da ameaça, a ambiguidade é um erro. Estranhamente, Hollande percebeu-o. Obama, não. Donald Trump já está a capitalizar.
Via Obama subir as escadas do Air Force One ainda de noite e depois descê-las, já de dia, e pensava que há pelo menos uma coisa de que gosto nos presidentes americanos: por muito encenados que sejam os seus gestos e muitas camadas de protecção os separem do cidadão comum, mantêm sempre uma aparência de falta de presunção, de acessibilidade, que os políticos portugueses (e não apenas os políticos mas todas as pessoas com algum poder, real ou imaginado) bem podiam copiar.
Tudo indica que Barack Obama é um homem sensato e bem intencionado. Ambos os factores são positivos mas não decisivos para que venha a ser um grande presidente americano. É ainda cedo para avaliar a presidência de Obama. E é também demasiado cedo para que ele receba o Nobel da Paz . O comité diz que a presidência de Obama permitiu avançar na direcção de um mundo sem armas nucleares e dar um novo impulso às questões ambientais. O primeiro ponto é um exagero (o tratado com a Rússia é positivo mas está longe de permitir pensar num mundo sem armas nucleares e, para mais, é puramente instrumental*) enquanto o segundo está por consolidar. Elogia ainda a forma como ele conseguiu alterar o clima político internacional. É um facto que o «clima» se alterou mas isso deveu-se mais à saída de Bush do que à entrada de Obama. E, por si só, o «clima» é pouco importante: todas as situações verdadeiramente problemáticas subsistem, com Afeganistão, Irão e Coreia do Norte no topo da lista. O comité Nobel pretenderá talvez dar um sinal aos líderes desses países, dizer-lhes: «Negoceiem porque estão sozinhos; este homem tem o apoio do Mundo.» É uma estratégia arriscada. Imagine-se que Obama dá ordens para intensificar os combates no Afeganistão, aceita incursões de forças americanas no Paquistão, fecha os olhos a ataques israelitas a reactores nucleares iranianos. (Já para não mencionar uma possível reacção a um novo atentado em solo americano.) Como reagirá o comité Nobel? Continuará a apoiá-lo ou dirá «Ooooops, parece que nos enganámos»? Ou esperará que, tendo recebido o Nobel, ele hesite em estilhaçar a imagem de grande conciliador e nunca assuma posições polémicas? Seria preciso muita sorte para um presidente americano, numa época tão complexa como a actual, passar um mandato inteiro sem enfrentar decisões difíceis e impopulares. E seria péssimo que as evitasse por questões de imagem. Há ainda a questão não resolvida de Guantánamo e sinais preocupantes como a recusa em receber o Dalai Lama.
Obama até poderá vir a merecer o prémio Nobel. Aliás, esperemos que sim. Mas, por enquanto, é cedo.
*Na medida em que permite a ambos os países poupar dinheiro e a Obama surgir perante o Irão e outros países com ambições nucleares como o grande «pacifista».
Nobel da Paz atribuído a Barack Obama. Uau. Duplo uau. Se ontem os louros de Estocolmo tinham passado a ideia de que os nórdicos detestam os americanos, hoje os louros de Oslo provam que há um americano que eles adoram. Exactamente o que é que ele fez para merecer o prémio? Who cares?
Definitivamente, yes he can. E se não puder, quem é que alguma vez poderá?
O discurso de Obama na universidade do Cairo é, como de costume, excelente. Mas é também um portento de compromissos. Vamos por partes.
Quase toda a gente estava farta de George W. Bush e de quem o rodeava. Eu incluo-me nesse vasto grupo. Obama surgiu como a alternativa simpática, culta, carismática, conciliadora. Elevou - propositada ou inadvertidamente - a fasquia para um nível impossível de saltar. No discurso de tomada de posse deixou claro que era necessário baixá-la. Apesar disso, ainda é visto como o potencial salvador do mundo (mais na Europa que nos Estados Unidos).
Tendo definido uma estratégia de charme (ou, se quiserem, de cenoura e pau, com muito mais cenoura que pau), tem tentado fazer a quadratura do círculo: convencer todos da sua boa vontade (que existe), da sua disposição para dialogar (que é real), da sua abertura para aceitar soluções que não as defendidas tradicionalmente pelos EUA - que não pode ser genuína porque há certos princípios que Obama (e outros, como os líderes dos países da UE) não pode deixar de defender. Um exemplo: no Cairo, ele mencionou os problemas no acesso das mulheres à educação em países islâmicos nos seguintes termos: "não acredito que uma mulher que use véu não seja igual, mas acredito que uma mulher a quem é negada educação não é igual". É uma formulação inteligente mas é também quase acrítica e totalmente inconsequente. Por enquanto, neste como em muitos outros assuntos, ele pode ainda dar tempo ao tempo. Mas, mais tarde ou mais cedo, se não se verificarem - como é provável que não se venham a verificar - evoluções positivas nas questões mais importantes (p. ex., Palestina, Irão e Paquistão) terá que tomar posições mais claras. De acordo com a The Economist, o primeiro-ministro israelita, aquando da visita a Washington, tentou arrancar-lhe um prazo para uma decisão acerca da estratégia a adoptar na questão iraniana. Obama terá sido evasivo, acabando por declarar que no final do ano já deverá ter uma ideia acerca do que é possível conseguir junto do regime iraniano. Talvez na mesma altura já saiba como abordar a questão da Palestina. Ou as ameaças (que, na realidade, parecem mais ridículas que perigosas) da Coreia do Norte. Ou a situação no Paquistão. Ou as questões dos direitos humanos em vários pontos do globo (cuidadosamente contornadas no discurso do Cairo). Ou como lidar com a Rússia. A estratégia de cordialidade, com oferta de amizade a todos os antigos inimigos, necessita de muito tempo e funcionaria melhor se os países visados tivessem uma opinião pública que fosse verdadeiramente importante (e, como quase todos aprendemos na escola, raramente se transforma o rufia da turma num gajo porreiro cortejando-o no recreio). Pergunto-me se estaremos tão satisfeitos daqui a um ano ou ano e meio se nada evoluir ou, pior, se as coisas se agravarem no Paquistão, ocorrer um novo atentado grave na Europa ou nos Estados Unidos, ou Israel atacar reactores no Irão. E se ele (terá coragem?) mudar de estratégia, quais serão as reacções? Todos sabemos quão rapidamente o amor se tranforma em ódio...
Para já, merece o benefício da dúvida. E é um excepcional orador, o que, para quem gosta tanto de palavras como eu, é uma qualidade assinalável, em especial quando em Portugal estamos sujeitos a Sócrates (por mais que ele tente colar-se ao estilo Obama) e a Ferreira Leite.
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