Peço desculpa por ainda não estar a pensar em futebol. No passado fim-de-semana disputaram-se as 24 Horas de Le Mans. A luta pela vitória travou-se entre a Peugeot e a Audi. Os Peugeots (quatro à partida) eram mais rápidos dois a três segundos por volta. Dominaram facilmente os treinos e as primeiras horas da corrida. Os Audis pareciam preparar-se para uma humilhação, tanto mais que os Peugeots não davam sinais de abrandar o ritmo. Mas então o Peugeot pilotado por Pedro Lamy teve um problema estranho (quebra de suspensão com danos na coque de fibra de carbono) e desistiu. Os três Peugeots restantes mantiveram o ritmo fortíssimo, e os Audis continuaram a parecer destinados ao insucesso. Mas depois um segundo Peugeot desistiu, por quebra de motor. E a seguir um terceiro. E finalmente o quarto. E a Audi venceu as 24 Horas de Le Mans, colocando três carros nos três primeiros lugares.
Sim, é a história da Lebre e da Tartaruga (embora sejam uma lebre que se recusou a descansar e uma tartaruga que atinge mais de trezentos e cinquenta quilómetros por hora). Todavia, a moral não é que devagar se vai ao longe. A moral obtém-se reparando na estratégia alemã: conceber a viatura com as melhores características globais para o fim a que se destinava (correr numa prova de resistência), acreditar nela e, apesar de a certa altura a concorrência parecer estar a sair-se muito melhor, manter o plano. Por oposição, qual a estratégia dos franceses da Peugeot? Acreditar que a velocidade era o mais importante. Querer andar sempre a fundo. Ignorar os riscos, mesmo após a ocorrência das primeiras falhas.
Filhos da mãe dos alemães, não é? Mas não nos preocupemos; vai tudo correr bem.
P.S.: Para que conste, nunca possuí um Audi. Mais: por causa de Lamy, porque prefiro protótipos fechados, e porque tenho uma costela anti-elitista que se manifesta das formas mais estranhas, até estava a torcer pela Peugeot.
Uma das minhas recordações mais antigas é estar num talude baixo sobre uma estrada que então era em terra e hoje se encontra asfaltada, mesmo por cima da povoação de Folques, na zona de Arganil. Os meus pais encontravam-se junto a mim mas o que se me gravou na memória foi um pequeno carro azul saindo em derrapagem de uma curva por entre uma nuvem de pó. Disparou na nossa direcção, passou quase por baixo de nós e continuou a descer a encosta dançando de curva em curva. O carro era uma berlineta Alpine Renault A110. Tornou-se instantaneamente no meu veículo preferido e nem carros de marcas mais famosas, como um Porsche que passou depois, lhe conseguiram roubar o lugar.
Este ano ganhou a Peugeot, conseguindo finalmente derrotar a Audi, grande vencedora dos últimos anos. Foi pena Pedro Lamy, que tinha carro e companheiros para lutar pela vitória, ter sido abalroado nas boxes logo no início. Mas faz parte. A contingência, as histórias de sorte e de azar, a alegria e a tristeza, a energia e o cansaço – tudo isso é Le Mans.
Fotos pedidas emprestadas aqui.
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