como sobreviver submerso.
Um estudo francês mencionado no Corta-Fitas (leiam o post de Isabel Teixeira da Mota) mostra que, na tradicional questão liberdade vs. igualdade, as pessoas começam a preferir a igualdade em detrimento da liberdade. Que apenas no que é visto como o plano privado se defende mais liberdade. Confesso que estes resultados não me surpreendem.
Todos queremos ser livres mas cada vez mais nos sentimos menos livres. E achamos que isso é por culpa alheia: afinal, se os outros agissem como deviam agir não seriam necessárias regras restringindo a nossa liberdade. (Podemos ter uma ligeira sensação de que nem sempre estamos isentos de crítica mas preferimos ignorá-la porque, ainda assim, somos muito mais cumpridores que os restantes.) Ora, se nós somos permanentemente controlados, escrutinados e chateados, os outros (os tais que parecem passar ao lado das regras) também devem sê-lo. A (presumida) liberdade alheia é-nos insuportável ou, pelo menos, cada vez mais agressiva. Repare-se no descaramento das pessoas que continuam a fazer férias luxuosas em tempos de crise. Ou no dos condutores de Audis e BMWs circulando a duzentos na auto-estrada. Ou no dos gestores milionários. Ou no do nosso vizinho que temos a certeza que foge aos impostos. Tudo isto só pode ser possível por estarem a roubar do bolo comum. Temos que controlar a liberdade deles (porque a usam mal) e estamos até disponíveis para, no processo, reduzir ainda mais a nossa (provavelmente já nem vemos a coisa como uma perda). Escrutinem-se as contas bancárias, apliquem-se coimas absurdas, instalem-se câmaras em todos os recantos públicos, force-se toda a gente a cumprir o código da estrada e a separar o lixo, punam-se exemplarmente todos os criminosos (em caso de dúvida, condene-se), regulamente-se tudo aquilo que se puder regulamentar, formalize-se tudo o que se puder formalizar. Fiscalize-se tudo – e tem que poder ser mesmo tudo. Crie-se o Big Brother. Continuaremos insatisfeitos mas aplaudiremos. Por questões de igualdade.
Todavia, há uma área em que aparentemente ainda queremos ser livres. Cada vez mais livres. A esfera privada. Reina aqui alguma hipocrisia. Queremos liberdade sexual mas penas pesadas para pedófilos ou suspeitos de o serem (e para o ser qualquer dia bastará a um homem rondar demasiado um jardim infantil). Queremos igualdade sexual para homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, bissexuais e transexuais mas vivemos cada vez mais sob o signo das aparências, segregando quem não é atraente. Queremos a legalização das drogas mas, numa segunda fase, como no caso do tabaco, entenderemos as restrições ao seu consumo sob pretextos de saúde pública. No entanto, a hipocrisia é quase irrelevante porque há uma verdade sob tudo isto e a sondagem chega lá: no fundo, defendemos mais liberdade na esfera privada por nos parecer que aí somos todos mais iguais. Não nos sentimos prejudicados pelo vizinho. Ou seja, mesmo na esfera privada o que queremos é mais igualdade. A liberdade é sempre secundária.
P.S. Já agora, partidos como o Bloco de Esquerda beneficiam desta situação e amplificam os seus efeitos, uma vez que parecem dizer às pessoas que a culpa das dificuldades é exclusivamente dos outros (dos ricos, dos que fogem ao fisco, dos que não pagam bem aos trabalhadores, dos que colocam dinheiro em off-shores). Propõem como resposta o balanço perfeito para a mentalidade actual: maior escrutínio de tudo o que tenha a ver com a esfera pública e políticas simpaticamente liberais nas questões ditas “fracturantes”. Não surpreende que o BE venha subindo nas sondagens.