O primeiro Nobel da literatura que é bom para cantarolar.
Será muito provavelmente de fora da Europa. Três anos seguidos para um europeu é impensável. Azar para Milan Kundera (que, ainda por cima, nasceu num país de Leste, tal como Alexievich, e não apresenta o enquadramento político adequado) e para uma das escolhas do Pedro Correia no Delito de Opinião: John Le Carré.
Os orientais também têm boas hipóteses. Após escolhas relativamente obscuras, este poderá ser o ano de Murakami, a opção popular.
A Oceania terá uma chance. Peter Carey, talvez. David Malouf. Tim Winton deverá ser demasiado «normal».
Tendo nascido na Índia, Salman Rushdie poderá igualmente ser uma hipótese. Nah, estou a brincar. Intelectuais suecos não são cartoonistas dinamarqueses.
Poderá ser Amos Oz. A menos que a Academia Sueca receie premiar um israelita, mesmo tendo ele uma obra que está longe de glorificar as políticas de Israel. Talvez possa premiá-lo salientando isso mesmo.
Rubem Fonseca? Não nasceu no continente ideal mas pelo menos não é europeu. Contudo, o estilo prejudica-o. Os suecos podem ver nos seus livros apenas violência e cinismo. Ou recear que outros o façam.
Poderá ser um transexual ou alguém com uma obra focada nas questões LGBT - ou, melhor, LGBTTQQFAGPBDSM, que não quero ser acusado de discriminação. Já vai sendo tempo, não é verdade?
Eis o grande problema do prémio Nobel da literatura: está cada vez mais político - e mais politicamente correcto. Não estou com isto a dizer que os laureados são maus escritores. De modo nenhum. Nunca se escreveu tanto, pelo que a escolha é vasta; a Academia não precisa de escolher maus escritores. Mas como levar a sério um prémio em que as conveniências parecem sobrepor-se a um juízo sincero?
E, todavia, cá andamos a ler e a escrever sobre ele; a discutir hipóteses; a arriscar vaticínios. Pior ainda, depois do anúncio fica-nos sempre a curiosidade de ler pelo menos uma obra do(a) laureado(a). Mas está certo: como poderíamos ter a certeza de que Kundera merece o prémio se não lêssemos também Modiano?
ENTREVISTADOR
É dito com frequência que os seus livros recentes parecem mais romances do século dezanove do que do século vinte e um.
FRANZEN
As pessoas da Academia Sueca, que atribuem o Prémio Nobel, confessaram recentemente o seu total desinteresse na produção literária americana. Dizem que somos demasiado insulares, que não escrevemos sobre o mundo, escrevemos apenas sobre nós próprios. Considerando quão americanizado o mundo se tornou, eu penso que provavelmente eles estão errados – provavelmente nós dizemos mais acerca do mundo escrevendo acerca de nós próprios do que um autor sueco escrevendo acerca de uma viagem a África. Mas ainda que estejam certos, não penso que a nossa insularidade seja necessariamente uma coisa negativa.
A Rússia do século dezanove surge-me como uma boa analogia. A Rússia é o seu próprio pequeno mundo, famoso pela sua capacidade para repelir invasões por parte de potências estrangeiras, e tem mantido um estatuto de superpotência independente ao longo de séculos. Talvez essa insularidade, essa sensação de viver num mundo completo mas não exactamente universal, crie certos tipos de possibilidades literárias. Todos os velhos autores russos estavam dramaticamente envolvidos na questão do que aconteceria ao seu país e a questão não parecia inconsequente porque a Rússia era uma nação vasta. Enquanto que, quando um habitante do Liechenstein se debate com o futuro do Liechenstein, quem é que verdadeiramente se interessa? É possível que os Estados Unidos e a Rússia sejam exactamente do tamanho adequado para gerarem um certo tipo de projecto romanesco expansivo. A Inglaterra também o foi, durante um tempo, graças ao seus império, e a época de ouro do romance inglês coincidiu com o seu domínio imperial. Mais uma vez, não era o mundo todo, era apenas um microcosmos bastante grande. O verdadeiro cosmopolitismo é incompatível com o romance porque os romancistas precisam de particularidade. Mas nós também precisamos de espaço para nos movermos. E temos a sorte de ter ambos aqui. Dito isto, eu não me sinto particularmente como um autor do século dezanove. Todos as questões que o modernismo tornou problemáticas continuam a ter de ser negociadas em cada livro.
Basta ver a lista de laureados nos últimos, vá, quinze anos, para perceber o que o Comité Nobel entende por escrever acerca do mundo. Se em algumas escolhas podem detectar-se motivações políticas extra-literárias (Fo, Saramago ou Pinter, por exemplo), se parece existir uma preocupação em abranger todos os continentes, etnias e sexos (e em ir corrigindo desequilíbrios que até podem ser literariamente justificáveis mas são mal vistos na época de sensibilidades exacerbadas em que vivemos), se é notória a selecção de autores com obras transmitindo mensagens «adequadas», percebe-se também uma linha geral de busca do exótico, do «diferente», do – exagerando apenas um pouco – étnico. De tal forma que quase todos os laureados provenientes de países «ocidentais» tiveram de fazer pelo menos uma de três coisas para ganhar o prémio (vários fizeram duas ou mesmo as três): apresentar uma forte mensagem politicamente correcta (Grass, Kértesz, Pinter, Jelinek, Lessing, Müller), que em vários casos encaixava perfeitamente no momento histórico que se vivia (notório no caso de Pinter como, apesar de não ser exactamente um escritor «ocidental», também no de Pamuk), sair da realidade «normal» para o mundo da alegoria ou de uma realidade hiperbólica (Saramago, Le Clézio, Jelinek), localizar também eles obras em geografias não-ocidentais (Le Clézio, Lessing). Os principais autores norte-americanos não se dispuseram a nada disto e o resultado, provando que a aversão da Academia Sueca é real, foi nenhum deles ter obtido o Nobel.
E o pior é que Franzen está certo. Passando sobre a discutível afirmação acerca da representatividade e interesse de uma obra sobre os problemas do Liechenstein (faltar-lhe-ia escala, sim, mas não é por faltar escala à República Dominicana que A Festa do Chibo, de Vargas Llosa, deixa de nos interessar), o mundo «americano» é, em grande medida, o mundo actual e os grandes autores americanos mostram-no-lo bastante mais (McCarthy de uma forma menos óbvia do que os restantes mas ainda assim muito americana – e, de qualquer modo, a sua escrita é demasiado apocalíptica para que ele seja alguma vez considerado pelas cabecinhas louras dos suecos) do que autores escrevendo sobre realidades mais específicas. Esses relembram-nos o que também existe. E é importante que o façam; obrigam-nos a sair do casulo. Mas a esmagadora maioria dos leitores de literatura vive os problemas das personagens de Roth ou de Franzen, não das de Saramago. Pensa o mundo a partir de posições parecidas com as de Nathan Zuckerman (o alter-ego de Roth) ou Gary Lambert (de As Correcções, de Franzen) e não a partir de posições similares às de David Lurie (de Desgraça, de Coetzee) ou de Mr. Biswas (de Uma Casa para Mr. Biswas, de Naipaul). Não pretendo dizer com isto que umas são melhores do que as outras. Mas a circunstância dos principais autores americanos se debruçarem sobre a América e não directamente sobre outras partes do mundo não retira um átomo de relevância ao que vêm produzindo. Pelo contrário: na extravagante demanda da Great American Novel, os americanos (os actuais e muitos dos falecidos nas últimas décadas: Bellow, Gaddis, Foster Wallace, Mailer, etc.) não estarão até longe de procurarem o grande romance do mundo actual – do mundo como ele cada vez mais o é. Recusar a relevância de gente como Roth, DeLillo, McCarthy, Oates, Pynchon ou (mas seria sempre demasiado cedo para ele) o próprio Franzen revela uma miopia atroz. Felizmente a lógica não terá sido sempre esta ou Bellow nunca teria conseguido o Nobel. A menos que os suecos o tenham premiado exclusivamente por causa de Henderson, O Rei da Chuva.
Adenda: o Prémio Nobel da Literatura de 2011 é anunciado amanhã ao meio-dia, hora portuguesa. Alguém aposta num americano?
– Apaixonar-se é um erro – salientou Salomón Toledano, fazendo-se eco do meu desaparecido amigo Juan Barreto, que compartilhava essa filosofia, embora sem as afectações verbais do meu colega. – A mulher, agarra-a pelos cabelos, levanta-lhe as saias e cama com ela. Fá-la vislumbrar todas as estrelas do firmamento de um momento para o outro. Esta é a teoria correcta. Eu não a posso praticar, por causa do meu físico débil, hélàs. Uma vez tentei uma de machismo com uma gaja brava e ela espetou-me uma bofetada na cara. Por isso, apesar da minha tese, trato as damas, sobretudo as rameiras, como rainhas.
Mario Vargas Llosa, Travessuras de Menina Má
Edição D. Quixote, tradução de J. Teixeira de Aguilar
Ontem, a propósito da atribuição do Nobel da Literatura a Herta Müller, que não conhecia, escrevi este postezito no qual mencionava uns quantos nomes que na minha opinião já o deviam ter ganho. Na caixa de comentários, a Margarida perguntou: «E o Magris?». Envergonhado, tive de confessar nunca ter lido o senhor. (Too many books, too little time e leituras completamente desregradas dão embaraços destes.) Hoje, numa tabacaria, perguntei: «Que livro vem com a Sábado esta semana?» A senhora mostrou-mo. Danúbio, Cláudio Magris. Arregalei os olhos, o que fez a senhora a recuar um passo (voltou a avançar quando sorri mas manteve-se desconfiada), e comprei revista e livro. Em casa, comecei a folheá-lo displicentemente. Na página 285, os meus olhos tombaram sobre:
«[…] as narrativas de Herta Müller, Terras Baixas, simples e difíceis com o correr dos anos, têm em contrapartida a verdade existencial do samidzat, da palavra poética que é sempre não-oficial. Herta Müller fala da aldeia, como grande parte da literatura anterior do Banato, mas a sua aldeia é o lugar da ausência, onde as coisas opacas, desfiadas sem sentido nas suas frases desprovidas de predicado, narram a opressiva estranheza do mundo e também do indíviduo de si para si.
Continuadora da nova literatura da estranheza de aldeia que floresceu na Áustria com Bernhard, Handke, ou Innerhofer, Herta Müller aprofunda originalmente a sua radicalidade pesada e sensível; quando teoriza, cai por vezes, como de resto os seus modelos, numa estereotipia não isenta de arrogância. Com a dura repressão política que se abateu sobre os alemães da Roménia, Herta Müller viu-se como muitos outros forçada ao silêncio.»
Quais são as probabilidades?
(Nota: Danúbio é de 1986. Esta edição é da idea e creación editorial, s.l. e a tradução é de Miguel Serras Pereira.)
Tudo indica que Barack Obama é um homem sensato e bem intencionado. Ambos os factores são positivos mas não decisivos para que venha a ser um grande presidente americano. É ainda cedo para avaliar a presidência de Obama. E é também demasiado cedo para que ele receba o Nobel da Paz . O comité diz que a presidência de Obama permitiu avançar na direcção de um mundo sem armas nucleares e dar um novo impulso às questões ambientais. O primeiro ponto é um exagero (o tratado com a Rússia é positivo mas está longe de permitir pensar num mundo sem armas nucleares e, para mais, é puramente instrumental*) enquanto o segundo está por consolidar. Elogia ainda a forma como ele conseguiu alterar o clima político internacional. É um facto que o «clima» se alterou mas isso deveu-se mais à saída de Bush do que à entrada de Obama. E, por si só, o «clima» é pouco importante: todas as situações verdadeiramente problemáticas subsistem, com Afeganistão, Irão e Coreia do Norte no topo da lista. O comité Nobel pretenderá talvez dar um sinal aos líderes desses países, dizer-lhes: «Negoceiem porque estão sozinhos; este homem tem o apoio do Mundo.» É uma estratégia arriscada. Imagine-se que Obama dá ordens para intensificar os combates no Afeganistão, aceita incursões de forças americanas no Paquistão, fecha os olhos a ataques israelitas a reactores nucleares iranianos. (Já para não mencionar uma possível reacção a um novo atentado em solo americano.) Como reagirá o comité Nobel? Continuará a apoiá-lo ou dirá «Ooooops, parece que nos enganámos»? Ou esperará que, tendo recebido o Nobel, ele hesite em estilhaçar a imagem de grande conciliador e nunca assuma posições polémicas? Seria preciso muita sorte para um presidente americano, numa época tão complexa como a actual, passar um mandato inteiro sem enfrentar decisões difíceis e impopulares. E seria péssimo que as evitasse por questões de imagem. Há ainda a questão não resolvida de Guantánamo e sinais preocupantes como a recusa em receber o Dalai Lama.
Obama até poderá vir a merecer o prémio Nobel. Aliás, esperemos que sim. Mas, por enquanto, é cedo.
*Na medida em que permite a ambos os países poupar dinheiro e a Obama surgir perante o Irão e outros países com ambições nucleares como o grande «pacifista».
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