como sobreviver submerso.

Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2011
O frio, o frio...

Ouço as pessoas à minha volta e penso que devia gravá-las. Estou certo de que conseguiria obter excelentes obras vanguardistas, à la Stockausen ou Ligeti. Sinfonia de Tosses e Concerto para Pigarreio e Dois Espirros, por exemplo.

 

(Eu estou bem, obrigado, que tenho bebido muito sumo de laranja.)



publicado por José António Abreu às 13:41
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Sexta-feira, 6 de Novembro de 2009
Apologia do mau tempo

Não desgosto do tempo cinzento. Nuvens baixas e carregadas, neblina, frio, vento, chuva, neve. Condições assim combinam comigo. Ou melhor: proporcionam-me uma imagem mais calorosa de mim mesmo. Fazem com que me sinta um ponto de calor perdido numa Natureza fria e hostil. E isso é agradável. Ridículo, talvez. Ligeiramente egotista. Mas agradável. Eu contra o Inverno. Molhando-me. Avançando contra o vento. Combatendo o frio nas mãos, nas orelhas e na ponta do nariz. Fintando as gripes e as constipações ou batalhando-as energicamente (bom, talvez «energicamente» seja um exagero). O tempo frio e chuvoso combina comigo porque me mostra que sou melhor do que pensava. Quentinho e acolhedor. Pelo contrário, o tempo quente não me faz sentir fresco. No Verão, eu cedo à malevolência da Natureza (temperaturas elevadas são malévolas; veja-se a habitual representação do Inferno). Transpiro, bufo, fico inerte. Quando arranjo forças para abanar uma revista à frente da cara sinto-me ridiculamente pusilânime. Como outros gestos, não passa de uma admissão de derrota. No Inverno, não. Esfrego as mãos com energia e convicção. Aqueço-as com o bafo quente que me sai dos pulmões (soprar-lhes, no Verão, é como tentar apagar um incêndio florestal com uma garrafa de quarto de litro mal cheia de água morna). Corro para evitar a chuva (no Verão, tento nem sequer me mover). Praguejo convictamente (no Verão, quando tenho forças para dizer alguma coisa, saem-me queixinhas irritantes). Sinto-me bem enfiado num sofá a ver um filme ou a ler um livro (no Verão, o próprio conceito de «sofá» é agressivo). O tempo frio é estimulante. Bom, talvez isto seja outro exagero: não o será sempre e não o será para todas as pessoas. Mas, pelo menos, é mais estimulante do que o tempo quente. O cérebro humano não tem ventoinhas suficientes para arrefecer o processador quando estão quarenta graus à sombra. Frita. Estoira. Bum! Mas aguenta bem o frio (se estiver mesmo muito frio pode entrar em modo de hibernação mas a maior parte das pessoas nem nota a diferença).
 
É verdade que prefiro que não haja chuva (excepto quando estou deitado ouvindo-a bater na janela; duvido que haja alguém, mesmo o mais feroz opositor do Inverno, que não goste de estar na cama a ouvi-la). A chuva, como o excesso de calor, é um acto pouco subtil da Natureza. Repare-se como ambos nos deixam encharcados (ainda assim, antes uma boa molha que o corpo liquefazendo-se em transpiração). Já o vento, mesmo forte, é-me simpático. Há irreverência no vento. Estraga-nos a compostura e isso é quase sempre positivo. O vento está-se nas tintas para os penteados arquitectónicos de certas senhoras ou para os guarda-chuvas de arqueado punho em madeira de alguns cavalheiros. Enfrentar o vento é como aquelas lutas bem-humoradas entre amigos. Às vezes exagera-se e a coisa descamba nuns murros a sério mas, geralmente, tudo se mantém dentro dos limiares do divertimento. E depois há o nevoeiro. Desagradável quando se conduz mas – e isto talvez seja demodé mas que se lixe (a aproximação do Inverno quase fez sair um impropério mais colorido) – tão incrivelmente romântico. Uma capa de mistério caída sobre paisagens conhecidas. Um detonador de melancolia benigna (quem é que consegue ser melancólico enquanto transpira e procura respirar debaixo de um Sol monótono?). Quando, há anos, fui a Londres fiquei desiludido por não apanhar pelo menos uns minutos de nevoeiro (retrospectivamente, talvez não tivesse sido boa ideia ir lá no início do Verão mas as estações do ano não podem servir de desculpa a uma cidade que se preze: há tradições – mais que não seja, literárias e cinematográficas – que, uma vez implantadas, merecem respeito.) Mesmo cá, exijo nevoeiro de vez em quando. O nevoeiro é uma mensagem da Natureza. Um pedido para que façamos introspecção. Sem grande sucesso porque, como todos sabemos, o ser humano deixou de prestar atenção à Natureza.
 
Podia ainda escrever sobre a neve, sobre a ondulação marítima, sobre as trovoadas (evitaria sempre o granizo, que é novamente uma manifestação demasiado agressiva e sem pinga de humor ou de poesia), mas não vale a pena alongar-me demasiado (mesmo em dias frios como os que aí vêm poucas pessoas lêem posts longos). No Inverno, a Natureza mostra que tem tomates (tomates metafóricos, sendo ela feminina) e pergunta-nos se também os temos. (Pelos comentários que ouço, parece que não.) E depois há coisa mais bonita do que a luz do Sol furando as nuvens, atravessando uma atmosfera limpa pela chuva, aplicando uma demão de verniz brilhante nos edifícios, nas estradas, nos automóveis e até nas pessoas? Um – e há muito que desliguei o detector de imagens forçadas – sorriso de parabéns da Natureza pelo estoicismo demonstrado. Mostremo-nos à altura.
Nota: este post adquire o sentido pleno ao ser lido com os dois últimos andamentos da Sexta Sinfonia de Beethoven em fundo.


publicado por José António Abreu às 08:41
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