Antonio Pappano, Saint-Saëns: Carnaval dos Animais & Sinfonia Nº 3 "Órgão".
Edição Warner Classics.
Duas das mais famosas obras de Camille Saint-Saëns foram compostas quase em simultâneo e dificilmente poderiam ser mais diferentes. Toda a gente conhece pelo menos excertos de O Carnaval dos Animais, um divertimento para dois pianos e ensemble de nove músicos, que inclui segmentos dedicados, entre outros, ao leão, ao elefante, ao burro, aos «animais de orelhas compridas» (coelhos, lebres), aos galináceos, aos peixes, às tartarugas e (num toque de humor gaulês) aos pianistas. Saint-Saëns compôs O Carnaval dos Animais como um exercício de descontracção durante os trabalhos da sinfonia nº 3. Temendo que prejudicasse a sua imagem de compositor «sério», determinou que a obra apenas poderia ser tornada pública após a sua morte, limitando-se a autorizar algumas sessões privadas (entre as quais uma para o amigo Franz Liszt) e a publicação do movimento "Cisne", adaptado para violoncelo e um único piano. O Carnaval veio finalmente a público em 1922 - um ano após a morte de Saint-Saëns - e depressa se tornou uma das obras mais populares do francês.
Nesta edição, os pianos são tocados por Antonio Pappano e por Martha Argerich. O acompanhamento é providenciado por um ensemble composto a partir dos solistas de orquestra da Academia Nacional de Santa Cecília, de Roma. Da delicadeza e lirismo do «Cisne» à pomposidade do «Elefante», tudo soa perfeito. E, ainda que ela já tenha interpretado «Os Pianistas» várias vezes, é sempre uma delícia ouvir Martha Argerich fingir que está a aprender a tocar piano.
Pappano conduz a orquestra de Santa Cecília na Sinfonia Nº 3 "Órgão", um trabalho numa linha neoclássica, mas cheio de passagens delicadas e sensuais, que a orquestra delineia perfeitamente (e os técnicos da Warner captam de forma igualmente brilhante).
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Max Richter, Three Worlds: Music From Woolf Works.
Edição Deutsche Grammophon.
A melhor música composta para servir de complemento a imagens (sejam elas ao vivo, como num bailado, ou num suporte tecnológico qualquer, como num filme) sobrevive mesmo longe destas. Para apreciar a música que Tchaikovsky compôs para O Lago dos Cisnes não precisamos de ter alguma vez visto o bailado. Para sentir a intensidade d'A Cavalgada das Valquírias não é necessário conhecer a ópera de Wagner - ou o filme de Coppola - onde ela surge.
Na realidade, a melhor música sobrevive mesmo que não se conheçam quaisquer referências a seu respeito. Pode ouvir-se e apreciar-se a Sétima Sinfonia, de Shostakovich, sem saber que é apelidada de «Leninegrado» - e porquê. Pode ser-se fã de Tears in Heaven, de Eric Clapton, desconhecendo o acontecimento que lhe esteve na origem.
Por vezes, não saber demasiado até se revela benéfico. É hoje difícil ouvir Wagner sem sentir estar a partilhar um prazer com Hitler. Na maioria das casos, porém, conhecer as obras para as quais a música foi composta, ou os acontecimentos que a inspiraram, ou as circunstâncias que já a moldaram, permite analisar melhor a obra e constitui um factor positivo de ligação emocional. (Também salva algumas obras menores, que não levaríamos a sério se não estivessem relacionadas com, por exemplo, um filme que nos marcou.)
Tudo isto para referir que pouca gente conhecerá Woolf Works, um bailado de Wayne McGregor baseado em três livros de Viginia Woolf (Mrs. Dalloway, Orlando e The Waves), mas que isso não é necessário para apreciar a música composta para ele por Max Richter. A música de Richter é suficientemente forte para dispensar o apoio de imagens concretas ou até o conhecimento da fonte de inspiração. Mas conhecer os livros ajuda. Torna mais fácil perceber por que razão nos temas baseados em Mrs. Dalloway a música é geralmente suave mas está cheia de interrogações; por que razão nos temas inspirados por Orlando a sonoridade é mais variada, com mistura de estilos e de sonoridades (incluindo componentes electrónicas); e porque o único mas longo tema dedicado a The Waves é - perdoe-se-me a falta de imaginação - ondulante, melancólico e extremamente belo. Todo o álbum (que inclui apenas parte dos temas compostos para o bailado) é perpassado por constantes interrogações, por aquela busca incessante, feita a partir de múltiplos pontos de vista, que caracteriza a literatura de Virginia Woolf.
Devo ainda mencionar os segmentos de abertura de cada bloco. Em grande medida, neles procura-se adicionar contexto para os que (ainda) não leram Woolf, e reforçar a ligação à música dos que já leram. Mas também servem para deixar claro qual o tema principal que guiou Richter - e, décadas antes, Woolf: os mecanismos da memória, as suas imperfeições, o modo como molda a história. O primeiro segmento é composto por um excerto da única gravação conhecida da voz de Woolf, no qual ela refere que as palavras da língua inglesa estão cheias de ecos e de memórias do passado, e que isso dificulta imenso a tarefa do escritor. No segundo, a actriz Sarah Sutcliffe lê um excerto de Orlando, igualmente focado nas questões da memória (Memory is the seamstress, and a capricious one at that...). Finalmente, no terceiro, a actriz Gillian Anderson (e como a sua voz inconfundível causa um instante de surpresa inteiramente adequado) lê a nota de suicídio que Woolf deixou ao marido.
Depois de Philip Glass já ter composto uma excelente banda sonora para o filme The Hours, Richter prova o que qualquer leitor de Woolf consegue sentir: a prosa dela é altamente musical.
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Barbara Hannigan, Crazy Girl Crazy.
Edição Alpha.
Béla Fleck e Abigail Washburn, álbum Echo in the Valley.
Dois banjos, duas vozes, efeitos acústicos simples que podem ser reproduzidos durante os concertos (por exemplo, pés a bater ou a deslizar no chão) e nada mais, porque nada mais é necessário. O segundo álbum do casal dos banjos (há quem profetize que o filho, nascido em 2013, se revelará o Messias dos banjos) prova mais uma vez quão pouco é indispensável para fazer grande música.
Tarja, álbum From Spirits and Ghosts.
Tenho pouca paciência para álbuns de Natal. De vez em quando, porém, surgem alguns que, indo além do terreno mil vezes pisado, me conseguem atrair. É o caso de Midwinter Graces, de Tori Amos, ou de A Drifter in the Snow, de Aimee Mann. Posso agora juntar à lista este From Spirits and Ghosts, da finlandesa Tarja Turunen. Ao contrário dos referidos, é composto quase exclusivamente por versões de temas que toda a gente conhece, mas adaptados com uma faceta gótica que lhes adiciona um toque especial, fazendo pensar em Natais ao estilo dos filmes de Tim Burton. De resto, Tarja não quis deixar dúvidas e acrescentou um subtítulo esclarecedor: Score for a Dark Christmas. Porque, no fim de contas, tradicionalmente o Natal é - ou devia ser - um instante de harmonia e calor numa época do ano escura e fria.
Björk, álbum Utopia.
A tendência actual para fugir ao humano, ou pelo menos a muitas das formas e hábitos que o têm caracterizado, consegue ser um pouco mais do que ligeiramente irritante. Contudo, se alguém, pela sinceridade e coerência demonstradas ao longo do tempo (é lembrar "Human Behaviour", do álbum Debut, já lá vão vinte e quatro anos), merece alguma indulgência, esse alguém é Björk. Depois de um álbum em que sarava as feridas de uma relação sentimental terminada, apresenta desta feita um álbum luminoso, no qual parece buscar um ideal em que o humano se dissolva nas restantes formas de vida do planeta (e até mesmo no próprio planeta). Algumas letras são básicas, o modo como Björk pronuncia os 'r' lembra a lengalenga sobre o rato que roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia, e o som de passarinhos chega a exasperar, mas justifica amplamente uma audição.
Há quem acompanhe muito mais de perto o universo do jazz do que eu. Seja como for, vou permitir-me a desfaçatez de salientar alguns álbuns lançados em 2017. Dentro de cada grupo, a ordem é alfabética.
ÁLBUNS INSTRUMENTAIS
Anouar Brahem, Blue Maqams. Há quem não goste do «som ECM». Admitindo que os lançamentos por vezes se confundem uns com os outros, eu gosto. A música da ECM descontrai-me e eu preciso de ser descontraído com uma certa frequência. Blue Maqams é um álbum sublime do tunisino Brahem, um tudo-nada mais próximo do jazz do que muitos dos seus outros trabalhos (que diria mais ligados à música tradicional árabe). A colaboração de Dave Holland, Jack DeJohnette e Django Bates - todos excelentes - terá certamente algo a ver com o assunto.
Dan Tepfer Trio, Eleven Cages. Todos os anos saem inúmeros álbuns de trios. De entre a minúscula fracção que ouvi, este, do trio liderado pelo pianista norte-americano (nascido em Paris) Dan Tepfer, é um dos meus favoritos.
Jaimie Branch, Fly or Die. Estou num meio-termo irritante no que respeita ao jazz (o que sou forçado a admitir por estes dias...): a minha paciência para a enésima gravação de clássicos é limitada, mas os sons mais experimentais raramente me atraem. Fly or Die, o primeiro álbum da trompetista norte-americana Branch, é razoavalmente experimental mas permanece melódico.
Miles Okazaki, The Trickster. Tendo a fugir de álbuns baseados em guitarra eléctrica (detesto solos de guitarra eléctrica com mais de, vá lá, dez segundos). No entanto, gosto deste. Inspirados nos jogos a que os deuses clássicos se entregavam para espantar o ócio e conviver com os humanos, os temas mantêm uma faceta maliciosa, sugerindo brincadeiras ocasionalmente perversas (os deuses clássicos teriam muitos problemas na Hollywood dos dias actuais).
Nomade Orquestra, EntreMundos. Dez brasileiros que fazem música de fusão com um cunho tipicamente carioca (e daí, carioca talvez não seja o termo mais adequado, uma vez que eles são de São Paulo).
The Comet is Coming, Death to the Planet. Um EP adequado ao sentimento dos tempos, com faixas intituladas Start Running e Final Eclipse. Estranhamente - ou talvez não -, revela-se bastante optimista, numa linha 'que se lixe isto tudo'.
(Vídeo de promoção. Pequeno, que a ECM, etc.)
Yazz Ahmed, La Saboteuse. Provavelmente o álbum de jazz que mais ouvi este ano. Ahmed é uma trompetista britânica, que cresceu no Bahrain e já colaborou com os Radiohead. O álbum - o seu segundo - usa sonoridades árabes de modo absolutamente infeccioso (no bom sentido).
ÁLBUNS MISTOS
Ahmad Jamal, Marseille. Uma declaração de amor à cidade, de um mestre do piano que completou 87 anos em 2017.
Linda May Han Oh, Walk Against Wind. Nasceu na Malásia, cresceu em Perth e toca contrabaixo em Nova Iorque. Walk Against Wind (bom título) inclui temas de uma elegância sombria, ligeiramente cinematográfica.
Nate Smith, Kinfolk: Postcards from Everywhere. Outro álbum que ouvi bastante vezes em 2017, talvez porque se situa naquele registo que estabelece a ponte para o pop/rock.
ÁLBUNS VOCAIS
Somi, Petite Afrique. Somi é uma nova-iorquina com raízes nigerianas. Os seus dois álbuns lembram-me os dois principais romances de Chimamanda Ngozi Adichie. O primeiro - The Lagos Music Salon - leva o ouvinte até à Nigéria (tal como Half a Yellow Sun); este segundo debruça-se sobre uma zona do Harlem nova-iorquino ocupada por imigrantes de origem africana (tal como Americanah foca a integração dos imigrantes africanos nos Estados Unidos).
Zara McFarlane, Arise. Se Somi vai beber directamente a África, McFarlane chega lá através das Caraíbas. Talvez a música de McFarlane não seja bem jazz, mas, como deixei claro no início, eu também não percebo grande coisa do assunto.
Charlotte Gainsbourg, álbum Rest.
Submergindo inseguranças e tristezas em ondas de som, Gainsbourg cria um caleidoscópio que não ficaria mal como banda sonora de um filme de terror à italiana (pode não parecer, mas é um elogio).
Mavis Staples, álbum If All I Was Was Black.
Staples tem setenta e oito anos. Viu muito, em quase oito décadas. Passou pelas guerras da Coreia, do Vietname e do Golfo, por momentos de divisão entre os norte-americanos, como as lutas pelos direitos sociais na década de 1960, e por momentos de união, como o que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro de 2001 (durou pouco). Hoje, com a sociedade mais uma vez dividida, mantém a esperança. Os dez temas, compostos para ela por Jeff Tweedy, dos Wilco (e que excelente trabalho ele fez), não fogem aos problemas, mas pegam-lhes numa perspectiva optimista, salientando a necessidade de entendimento e de superação. A voz experiente de Staples adiciona peso às palavras e a sonoridade, uma mistura de R&B com Country, dois estilos tão tipicamente norte-americanos, um mais associado à comunidade negra, o outro à comunidade branca, constitui a cereja no topo do bolo de um álbum baseado na ideia de união.
Protomartyr, álbum Relatives in Descent.
Um hino de raiva e inquietação, sinuoso e politicamente carregado, como a sonoridade punk (ou pós-punk, ou qualquer coisa assim) praticamente exige.
U2, álbum Songs of Experience.
Ainda que, graças à manipulação electrónica da voz de Bono, Love Is All We Have Left abra o álbum com um toque de originalidade, e que Kendrick Lamar participe (fugazmente) num par de temas, a sonoridade não deixa de estar alinhada com o que os U2 já fizeram muitas vezes. Todavia, este não constitui o maior problema para um álbum que até revela uma excelente ligação entre os membros da banda, com Bono usando eficazmente a voz que lhe resta e The Edge acrescentando o tom épico sem demasiados exageros. O maior obstáculo que Songs of Experience terá de enfrentar é o cinismo. Os U2 podem ter ganho milhões e gerido as coisas de modo a pagarem o mínimo de impostos sobre esses milhões, Bono pode ter lançado campanhas humanitárias de eficácia duvidosa enquanto convivia com políticos e celebridades televisivas, mas a sinceridade dos quatro irlandeses - a mesma que os fez compor New Year's Day ou Sunday Bloody Sunday numa época em que a cena pop/rock estava dividida entre o niilismo dos Clash e o hedonismo dos Duran Duran - continua a marcar-lhes a música. Até mesmo o período de Achtung Baby e Zooropa, durante o qual eles próprios pareceram abraçar o cinismo, apenas na aparência contradiz esta tese: tratou-se afinal de uma encenação assumida, de envergar o cinismo - como se diz actualmente de pessoas que tentam parecer nerds - de forma irónica. O público, que tanto - e justamente - apreciou essa época, é que pode já não estar disponível para tamanha dose de sinceridade e empenho.
The Cornshed Sisters, álbum Honey & Tar.
Quatro vozes que combinam perfeitamente, numa mistura de folk com indie pop.
Brand New, álbum Science Fiction.
The Horrors, álbum V.
A sonoridade punk ficou um bocadinho para trás, mas os benefícios superam os inconvenientes: V é excelente rock de garagem com matizes de psicadelismo e de shoegaze. Provavelmente o melhor álbum dos The Horrors.
Wolf Parade, álbum Cry Cry Cry.
A prova de que continuam a surgir bons álbuns de rock, ainda que possam não dispensar o uso de sintetizadores. Nas últimas semanas, até tenho andado ligeiramente viciado no tema "Lazarus Online".
Zola Jesus, álbum Okovi.
Circuit des Yeux, álbum Reaching for Indigo.
Por excesso de uso, muitos termos e expressões vêm perdendo relevância. Ironicamente (ou talvez inevitavelmente), os superlativos amontoam-se à medida que os humanos parecem ficar mais cínicos e desiludidos. Mensalmente ocorrem dezenas de momentos «históricos» e centenas de acontecimentos «inéditos». Não obstante tudo isto, talvez ainda se possa aplicar o termo «inclassificável» à música de Haley Fohr.
Phoebe Bridgers, álbum Stranger in the Alps.
1. Phoebe Bridgers tem 23 anos, mas escreve letras como esta: «When a machine keeps me alive, and I'm losing all my hair, I hope you kiss my rotten head and pull the plug - now that I've burned every playlist, I've given all my love.»
2. Phoebe Bridgers compôs um tema sobre uma rua em Los Angeles (Scott Street) que afinal é uma avenida. Foi um simples erro, mas encaixa perfeitamente num álbum onde o understatement impera e a aceitação da incongruência é forma de lidar com a depressão e com a ideia da morte.
3. Phoebe Bridgers (a propósito de incongruência) intitula o seu álbum Stranger in the Alps porque, na versão para canal aberto do filme The Big Lebowski, a frase do imortal Walter Sobchak (John Goodman) «Do you see what happens when you fuck a stranger in the ass?» foi transformada em «Do you see what happens when you find a stranger in the Alps?».
The Granite Shore, álbum Suspended Second.
Há no álbum uns toques de Abba que normalmente seriam suficientes para me manter à distância que vai da foz do Porto à zona Leste de Estocolmo. Mas também há aquele estilo desenvolto, intemporal e mordaz de uns The Divine Comedy, aplicados à desilusão que, para Nick Halliwell (o homem por trás dos The Granite Shore), constitui o Brexit. What news from England, are they happy now they're free?, canta ele em The Performance of a lifetime, perfeitamente consciente de que whatever we said or we did, we were always outside looking in (no refrão de Outside, Looking In). E depois há dúvidas candentes que só o futuro esclarecerá: Will they paint the passports blue again? Provavelmente não, Nick; o azul é a cor da União Europeia.
Angus & Julia Stone, álbum Snow.
Gosto da conjugação das vozes dos dois irmãos australianos e, ainda que não contendo grandes surpresas, da leveza elegante que a música deles frequentemente atinge. Gosto menos quando os temas se esvaem no sentido da lamechice. É pena que tal suceda demasiadas vezes neste último álbum.
Robert Plant, álbum Carry Fire.
(A voz feminina em Bluebirds Over the Mountain é a de Chrissie Hynde.)
St. Vincent, álbum Masseduction.
A sonoridade de Anne Erin Clark vem-se normalizando. Neste álbum, produzido por Jack Antonoff (colaborador de Lorde e Tayler Swift), estará até demasiado parecida com inúmeros trabalhos lançados nos últimos tempos. Felizmente, o álbum possui outros trunfos, à cabeça dos quais se encontra uma dissecação irónica mas feroz das pressões geradas pela fama (Oh, what a bore to be so adored, canta-se no tema Masseduction), pelo dinheiro e pelo desejo de eterna juventude.
Nadine Shah, álbum Holiday Destination.
Shah é filha de uma inglesa descendente de noruegueses e de um paquistanês. Centrado nas questões da imigração, o seu novo álbum foca as dificuldades de constituir o elemento estranho numa comunidade, os enviesamentos daí decorrentes, e as por vezes inacreditáveis prioridades de quem tenta proteger o seu casulo. Shah não assume um tom de confronto, excepto quando perante este último ponto: o tema Holiday Destination (no vídeo acima) foi inspirado numa reportagem onde se relatavam as queixas de turistas na Grécia sobre a forma como a crise dos refugiados lhes estava a estragar as férias. Já o tema Evil terá resultado da leitura do poema Days, de Philip Larkin (ver abaixo). Para Shah, o «dia» é a normalidade, fora do qual surgem os medos e os ódios.
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What are days for?
Days are where we live.
They come, they wake us
Time and time over.
They are to be happy in:
Where can we live but days?
Ah, solving that question
Brings the priest and the doctor
In their long coats
Running over the fields.
Philip Larkin
Kauan, álbum Kahio.
Os russos Kauan continuam o percurso em direcção a um som contemplativo e nostálgico, numa linha post-rock que inclui elementos folk e de doom metal. Como antes - e como o próprio nome da banda -, as letras são em finlandês.
Fink, álbum Resurgam.
Depois de uma incursão pelos blues, Fink Greenall regressa aos sons densos (e às excelentes letras) que caracterizaram álbuns como Perfect Darkness e Hard Believer.
LCD Soundsystem, álbum American Dream.
O indício mais forte de que este é um álbum pessimista - proveniente de uma banda que fora oficialmente enterrada há meia dúzia de anos - talvez seja a quase total ausência de ironia. Em American Dream, a política não é evidente, mas a desilusão, bem como a crítica à inactividade e à retórica vazia, encontra-se em quase todos os temas. O american dream sempre se baseou na capacidade de perseguir sonhos. Hoje, por razões que ultrapassam a maioria das pessoas mas também por inércia própria, eles afiguram-se mais difíceis de atingir. Entretanto - não é irrelevante que James Murphy se aproxime dos 50 anos de idade -, o tempo passa.
Tori Amos, álbum Native Invader.
O problema com Amos é que o seus melhores álbuns - não por acaso todos saídos na década de 1990 - abordavam, entre a fragilidade e a raiva, traumas pessoais nascidos de violência física e sexual a que ela estivera submetida. Tori extrapolava para o geral, para as limitações e para a violência a que as mulheres estavam sujeitas (o piano funcionando por vezes como cúmplice das palavras, outras vezes como contraponto), mas a base, a nota que conferia uma sinceridade dolorosa aos temas, era a experiência pessoal. Felizmente, desde então a vida de Tori terá sido mais pacífica e confortável. Isso, porém, gera problemas à sua música. Para um fã incondicional como eu, ela não tem álbuns maus. Mas até um fã incondicional como eu é forçado a admitir que também não produz obras-primas desde From the Choirgirl Hotel, do longínquo ano de 1998, ou, no limite, Strange Little Girls, de 2001. Night of Hunters, o álbum conceptual laçando pela Deutsche Grammophon em 2010, foi - não obstante uma faceta ligeiramente presunçosa - uma experiência interessante. Os últimos dois álbuns saídos após Night of Hunters são igualmente bastante bons - mas não surpreendentes. Em Native Invader, Tori esforça-se por substituir o seu sofrimento pessoal por aquilo que entende ser o sofrimento do planeta, não se coibindo de entrar em exercícios de antropomorfização à la Björk e assestando baterias na criatura mais perniciosa de todas: o ser humano (o native invader do título). Independentemente do grau de tolerância que ainda se tenha por álbuns com mensagem ecológica, a ideia quase resulta. Apresenta, contudo, um pecado grave e pouco habitual em Tori: várias letras caem num simplismo atroz, com analogias e - considerando até a fonte de inspiração dos tais álbuns da década de 1990 - de mau gosto. Atente-se nesta passagem de Benjamin: Sucking hydrocarbon from the ground / those pimps in Washington / are selling the rape of America. Oh, Tori...
Lizz Wright, álbum Grace.
Emily Haines & The Soft Skeleton, álbum Choir of the Mind.
Colaboradora dos Broken Social Scene, vocalista dos Metric, Haines lança um segundo álbum sob o nome Emily Haines & The Soft Sketleton. Como o primeiro, de 2006, mostra a faceta mais suave e contemplativa da canadiana.
Myrkur, álbum Mareridt.
Alvvays, álbum Antisocialites.
É mais difícil fazer boa pop do que muitos crêem. Em 2014, os canadianos Alvvays acrescentaram uma pitada de distorção ao som típico da Califórnia. Agora apuram a receita.
The National, álbum Sleep Well Beast.
Desde Boxer, os The National têm executado variações sobre um estilo que talvez pudesse apelidar-se de crooner-depressivo. O novo álbum não traz mudanças substanciais, mas inclui algumas mudanças de ritmo que, se não consubstanciam um regresso aos tempos de Alligator, sacodem um pouco a letargia (viciante) dos últimos anos.
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