como sobreviver submerso.

Segunda-feira, 20 de Julho de 2009
Os fantasmas do Olympiastadion

Qualquer local é, acima de tudo o resto, os acontecimentos mais relevantes que nele ocorreram. Chego ao Estádio Olímpico de Berlim na expectativa de perceber se os fantasmas de Adolf Hitler e de Jesse Owens por cá permanecem. Ainda no exterior, a multidão amontoada defronte de bancas de venda de cerveja, cachorros quentes e t-shirts deixa perceber que não vai ser fácil sentir-lhes a presença. A arquitectura do estádio não oferece surpresas, enquadrando-se perfeitamente na estética nazi (foi o próprio Hitler quem ordenou a sua construção, tendo sido aproveitadas as fundações de um outro, erigido cerca de vinte anos antes). Pode não ser politicamente correcto escrevê-lo (nem, suponho, pensá-lo) mas as linhas direitas, o aspecto maciço, a elegância renitente sugerem-me outros produtos alemães, alguns perfeitamente actuais: um Volkswagen Golf, por exemplo.

 

Entrar no estádio não me permite sentir mais facilmente nem o ditador nem o atleta que lhe fez ruir as teorias correndo e saltando para quatro medalhas de ouro nos jogos olímpicos de 1936. A “aranha" (que Bono apelida de “space station”) dos U2 não ajuda e o público nas bancadas, tentando fazer uma hola com sucesso mitigado, não parece interessado em sessões espíritas. Mas, se Adolf e Jesse não surgem (e por que o fariam? É só um concerto rock), cerca de noventa mil pessoas de braços no ar (quase duzentos mil braços), antes e durante o concerto, trazem por instantes outro fantasma ao local. O fantasma de uma mulher que ficou indelevelmente ligada a este estádio, pelas imagens que aqui colheu e que transformavam os atletas em deuses gigantes e velozes, por opção estética como defenderia anos mais tarde, por decisão política como a acusaram muitos. (A seu favor está o facto de Goebbels lhe ter dito para filmar apenas atletas alemães e ela ter desobedecido.) Hoje não é tanto Olympia que os presentes no estádio evocam mas a obra maldita O Triunfo da Vontade (título escolhido por Hitler), filmado em Nuremberga durante a convenção do partido nazi de 1934. Cento e oitenta mil braços balançam em sincronia, noventa mil gargantas cantam em uníssono “I still haven’t found what I’m looking for”. Sim, o espírito de Leni Riefenstahl ainda paira por aqui. Felizmente, as (ingénuas) mensagens políticas de Bono estão impregnadas de boas intenções.

 

 



publicado por José António Abreu às 19:49
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