O discurso de Obama na universidade do Cairo é, como de costume, excelente. Mas é também um portento de compromissos. Vamos por partes.
Quase toda a gente estava farta de George W. Bush e de quem o rodeava. Eu incluo-me nesse vasto grupo. Obama surgiu como a alternativa simpática, culta, carismática, conciliadora. Elevou - propositada ou inadvertidamente - a fasquia para um nível impossível de saltar. No discurso de tomada de posse deixou claro que era necessário baixá-la. Apesar disso, ainda é visto como o potencial salvador do mundo (mais na Europa que nos Estados Unidos).
Tendo definido uma estratégia de charme (ou, se quiserem, de cenoura e pau, com muito mais cenoura que pau), tem tentado fazer a quadratura do círculo: convencer todos da sua boa vontade (que existe), da sua disposição para dialogar (que é real), da sua abertura para aceitar soluções que não as defendidas tradicionalmente pelos EUA - que não pode ser genuína porque há certos princípios que Obama (e outros, como os líderes dos países da UE) não pode deixar de defender. Um exemplo: no Cairo, ele mencionou os problemas no acesso das mulheres à educação em países islâmicos nos seguintes termos: "não acredito que uma mulher que use véu não seja igual, mas acredito que uma mulher a quem é negada educação não é igual". É uma formulação inteligente mas é também quase acrítica e totalmente inconsequente. Por enquanto, neste como em muitos outros assuntos, ele pode ainda dar tempo ao tempo. Mas, mais tarde ou mais cedo, se não se verificarem - como é provável que não se venham a verificar - evoluções positivas nas questões mais importantes (p. ex., Palestina, Irão e Paquistão) terá que tomar posições mais claras. De acordo com a The Economist, o primeiro-ministro israelita, aquando da visita a Washington, tentou arrancar-lhe um prazo para uma decisão acerca da estratégia a adoptar na questão iraniana. Obama terá sido evasivo, acabando por declarar que no final do ano já deverá ter uma ideia acerca do que é possível conseguir junto do regime iraniano. Talvez na mesma altura já saiba como abordar a questão da Palestina. Ou as ameaças (que, na realidade, parecem mais ridículas que perigosas) da Coreia do Norte. Ou a situação no Paquistão. Ou as questões dos direitos humanos em vários pontos do globo (cuidadosamente contornadas no discurso do Cairo). Ou como lidar com a Rússia. A estratégia de cordialidade, com oferta de amizade a todos os antigos inimigos, necessita de muito tempo e funcionaria melhor se os países visados tivessem uma opinião pública que fosse verdadeiramente importante (e, como quase todos aprendemos na escola, raramente se transforma o rufia da turma num gajo porreiro cortejando-o no recreio). Pergunto-me se estaremos tão satisfeitos daqui a um ano ou ano e meio se nada evoluir ou, pior, se as coisas se agravarem no Paquistão, ocorrer um novo atentado grave na Europa ou nos Estados Unidos, ou Israel atacar reactores no Irão. E se ele (terá coragem?) mudar de estratégia, quais serão as reacções? Todos sabemos quão rapidamente o amor se tranforma em ódio...
Para já, merece o benefício da dúvida. E é um excepcional orador, o que, para quem gosta tanto de palavras como eu, é uma qualidade assinalável, em especial quando em Portugal estamos sujeitos a Sócrates (por mais que ele tente colar-se ao estilo Obama) e a Ferreira Leite.
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