como sobreviver submerso.
– Apaixonar-se é um erro – salientou Salomón Toledano, fazendo-se eco do meu desaparecido amigo Juan Barreto, que compartilhava essa filosofia, embora sem as afectações verbais do meu colega. – A mulher, agarra-a pelos cabelos, levanta-lhe as saias e cama com ela. Fá-la vislumbrar todas as estrelas do firmamento de um momento para o outro. Esta é a teoria correcta. Eu não a posso praticar, por causa do meu físico débil, hélàs. Uma vez tentei uma de machismo com uma gaja brava e ela espetou-me uma bofetada na cara. Por isso, apesar da minha tese, trato as damas, sobretudo as rameiras, como rainhas.
Mario Vargas Llosa, Travessuras de Menina Má
Edição D. Quixote, tradução de J. Teixeira de Aguilar
A Academia Nobel premiou finalmente Mario Vargas Llosa. Justificou a escolha com a frase: «for his cartography of structures of power and his trenchant images of the individual’s resistance, revolt and defeat» (que obtive aqui). É uma justificação adequada. Mas eu apaixonei-me pela escrita de Llosa num livro que é muito mais (ou pelo menos assim o recordo) um tratado de paixões, de ironia e do poder da imaginação do que um tratado político (ainda que a política não esteja ausente), chamado A Tia Júlia e o Escrevedor. Só depois cheguei a Conversa na Catedral ou a A Festa do Chibo, obras a que a frase se aplicará melhor. Esta capacidade para variar registos, para ir do sufoco político de A Festa do Chibo (a República Dominicana sob Trujillo) à paixão e ironia de A Tia Júlia e o Escrevedor ou à sensualidade provocante de Os Cadernos de Dom Rigoberto é, aliás, um dos aspectos que mais aprecio em Llosa. Outro é o seu posicionamento político: ele, que como tantos «colegas» começou marxista, a partir de certa altura não teve medo do epíteto liberal nem de sujar as mãos na política activa (factos que pareceram ir custar-lhe o prémio Nobel). Esta sensatez e esta coragem, tão estranhas em intelectuais de renome, habitualmente mais preocupados em exigir a utopia a partir de um posto confortável da retaguarda do que em lutar dentro dos constrangimentos do possível na primeira linha da política, são para mim um motivo de admiração. Que um homem assim tenha sido candidato à presidência do Peru e perdido para o hoje infame Alberto Fujimori diz muito sobre o discernimento dos eleitores, no Peru ou noutras zonas do mundo. Parabéns, Señor Llosa. É inteiramente merecido.