como sobreviver submerso.

Quinta-feira, 25 de Novembro de 2010
A vida real é tão melhor do que isso

 

Como artista performativa que, para além de escritora, actriz e realizadora, também é, Miranda July (usem o link, vá) nem sempre consegue evitar a construção de situações ligeiramente obscuras e/ou artificiais. Mas torna-se fácil perdoá-la porque, ao contrário do que sucede com outros artistas contemporâneos, em July a encenação tende a ser benigna  – parece que acontece sem ela querer, por excesso de entusiasmo e não de presunção. No seu melhor, July constrói personagens e situações realmente estranhas e, todavia, estranhamente realistas (eu sei, eu sei, estes jogos de palavras são infantis e cansativos mas também eu não consigo evitar dedicar-me a diminutas, deliberadas e dispensáveis demonstrações de virtuosismo dúbio e deslocado). Há outros especialistas nesta área, como os realizadores Wes Anderson e Noah Baumbach, mas quase todos têm o enorme defeito de serem menos atraentes do que July. Quando se vê a longa-metragem Me and You and Everyone We Know, que ela escreveu e realizou, ou os vários filmes breves que foi escrevendo, ou quando se lêem os contos do seu livro No One Belongs Here More Than You (não deixem de usar também este link, que ainda é melhor que o anterior), encontramos personagens estranhas que nos dizem algo porque sabemos, ou desconfiamos, ou tememos, que sob a capa que apresentamos ao mundo somos exactamente assim: frágeis, inseguros, incoerentes, dados a pensamentos e actos cuja lógica nos escapa no exacto instante em que os pensamos ou executamos e que nos fazem cair na mais desamparada vergonha. A melhor literatura, como o melhor cinema, mostra-nos o que somos por baixo do que julgamos ser – é por isso que tanta gente evita cuidadosamente uma e outro mas também é por isso que conseguimos extrair dos bons livros e dos bons filmes o conforto, quiçá ligeiramente depressivo, de saber que, afinal, não estamos sós, que toda a gente é assim, reconheça-o ou não. Veja-se como, no filme Are You the Favorite Person of Anybody, que coloquei num post anterior (usem o link, se não o viram – por onde andavam?), as respostas das três pessoas, aparentemente tão diferentes, são variações sobre a mesma insegurança: a rapariga (papel desempenhado pela própria July) quer ser optimista (começa por achar que sim, que é – tem de ser – a pessoa favorita de alguém) mas depois vai ficando com dúvidas (é a reacção mais ingénua mas também a mais honesta); o rapaz exorciza a possibilidade de não ser a pessoa favorita de alguém declarando-o logo à partida, numa espécie de pessimismo militante muito em voga; o último homem foge, preferindo nem pensar na questão (uma resposta ainda mais comum). As personagens criadas por July (muitas mulheres, alguns homens) parecem pessoas esquisitas porque não conseguem fingir ou fingem de um modo tão desamparado que o fingimento se torna óbvio. Como se estivessem sempre dentro de um elevador ao lado de um estranho. O par do filme Me And You And Everyone We Know (é possível fingir mais e simultaneamente menos do que na caminhada em direcção a Tyrone Street que se encontra por cima deste texto?), ou as personagens dos contos de No One Belongs Here More Than You (a rapariga que ensina três octogenários a nadar na sala de estar da sua pequena casa dos subúrbios, colocando bacias com água salgada por baixo das caras deles; aquela outra que sonha apanhar o príncipe William num pub e conquistá-lo fazendo tocar na jukebox All I Need is a Miracle, dos Mike & The Mechanics; a que se apaixona por um vizinho epiléptico e aproveita o momento em que ele sofre um ataque no pátio do prédio onde ambos vivem para se deitar junto dele como se fosse sua companheira; uma quarta que retira um sinal de nascença da cara e descobre que a felicidade não passava afinal por aí) são todas variantes de alguém tentando atabalhoadamente encontrar o seu lugar no mundo. E falhando, claro. Mas falhando de um modo bonito, ingénuo, que exclui a hipocrisia e o compromisso. Um modo que habitualmente preferimos recusar. Veja-se This Person, um dos melhores contos do livro: alguém (this person) encontra reunida num pátio toda a gente que alguma vez conheceu, incluindo os professores que menos apreciou, o médico responsável pela cegueira temporária que sofreu, o homem que lhe pagou dois mil dólares em troca de sexo quando estava sem dinheiro; vêm dar-lhe um abraço e dizer-lhe que it was all just a test, we were only kidding, real life is so much better than thatThis person foge e vai ver se tem correio.


publicado por José António Abreu às 13:20
link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito

Sexta-feira, 19 de Novembro de 2010
Sinal de nascença

Now began the part of her life where she was just very beautiful, except for nothing. Only winners will know what this feels like. Have you ever wanted something very badly and then gotten it? Then you know that winning is many things, but it is never the thing you thought it would be. Poor people who win the lottery do not become rich people. They become poor people who won the lottery. She was a very beautiful person who was missing something very ugly. Her winnings were the absence of something, and this quality hung around her. There was so much potential in the imagined removal of the birthmark; any fool on the bus could play the game of imagining how beautiful she would look without it. Now there was not this game to play, there was just a spent feeling. And she was no idiot, she could sense it. In the first few months after the surgery, she received many compliments but they were always complimented with a kind of disorientation.

   Now you can wear your hair up and show off your face more.

   Yeah, I’m going to try it that way.

   Wait, say that again.

   “I’m going to try it that way.” What?

   Your little accent is gone.

   What accent?

   You know, the little Norwegian thing.

   Norwegian?

   Isn’t your mom Norwegian?

   She’s from Denver.

   But you have that little bit of an accent, that little… way of saying things.

   I do?

   Well, not anymore, it’s gone now.

   And she felt a real sense of loss. Even though she knew she never had an accent. It was the birthmark, which in its density had lent color even to her voice. She didn’t miss the birthmark, but she missed her Norwegian heritage, like learning of new relatives, only to discover they have just died.

Miranda July, The Birthmark, incluído em No One Belongs Here More Than You

Edição Canongate, 2007



publicado por José António Abreu às 08:38
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Domingo, 14 de Novembro de 2010
Sim; de duas; por enquanto


publicado por José António Abreu às 20:57
link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

dentro do escafandro.
pesquisar
 
Janeiro 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


à tona

A vida real é tão melhor ...

Sinal de nascença

Sim; de duas; por enquant...

reservas de oxigénio
tags

actualidade

antónio costa

blogues

cães e gatos

cinema

crise

das formas e cores

desporto

diário semifictício

divagações

douro

economia

eleições

empresas

europa

ficção

fotografia

fotos

governo

grécia

homens

humor

imagens pelas ruas

literatura

livros

metafísica do ciberespaço

mulheres

música

música recente

notícias

paisagens bucólicas

política

porto

portugal

ps

sócrates

televisão

viagens

vida

vídeos

todas as tags

favoritos

(2) Personagens de Romanc...

O avençado mental

Uma cripta em Praga

Escada rolante, elevador,...

Bisontes

Furgoneta

Trovoadas

A minha paixão por uma se...

Amor e malas de senhora

O orgasmo lírico

condutas submersas
subscrever feeds