como sobreviver submerso.

Terça-feira, 15 de Junho de 2010
Parábola a trezentos e cinquenta quilómetros por hora

 

Peço desculpa por ainda não estar a pensar em futebol. No passado fim-de-semana disputaram-se as 24 Horas de Le Mans. A luta pela vitória travou-se entre a Peugeot e a Audi. Os Peugeots (quatro à partida) eram mais rápidos dois a três segundos por volta. Dominaram facilmente os treinos e as primeiras horas da corrida. Os Audis pareciam preparar-se para uma humilhação, tanto mais que os Peugeots não davam sinais de abrandar o ritmo. Mas então o Peugeot pilotado por Pedro Lamy teve um problema estranho (quebra de suspensão com danos na coque de fibra de carbono) e desistiu. Os três Peugeots restantes mantiveram o ritmo fortíssimo, e os Audis continuaram a parecer destinados ao insucesso. Mas depois um segundo Peugeot desistiu, por quebra de motor. E a seguir um terceiro. E finalmente o quarto. E a Audi venceu as 24 Horas de Le Mans, colocando três carros nos três primeiros lugares.

 

Sim, é a história da Lebre e da Tartaruga (embora sejam uma lebre que se recusou a descansar e uma tartaruga que atinge mais de trezentos e cinquenta quilómetros por hora). Todavia, a moral não é que devagar se vai ao longe. A moral obtém-se reparando na estratégia alemã: conceber a viatura com as melhores características globais para o fim a que se destinava (correr numa prova de resistência), acreditar nela e, apesar de a certa altura a concorrência parecer estar a sair-se muito melhor, manter o plano. Por oposição, qual a estratégia dos franceses da Peugeot? Acreditar que a velocidade era o mais importante. Querer andar sempre a fundo. Ignorar os riscos, mesmo após a ocorrência das primeiras falhas.

 

Filhos da mãe dos alemães, não é? Mas não nos preocupemos; vai tudo correr bem.

 

P.S.: Para que conste, nunca possuí um Audi. Mais: por causa de Lamy, porque prefiro protótipos fechados, e porque tenho uma costela anti-elitista que se manifesta das formas mais estranhas, até estava a torcer pela Peugeot.

 

(Foto retirada daqui.)


publicado por José António Abreu às 08:35
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Domingo, 14 de Junho de 2009
De noite, a 320 km/h, numa estrada pública

Uma das minhas recordações mais antigas é estar num talude baixo sobre uma estrada que então era em terra e hoje se encontra asfaltada, mesmo por cima da povoação de Folques, na zona de Arganil. Os meus pais encontravam-se junto a mim mas o que se me gravou na memória foi um pequeno carro azul saindo em derrapagem de uma curva por entre uma nuvem de pó. Disparou na nossa direcção, passou quase por baixo de nós e continuou a descer a encosta dançando de curva em curva. O carro era uma berlineta Alpine Renault A110. Tornou-se instantaneamente no meu veículo preferido e nem carros de marcas mais famosas, como um Porsche que passou depois, lhe conseguiram roubar o lugar.

 
Vem isto a propósito da minha paixão pelo automobilismo. As 24 horas de Le Mans terminaram há pouco. Passei pelo menos meia dúzia de horas com o televisor sintonizado nos canais Eurosport, que as acompanharam em permanência. São talvez a última prova automobilística com verdadeira alma, agora que o Dakar a perdeu e que os ralis são provas assépticas que fogem à noite e ao factor resistência. É hoje impossível imaginar um rali com um troço de 56 km, feito às sete da manhã em pleno mês de Março, como o Arganil dos anos oitenta. Ou com as características de um Safari. Como em quase tudo o resto, estamos hoje mais civilizados, bem comportados, lógicos – e aborrecidos. Se calhar J. G. Ballard tinha razão na entrevista que mencionei aqui: não devíamos tentar civilizar demasiado o desporto, sob risco de este perder a função de escape de tensões e frustrações.
 
Apesar da relevância mediática não ter comparação com a da monótona Fórmula 1, Le Mans mantém as características básicas que tornaram a prova especial: exige-se talento, inteligência, capacidade de sofrimento, um veículo rápido e fiável, trabalho de equipa, sorte. Há outras provas de 24 horas que exigem o mesmo, mas nenhuma tem a história de Le Mans. Mesmo a instalação das duas chicanes na mítica recta das Hunaudières (pelas tão politicamente correctas razões de segurança) não conseguiram estragar a pista e as impressionantes velocidades que se atingem (longe dos 405 km/h que ficaram como recorde mas, ainda assim, bem acima dos 300).
 

Este ano ganhou a Peugeot, conseguindo finalmente derrotar a Audi, grande vencedora dos últimos anos. Foi pena Pedro Lamy, que tinha carro e companheiros para lutar pela vitória, ter sido abalroado nas boxes logo no início. Mas faz parte. A contingência, as histórias de sorte e de azar, a alegria e a tristeza, a energia e o cansaço – tudo isso é Le Mans.

 

  

Fotos pedidas emprestadas aqui.



publicado por José António Abreu às 14:47
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