como sobreviver submerso.

Domingo, 9 de Agosto de 2009
A criança

Passei o dia de ontem pensando no que poderia dizer acerca de Raul Solnado. A característica dele que me parece mais interessante – e que talvez suscite muito do carinho que granjeou – era a sua forma relutante de fazer humor. Relutante não no sentido de o fazer contrariado mas no da criança (e já muitas pessoas mencionaram o termo ‘criança’ ao se lhe referirem) que avalia o efeito que as suas piadas tiveram, maravilhado pela reacção mas um pouco céptico por tê-la conseguido tão facilmente. Pense-se nos mais conhecidos sketches dele e ver-se-á grande parte da típica ingenuidade infantil. E a frase “façam o favor de ser felizes” tem ou não implícito o “vá lá, façam-me a vontade” com que uma criança pede um brinquedo? Em Solnado, o cepticismo era doce e o cinismo inexistente. Via-o ontem contracenar com Bruno Nogueira no programa que a RTP apresentou depois do telejornal e reforçava essa impressão. Nogueira, como de costume, fazia de gajo esperto mas presunçoso (papel que desempenha na perfeição); Solnado, até quando lhe chamava “cabrão”, fazia-o num tom que deixava subentendido “olha-me este marmanjo” e não “olha-me este filho da puta”. Mesmo quando desempenhava papéis dramáticos (e confesso as minhas falhas porque recordo poucos), a nota dominante era um desamparo infantil e não verdadeira raiva ou maldade. Relembre-se o magnífico Elias de A Balada da Praia dos Cães. O mundo à sua volta era violento e ilógico e ele enfrentava-o com uma resignação muito adulta mas também com uma incompreensão e uma mágoa muito infantis. Como se realmente não percebesse por que carga de água as pessoas não só não queriam ser felizes como até se esforçavam por ser infelizes. A lógica dos adultos é com frequência triste, Raul.

 

Foto pedida emprestada ao Senhor Palomar.



publicado por José António Abreu às 14:57
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Segunda-feira, 4 de Maio de 2009
O Bip-bip e os checoslovacos (tributo a Vasco Granja).

Morreu Vasco Granja. Para os miúdos (e miúdas, claro) com menos de, vá lá, trinta anos, o acontecimento deve significar pouco. Para os miúdos um pouco mais velhos, a notícia provoca um baque, como se se tratasse de um familiar afastado, que já não se via há muito mas que, nos nossos tempos de criança, aparecia com regularidade, sempre bem disposto, nunca se esquecendo de trazer guloseimas. Um tio benigno e excêntrico, mais ou menos ignorado pelo resto da família. Um adulto diferente, que parecia compreender-nos. Já nós nem sempre o compreendíamos. Ele falava durante um par de minutos sobre um filme de animação checoslovaco e nós não percebíamos patavina. E continuávamos a não perceber quando o filme era colocado no ar. Mas fazíamos um esforço tremendo, porque a falha devia ser nossa. E depois ele falava durante mais dois minutos sobre Chuck Jones ou Friz Freleng e nós ouvíamos já com um sorriso porque a seguir vinha o Bugs Bunny ou o Daffy Duck. Ou a pantera cor-de-rosa. Há anos que não vejo os filmes de animação da pantera cor-de-rosa...

 

Desconfio que os miúdos de hoje, fornecidos por uma dúzia de canais televisivos, pela Internet, por DVDs e salas de cinema, nunca chegarão a ter um Vasco Granja como amigo. De certa forma, ainda bem para eles. Mas nós, os que esperávamos ansiosamente pela sua chegada, curiosos de saber que prendas trazia, sabemos que eles estão a perder qualquer coisa.

 

Dois pequenos vídeos de homenagem.

 

Granja no "Herman Enciclopédia":

 

 

O coyote apanha o road runner (ou melhor, o bip-bip):

 

 



publicado por José António Abreu às 18:55
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