como sobreviver submerso.

Sábado, 12 de Novembro de 2016
Papéis inesquecíveis quase esquecidos (6)

 

Tatum O'Neal, em Paper Moon (Lua de Papel, 1973).

 

Paper Moon, de Peter Bogdanovich, é uma revisitação dos Estados Unidos da época da Grande Depressão, baseada no último livro do escritor e jornalista Joe David Brown. Passado entre grandes espaços (frequentemente no interior de um veículo descapotável), e pequenas cidades, filmado a preto e branco (com filtros vermelhos ou verdes em frente à objectiva, de modo a gerir o contraste), e sempre com elevada profundidade de campo, o filme abre com um funeral. No pequeno grupo de pessoas que ladeia a campa, encontra-se uma rapariga de oito ou nove anos. Subitamente, aproxima-se um carro barulhento. Dele sai um indivíduo que se junta ao enterro. Moses Pray (Ryan O'Neal, protagonista de filmes como Love Story, Barry LyndonThe Driver), diz-se amigo da falecida mãe da rapariga. Ao mencionar que vai para St. Louis, os presentes propõem-lhe que leve a miúda, Addie Loggins, até casa de uns tios, únicos familiares conhecidos, situada em St. Paul, a curta distância de St. Louis. Após alguma resistência, Moses acaba por aceitar.

 

Addie (Tatum O'Neal, no seu primeiro desempenho) rapidamente percebe que na base da disponibilidade de Moses não se encontram noções de solidariedade mas um plano para extorquir dinheiro à família de um ex-amante da mãe, responsável pelo acidente de automóvel em que ela faleceu. Com uma segurança fenomenal, troca-lhe as voltas, impedindo-o de a despachar (sozinha, de comboio) para casa dos tios e forçando-o a incluí-la nas pequenas vigarices com que vai sobrevivendo. (A favorita: entregar a viúvas bíblias pretensamente encomendadas - mas ainda não pagas - pelos falecidos maridos.) Progressivamente, a situação complica-se e a polícia acaba atrás deles.

 

O filme nunca esclarece se entre Addie e Moses existem laços familiares. Ela desconfia que sim e pergunta-lhe logo de início se é o pai dela. A resposta vem negativa, mas sabemos desde cedo - como Addie também sabe - que ele mente com naturalidade. Mente tanto que poderá até estar a mentir sobre o nome, tão adequado a um vendedor de bíblias: «Moses», de Moisés, e «Pray», de rezar. Na verdade, o nome constitui todo um tratado de ironia. Estamos perante um Moisés muito fraco, péssimo enquanto guia (físico ou espiritual), raramente disponível para ouvir a voz da razão, e que pura e simplesmente não reza. Foneticamente, «Pray» também pode ser «presa», uma designação muito mais apropriada à personagem. Igualmente irónico - numa forma, digamos, metacinematográfica - é o facto dos actores serem mesmo pai e filha, e de existirem indícios de que Ryan não terá sido o que se classificaria de pai ideal.

 

Em 1974, Tatum O'Neal até venceu o Óscar de melhor actriz secundária pelo seu desempenho em Paper Moon (como noutros casos, o papel é claramente principal) mas acabou tendo uma carreira cinematográfica discreta. Hoje, será mais conhecida por acontecimentos ligados à sua vida privada: Michael Jackson nomeou-a como primeira paixão; foi detida por posse de droga; casou com o tenista John McEnroe em 1986 e, na sequência do divórcio, ocorrido em 1994, manteve com ele uma batalha feroz pela custódia dos 3 filhos (devido aos problemas de O'Neal com a droga, McEnroe conseguiu-a em 1998); lançou uma autobiografia (A Paper Life, 2005), polémica por nela descrever como viveu desde criança rodeada por drogas (num paralelo perturbador, em 1970 a mãe perdera a custódia de Tatum e do irmão Griffin precisamente por causa delas), como foi abusada aos 12 anos pelo dealer que as vendia ao pai, e como este constituiu sempre uma presença distante, mesmo nas ocasiões em que se encontrava fisicamente por perto. A relação de Tatum com o pai é difícil até hoje e ela deixa claro em entrevistas que ele não a tratava como uma criança deve ser tratada. Um exemplo menor, quase anedótico: quando Ryan participou em Barry Lyndon, forçou-a a ver todos os filmes anteriores de Kubrick (ela tinha pouco mais de dez anos). Outro: Ryan esteve ausente na cerimónia de entrega dos Óscares (que diabos tinhas vestido, miúda?), alegadamente irritado por a filha ter sido nomeada e ele não.
 

Um palavra também sobre Bogdanovich. Fez parte de uma geração de realizadores que despontava no início da década de 70 e vinha altamente influenciada por todo o cinema que acontecera antes. Incluía pessoas como Martin Scorsese, Steven Spielberg, Michael Cimino, Francis Ford Coppola e William Friedkin(*). Todos eles marcaram a época e o cinema, mas vários acabaram por ter carreiras irregulares. Bogdanovich nunca mais atingiu o nível dos seus três primeiros filmes: este Paper Moon, de 1973, e os anteriores The Last Picture Show, de 1971 (com uns muito novos Jeff Bridges, Cybill Sheperd e Cloris Leachman) e What's Up, Doc?, de 1972, que (tanto quanto recordo, dado não o ver há uma eternidade) conseguia tornar Barbra Streisand suportável. (As minhas desculpas à verdade histórica, se por acaso a minha memória se adocicou com o tempo, e aos fãs da senhora, em qualquer circunstância.)

 

Apesar da situação em que Addie se encontra, Paper Moon não é sentimentalista. Pelo contrário, todo o filme é perpassado por uma recusa em vitimizar Addie. A Grande Depressão fizera os tempos difíceis para quase toda a gente. Outras crianças haviam perdido os pais ou, mantendo-os, sofriam maiores dificuldades. A própria Addie tem consciência disto. Sabe que, em termos puramente materiais, não se está a sair mal. Chega mesmo a propor-se ajudar pessoas em pior situação - enquanto simultaneamente cobra mais pelas bíblias àquelas que lhe parecem estar bem na vida (Moses detesta ambas as ideias, no primeiro caso por não querer dispensar dinheiro, no segundo por recear que o excesso de ganância faça com que sejam apanhados - e também por a ideia não ter sido dele). Esta falta de sentimentalismo estende-se a várias cenas politicamente incorrectas: a polícia dispara sem pejo sobre um veículo onde se encontra uma criança, Addie fuma (é verdade que, de início, contra a vontade de Moses) e viaja nos automóveis de um modo que só pode causar desconforto nestes tempos de cadeirinhas obrigatórias e sistemas Isofix. Ainda que também sirvam propósitos de comédia (mas a comédia é uma recusa do sentimentalismo), estas cenas contribuem para situar a acção numa época e para deixar no espectador uma imagem indelével de Addie Loggins. De certo modo, Addie (esplêndida Tatum O'Neal ainda com tudo pela frente) poderia ser uma personagem de Dickens: agreste, voluntariosa, manipuladora, sincera, indomável, carente. Uma criança orfã a fingir de adulto em tempo de dificuldades.

 

Uma das cenas mais difíceis de rodar. Filmada em contínuo numa estrada deserta, bastava um erro no diálogo para ter de voltar-se ao início.

 

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(*) Os dois últimos foram produtores executivos de Paper Moon.



publicado por José António Abreu às 10:25
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Quarta-feira, 21 de Setembro de 2016
Curtis Hanson

 

O realizador Curtis Hanson morreu ontem, em Los Angeles. Nas notícias sobre o acontecimento, a comunicação social destacou dois filmes: L.A. Confidential, uma excelente adaptação do terceiro volume do Quarteto de LA, de James Ellroy, e 8 Mile, famoso acima de tudo pela participação de Eminem. Gostaria de acrescentar um terceiro: Wonder Boys, lançado no ano 2000, com Michael Douglas, Tobey Maguire, Frances McDormand, Robert Downey Jr. e Katie Holmes. Um dos meus filmes preferidos sobre as vicissitudes da vida e dos esforços para a compreender ou, pelo menos, ordenar, através da escrita.

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publicado por José António Abreu às 22:54
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Sábado, 19 de Dezembro de 2015
Outra semana - cinco filmes com Burt Lancaster

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Comecemos por Brute Force, porque foi por aí que iniciei a semana e dele partiram várias derivações. Burt Lancaster, nova-iorquino do Harlem, ex-acrobata de circo (não muito bom), descoberto em 1945 num elevador de Manhattan por um produtor teatral em falta de um actor (muitos jovens permaneciam mobilizados), levado para Hollywood após uma fulgurantemente anónima carreira de três semanas na Broadway, estrela de cinema instantânea ao desempenhar, em The Killers (Robert Siodmak, 1946, baseado num conto de Ernest Hemingway), o papel de um tipo que aceita passivamente a morte quando procurado por um par de assassinos. Brute Force veio logo a seguir. Realizado por um Jules Dassin que, embora nascido na Califórnia, viria a justificar o nome, criando um dos melhores filmes franceses de sempre (lá iremos, noutra derivação), foi precursor de todos aqueles filmes nos quais um grupo de prisioneiros se revolta contra a tirania dos guardas e ainda hoje impressiona pela secura, pela violência de um par de cenas (alguém pediu um delator prensado?) e por uma interpretação memorável de Hume Cronyn, no papel de chefe dos polícias. Lancaster lidera a revolta e é já notória a vertente física das suas interpretações (raramente excepcionais, frequentemente sólidas, ocasionalmente embaraçosas), num estilo que passa por uma enorme contenção nas cenas calmas (em termos de gestos, era o anti-António Silva) e por uma tremenda explosividade nas cenas de acção (ficará conhecido por dispensar duplos mas também por entregar o valor que o duplo receberia a uma instituição de apoio a ex-trabalhadores da indústria do cinema). Brute Force, que alguns consideram alegoria dos tempos insalubres que começavam a desenhar-se e que culminariam na acção do comité de actividades anti-americanas, do senador Joseph McCarthy, impôs definitivamente Lancaster no panorama de Hollywood - ao ponto de lhe permitir assegurar um contrato que não o prendia totalmente ao sistema dos estúdios.
 

 

Nos anos seguintes protagonizou vários outros sucessos de bilheteira, uns mais prestigiantes, como From Here to Eternity (Fred Zinnemann, 1954), onde perturbou inúmeras damas ao rebolar com Deborah Kerr na areia de uma praia havaiana, outros mais claramente populares, de que Vera Cruz (Robert Aldrich, 1954) é um bom exemplo. (The Crimson Pirate, do mesmo Siodmak que o lançara em The Killers, seria outro, com a vantagem de poder ser usado para demonstrar o temperamento explosivo de Lancaster: de tal forma incompatibilizado com ele durante as filmagens, Siodmak decidiu abandonar Hollywood e fazer o resto da carreira na Europa.) Em Vera Cruz, um Western passado no México, Lancaster é um sacana irresistível, cara escurecida pelo sol e amplo sorriso de dentes brancos (ele chamava-lhe «the grin»), a quem se perdoa quase tudo: a ambição desmedida, a falta de honra, a displicência com que encara a morte alheia; apenas a circunstância de comer com as mãos e de boca aberta, sucos escorrendo-lhe pelo queixo, faz com que não se consiga simpatizar a 100% com a personagem. Gary Cooper, na fase terminal da carreira (dois anos depois de High Noon, quatro antes de Man of the West) contracena com Lancaster, mostrando ser um dos poucos colegas de profissão capazes de o olharem de cima (Lancaster media 1,85 m, Cooper 1,91 m). Vera Cruz inclui ainda uma muito atraente Sarita Montiel, revolucionários pobres com princípios admiráveis, autoridades ricas com princípios detestáveis, uma carruagem vermelha com fundo falso e aquela incrível capacidade - só existente nos Westerns - de fazer saltar a arma do adversário com uma bala sem lhe causar sequer um arranhão. Por outras palavras: não é um Western essencial mas é um Western divertido.

 

 

Tendo formado uma companhia de produção ainda na década de 1940 (primeiro Norma Pictures, em homenagem à mulher, depois Hecht-Lancaster, finalmente Hecht-Hill-Lancaster), responsável por vários êxitos nos anos seguintes (incluindo Vera Cruz), em 1957 Lancaster decidiu produzir e - algo inicialmente não previsto - interpretar, ao lado de Tony Curtis, Sweet Smell of Success. O filme é uma obra-prima mas deveria talvez chamar-se Sour Smell of Unsuccess porque quase levou a companhia à falência. As coisas correram mal desde o inicio. O argumentista Ernest Lehman retirou-se por doença, tendo o guião sido completamente reescrito por Clifford Odets, num processo que se prolongou pela rodagem. Lehman mostrara desejo de realizar o filme mas essa tarefa acabou entregue ao inglês Alexander McKendrick, que fizera carreira nos estúdios Ealing (vinha de dirigir o brilhante The Ladykillers). Com a ajuda da cinematografia de James Howe e da música de Elmer Bernstein, Odets e McKendrick geraram um filme genial que, todavia, deixou em choque os fãs das duas estrelas (no caso de Curtis, constituídos em grande medida por raparigas adolescentes). Lancaster encarna o poderoso, arrogante e manipulativo colunista nova-iorquino J.J. Hunsecker (segundo se diz, inspirado em Walter Winchell), que fará o que for necessário para impedir a irmã (com quem partilha residência e por quem está claramente apaixonado) de casar com um músico de jazz. Por seu turno, Curtis é o relações públicas Sidney Falco, disposto a tudo para satisfazer os caprichos de Hunsecker e subir na vida. Lancaster e Curtis engolem os inexperientes Susan Harrison (no papel da irmã de Hunsecker) e Martin Milner (no papel do músico de jazz) em toda e qualquer cena onde entram mas isso apenas acrescenta força ao filme. Sweet Smell of Success, um filme negro até em sentido literal (a esmagadora maioria das cenas ocorre durante a noite), ocupa hoje um dos lugares de topo na carreira de qualquer dos seus protagonistas mas, à época, poucas pessoas estavam dispostas a vê-los em papéis tão ferozmente desagradáveis. Lancaster achou tão pouca piada ao amargo odor do insucesso que, num encontro casual com Ernest Lehman, acusou-o de ser o principal responsável pelo falhanço e ameaçou esmurrá-lo. Lehman terá respondido: «Faça-o. Preciso do dinheiro.»

 

 

Apreciando sucesso comercial, em especial quando tinha dinheiro próprio em risco, Lancaster virava-se no entanto cada vez mais para papéis exigentes e prestigiantes. Ganhou um Óscar por Elmer Granty (Richard Brooks, 1960), criou pássaros em O Prisioneiro de Alcatraz (John Frankenheimer, 1962), foi até Itália filmar Il Gattopardo (1963) com Luchino Visconti (este aceitou-o contrariado e tratou-o mal até ao dia em que, em pleno set, Lancaster o convidou a acompanhá-lo à sala ao lado; depois da conversa a dois - bastante audível do exterior -, ficaram amigos) e, em 1964, deslocou-se a Paris para filmar The Train com o mesmo Frankenheimer que realizara O Prisioneiro de Alcatraz (eu sei, com tal apelido era improvável que fosse outro). The Train começou por ser um projecto modesto sobre a resistência francesa ao roubo de obras de arte pelos nazis mas acabou transformado no último grande filme de acção rodado a preto e branco.

 

Lancaster é Labiche (nome de heroicidade duvidosa mas, como na vida, nem todos os heróis cinematográficos têm a sorte de serem baptizados Luke Skywalker, Snake Plissken ou Max Rockatansky), líder de um grupo de resistentes que trabalham para os caminhos de ferro. O coronel Von Waldheim (Paul Scofield) é um amante de arte que, vendo a guerra perdida (no inicio do filme, os aliados estão a poucos dias de Paris), resolve meter parte do espólio dos museus parisienses num comboio e fazê-lo dirigir-se à Alemanha. O resto do filme consiste numa sequência de sabotagens e perseguições, que inclui ataques aéreos e um choque entre comboios (mais realista do que muitas congeminações digitais dos dias que correm), filmadas com o estilo directo que Frankenheimer sempre privilegiou (relembrem-se as perseguições automóvel do seu último grande êxito, Ronin, filmado um quarto de século mais tarde). The Train dá-se ainda ao meritório esforço de discutir se as obras de arte se destinam essencialmente a quem as sabe apreciar (o coronel acha que sim) e, mais importante, se a sua defesa justifica a perda de vidas humanas. A dada altura, voltando-se para um muito céptico Labiche, um dos resistentes dá talvez a única resposta possível: «Alguma vez viste qualquer dos quadros que estão no comboio? Eu não. Sabes, depois disto acabar, acho que devemos ir dar uma olhadela.»

 

 

The Train foi outro sucesso comercial na carreira de Lancaster, numa fase em que ele evitava os filmes de grande espectáculo. Contudo, participaria noutro apenas dois anos mais tarde. The Professionals (Richard Brooks, 1966) constituiu não apenas o regresso a um tipo de personagem que ele costumava desempenhar na primeira década da carreira (em Vera Cruz, por exemplo) mas também uma espécie de despedida - dele em relação aos Westerns tradicionais (que não aos Westerns tout court) e destes em relação à sua época de ouro (Peckinpah preparava-se para mudar as regras e os anos setenta torná-los-iam antiquados). The Professionals vai buscar inspiração a The Magnificent Seven (já uma adaptação de Os Sete Samurais, de Kurowasa) e é um dos vários filmes saídos na década de 1960 nos quais um grupo de homens se propõe executar uma missão quase suicida (outros exemplos são The Guns of Navarone, The Dirty Dozen e Where Eagles Dare). Apresenta um conjunto de quatro especialistas (interpretados por Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode) que um magnata (Ralph Bellamy) contrata para lhe recuperarem a mulher (Claudia Cardinale), pretensamente raptada por um revolucionário mexicano (Jack Palance). Porém, nem tudo é o que parece e, a haver rapto, talvez não seja por parte do mexicano. O filme tem excelente cinematografia, óptimas cenas de acção (demonstrativas de como, aos cinquenta e poucos anos, Lancaster - que apenas deixaria de fazer jogging já depois dos setenta - ainda se encontra em invejável forma física) e uma sequência entre as personagens de Lancaster e de Palance que, para além de um jogo do gato e do rato, se revela também uma inesperada discussão filosófica sobre o amor, a guerra e as fidelidades e traições que um e outra originam (ambas as personagens estão feridas e vão conversando enquanto procuram a melhor posição para disparar). No final, o amor acaba por vencer tanto a atracção pelo dinheiro como o poder formal do casamento, uma solução que o código Hays - prestes a cair - teria tornado difícil apenas uma década mais cedo (não atacar a instituição do matrimónio era uma das suas várias alíneas).

 

 

Depois de The Professionals, Lancaster participou ainda em vários projectos dignos de registo, cada vez mais afastados do cinema tradicional de Hollywood (The Swimmer, de Frank Perry, Novecento, de Bernardo Bertolucci, e Atlantic City, de Louis Malle, vêm à ideia) mas os seus filmes tardios não entraram nesta «outra semana».


publicado por José António Abreu às 18:08
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Segunda-feira, 14 de Dezembro de 2015
Outra semana

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Na verdade, contando com sábados e domingos, foram nove dias. E até consegui sair de casa na maioria deles.

 

(«Outra» porque em Dezembro dá-me dá-me frequentemente para estas coisas.)

 

(Leitores simultaneamente muito curiosos, desocupados e míopes podem clicar nas imagens para aceder ao Sapo Fotos, onde têm a opção de vê-las em tamanho maior.)

 

(Devia alinhavar umas palavras sobre algumas das obras. Mas antes preciso de descobrir se António Costa ainda é primeiro-ministro e, em caso afirmativo, se Arménio Carlos já ascendeu a ministro do Trabalho. Dependendo da resposta, posso decidir fechar-me em casa mais uma semana a ver filmes do Harold Lloyd e do Buster Keaton.)

 

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publicado por José António Abreu às 18:48
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Domingo, 25 de Outubro de 2015
Papéis inesquecíveis quase esquecidos. 5: Audrey Hepburn, em Two For The Road

 

Em 2010, no Delito de Opinião, o Pedro Correia escreveu um texto sobre Breakfast at Tiffany's. Da primeira letra do título ao último ponto final concordo com tudo. Breakfast at Tiffany's também é um dos filmes da minha vida, como o são vários outros agraciados com a presença luminosa de Hepburn (Roman Holiday, Sabrina, Charade, My Fair Lady). Todavia, sendo esta uma série de textos acerca de obras menos recordadas hoje em dia, é sobre a Audrey de Two For The Road (Caminho para Dois), realizado por Stanley Donen em 1967, que desejo falar.

Mais ainda do que Breakfast at Tiffany's, Two For The Road é um filme agridoce. Ambos possuem momentos divertidos, leves, que geram optimismo, mas onde Breakfast at Tiffany's tem melancolia, Two for the Road apresenta quase sempre acidez. Isto faz com que seja mais difícil gostar dele. E a estrutura - fragmentada, com saltos temporais constantes - não ajuda. (Como seria de esperar, o trailer, mostrado acima, evita quase totalmente os momentos de infelicidade.)

O conceito do filme é simples: seguimos Mark (Albert Finney) e Joanna (Hepburn) numa série de viagens através de França. A mais antiga corresponde àquela onde se conheceram e apaixonaram. As restantes, a diferentes fases da relação. Viajam quase sempre sós, num dos casos acompanhados por outra família. O filme salta entre as viagens sem aviso, obrigando o espectador a situar-se através dos veículos utilizados (progressivamente menos irreverentes), das roupas, dos estilos de penteado e, acima de tudo, do ponto da relação (progressivamente menos feliz).

O guião foi escrito por Frederic Raphael, autor de guiões para filmes como Darling, de John Schlesinger (protagonizado por uma Julie Christie em início de carreira, talvez ainda surja nesta série) e Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick. Raphael admitiu tê-lo baseado nas suas próprias viagens com a mulher. Mas - e também isto ele admite - o diálogo não é exactamente realista. Por num ou noutro momento as terem usado, todos os casais com vários anos de relacionamento reconhecerão as acusações, as indirectas, as ironias. Mas ninguém consegue réplicas tão rápidas e mordazes, tão elegante e certeiramente cruéis, de forma tão consistente. Como num filme ou numa série de um dos mais conhecidos argumentistas actuais, Aaron Sorkin, Two For The Road depura a realidade, concentrando-a em duas horas de encenação.

A realização é de Stanley Donen e custou-me sempre conciliar este filme com os musicais que lhe marcaram a carreira - On the Town (1949), Singin' in the Rain (1952), Seven Brides For Seven Brothers (1954) - ou mesmo com o seu outro grande filme da década de 60, o já referido (no primeiro parágrafo) Charade. Fica-me a sensação de que, ao apoiar Raphael, que lhe propôs a ideia antes de escrever o guião, esperava um balanço mais claramente voltado para a comédia romântica. Mas não parecem ter existido discordâncias entre os dois, pelo que talvez Donen quisesse mesmo alterar o seu registo habitual.

A história de Audrey Hepburn é conhecida. Das dificuldades enfrentadas durante a Segunda Guerra Mundial ao trabalho de apoio à UNICEF, quase tudo foi já discutido até à exaustão. A rodagem de Two for the Road não terá coincidido com um dos períodos mais felizes da sua carreira - a que, excepto por umas quantas aparições fugazes, Audrey colocaria um ponto final dois anos mais tarde. A decisão da Warner Bros. de dobrar a sua voz nas canções de My Fair Lady - e a reacção de alguns críticos a esse facto - magoara-a. Pior: vivia os últimos tempos do casamento com Mel Ferrer, que durava desde 1954 e incluíra dois abortos espontâneos mas também o filho que sempre desejara. Em Two for the Road, encontra-se extremamente magra. Muitas das palavras que tem de dizer e ouvir seriam mais do que palavras escritas por um estranho, remetendo certamente para discussões com Ferrer. Mas nada disso transparece. Os momentos de tristeza parecem genuínos (e como aqueles olhos transmitiam tristeza) mas os momentos de alegria também parecem genuínos (e como aquela voz e aquele riso conseguem ser mais eficazes que qualquer antidepressivo). De resto, Joanna constitui a face optimista do casal. Mark é resmungão e agressivo ao ponto de chegar a sentir-se vontade de entrar no filme e lhe dar um murro no nariz. De dizer a Joanna: larga-o e parte para outra (ou talvez mais exactamente para outro, sendo que um espectador masculino nunca deixa de se colocar no papel desse «outro»). Mas Joanna não desiste, o que pode ser difícil de aceitar para algum público actual (especialmente feminino) porque hoje parece desistir-se mais cedo. Escolheu Mark (na viagem em que se conheceram, ele parecia mais interessado numa colega dela - Jacqueline Bisset, em estreia no ecrã), vê nele o que muitas vezes ele não consegue ver em si mesmo, sabe que grande parte das palavras que lhe saem da boca não são para levar a sério. Mantêm-se estóica, luminosa, quase sempre optimista. No final verifica-se que, pelo menos no ecrã (Hepburn e Ferrer divorciar-se-iam em 1968), havia razões para isso.

Anos mais tarde, questionado sobre a actriz com quem preferira trabalhar (uma pergunta que tende a ser respondida de forma politicamente correcta), Albert Finney não hesitou: «Audrey Hepburn.» Já Gregory Peck considerara as filmagens de Roman Holiday como as mais felizes da sua carreira. Não surpreende. Audrey era um caso especial. Como qualquer pessoa percebe ao ver os seus filmes.

 

Adenda: Maureen O'Hara (outra presença luminosa) faleceu ontem, aos 95 anos. Um dia destes ainda aparecerá nesta série.


publicado por José António Abreu às 09:29
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Sábado, 26 de Setembro de 2015
Papéis inesquecíveis quase esquecidos. 4: Simone Signoret, em Casque d'Or.

Na década de oitenta, já ela falecera, Yves Montand teve um comentário cruel: «Apaixonei-me pela Casque d'Or, encontrei-me a viver com Madame Rosa.» Referia-se a dois papéis de Simone Signoret: a luminosa Marie, com a sua cabeleira dourada (Casque d'Or / Aquela Loira, 1952), e a idosa e pouco atraente Madame Rosa, sobrevivente de Auschwitz, ex-prostituta, ama de filhos de prostitutas, do filme de 1977 La Vie Devant Soi, baseado no livro de Romain Gary com o mesmo título (última edição portuguesa em 2011, pela Sextante, ainda em português não mutilado).

Em abono de Montand, deve salientar-se que a perda de beleza de Signoret não quebrou a relação de décadas que mantiveram e que terminou apenas com a morte dela, em 1985, na sequência de cancro do pâncreas (Montand faleceu seis anos mais tarde e foi sepultado a seu lado, no cemitério Père Lachaise). De resto, ainda que cruel, o comentário mostra-se relativamente exacto (a rodagem de Casque d'Or correspondeu ao período inicial da relação entre ambos, tendo Montand - que não entrava no filme - assistido à filmagem de muitas cenas) e, acima de tudo, útil para perceber o temperamento de Signoret, que fumava e bebia em excesso, era senhora do seu nariz e se mostrava pouco preocupada com a manutenção da beleza da juventude (algo aparentemente impensável para as actrizes - e actores - dos dias de hoje, que começam a esticar a pele da cara mal saem da adolescência) mas muito preocupada com a genuinidade das suas interpretações. (Haverá certamente por aí quem se lembre dela na série policial Madame Le Juge, de 1978, transmitida pela RTP há cerca de 35 anos.)

Nasceu Simone Kaminker no ano de 1921, em Wiesbaden, na Alemanha, ocupada pelos franceses na sequência da Primeira Guerra Mundial. O pai era um judeu de ascendência polaca que servia no exército e mais tarde seria tradutor (em 1934, traduziu em directo para a rádio um famoso discurso de Hitler em Nuremberga). Signoret era o apelido da mãe. A família fixou-se nos arredores de Paris e Simone deixou-se atrair pelos círculos intelectuais, tornando-se parte do grupo de escritores e artistas que frequentava o Café de Flore. Passou a Segunda Guerra Mundial desempenhando pequenos papéis em filmes, sem licença de trabalho devido ao pai, que fugira para Inglaterra em 1940. Em 1944 iniciou uma relação com o realizador Yves Allégret, o qual, numa fase em que já era relativamente conhecida, viria a dar-lhe dois papéis cruciais - em Dédée d'Anvers (Vidas Tenebrosas), de 1948, e em Manèges, de 1950. Teve uma filha com Allégret em 1946 e casou-se com ele em 1948 mas no ano seguinte conheceu o tal rapaz - jovem cantor e actor também nascido em 1921 - que se apaixonou pela Casque d'Or e acabou casado com Madame Rosa. Foi um coup de foudre que resultou em três décadas e meia de vida em comum, durante as quais Simone participou em alguns filmes fundamentais na história do cinema: Les Diaboliques (1955), de Henri-Georges Clouzot, Room at the Top (1959), de Jack Clayton (que, muito justamente, lhe valeu o Óscar de melhor actriz em 1960), Ship of Fools (1965), de Stanley Kramer (ao lado de Viven Leigh, no último desempenho desta), L'Armée des Ombres (1969), de Jean-Pierre Melville.

Como tantas vezes no início da carreira, em Casque d'Or desempenha o papel de uma prostituta. Na Paris dos primeiros anos do século XX, Marie é a preferida de Roland, um criminoso que não vê com bons olhos a entrada em cena de Georges Manda (Serge Reggiani), carpinteiro desde que saiu da prisão por crimes que nunca ficam claros. Numa luta nas traseiras de um bar, Manda mata Roland. Leca, líder do bando a que Roland pertencia e também ele de olho em Marie, incrimina Raymond, amigo de infância de Manda. Para evitar que o amigo seja guilhotinado, Manda tem que escolher entre a liberdade (e Marie) e a confissão que o conduzirá à guilhotina no lugar do amigo.

O filme baseou-se numa história verdadeira ocorrida em 1898 e não teve grande sucesso em França aquando da estreia (ao contrário do que sucedeu em Inglaterra, onde Signoret ganhou um BAFTA). O tom de tragédia iminente terá algo a ver com o assunto, como talvez a recusa em fazer julgamentos de moral (Manda não julga o passado de Marie, a esta não interessa o dele) e a falta de tiradas grandiosas e de juras reiteradas de amor. A relação entre Marie e Manda desenvolve-se muito mais à base de gestos, posturas e, acima de tudo, olhares do que de palavras: Manda quase não se dirige a Marie em todo o filme e esta pouco fala com ele. Tem lógica (as palavras são supérfluas para pessoas que já viram muito e estão cientes da fragilidade da situação e da necessidade de aproveitar o pouco tempo disponível) mas terá sido um pouco desconcertante para o público (e para os críticos) de então. Porém, em grande medida, é este à-vontade imediato, instintivo, que transmite a sensação de estarmos perante um encontro de almas gémeas (estar confortável com os silêncios é algo que costuma ocorrer muito mais tarde nas relações). Jacques Becker, um realizador lento, perfeccionista, discretamente romântico, que - como Jean Renoir, de quem foi assistente - gostava de filmar em exterior sempre que possível (o que fazia disparar os custos), reforça esta sensação através de imagens luminosas, precisas, sem elementos supérfluos, ainda que frequentemente pontuadas com detalhes do quotidiano.

(Casque d'Or pode não ter tido sucesso comercial mas marcou várias pessoas, entre as quais uma rapariga chamada Eunice Waymon, nascida na Carolina do Norte em 1933, que adoptaria o nome artístico Nina Simone em homenagem ao desempenho de Signoret.)

Becker - que nunca obteria um grande sucesso de bilheteira - não foi o primeiro realizador a pegar no projecto de Casque d'Or. Porém, torna-o seu conferindo-lhe uma simplicidade e uma fluidez desarmantes (características dificílimas de obter mas tantas vezes desvalorizadas). Intuindo-se que dificilmente o final será feliz, há na forma como a história se encontra apresentada uma faceta de redenção, de aproveitamento pleno do pouco tempo disponível, que a torna estranhamente optimista - talvez uns quantos dias de felicidade absoluta valham mais do que uma vida de frustrações. Signoret e Reggiani eram actores com estilos muito diferentes - ela mais instintiva, ele mais necessitado de «habitar» a personagem - mas criam ambos figuras memoráveis. Sem uma ponta de overacting, Reggiani compõe um solitário de poucas palavras que não deseja problemas mas não recua perante eles e a quem o destino surge sob a forma de um amor incontornável. Quanto a Signoret, imbui Marie de uma dignidade e de uma força por vezes roçando a insolência (é ela quem escolhe Manda desde o início, circunstância que torna o final ainda mais pungente) que transformam a Casque d'Or numa das personagens femininas mais marcantes da história do cinema e viriam a caracterizar muitos outros papéis seus (recorde-se, por exemplo, a amante preterida de Room at the Top). Nos melhores e nos piores momentos, Marie domina - e ilumina - a tela. Esteja o seu cabelo de ouro apanhado ou caindo-lhe esplendorosamente sobre os ombros.



publicado por José António Abreu às 14:54
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Sábado, 25 de Abril de 2015
Papéis inesquecíveis quase esquecidos. 3: Linda Fiorentino, em The Last Seduction.

A vítima julga-se o caçador. E depois é tarde.

 

A presença de 'bitches' (mais sobre o termo em breve) no cinema americano forma um historial longo e prestigiado. Ficando por algumas das mais conhecidas, Mary Astor, no papel de Brigid O’Shaughnessy, já tentava dar volta ao Sam Spade de Humphrey Bogart em The Maltese Falcon (John Huston, 1941). Falhou (vindo dos livros de Hammett, Spade não deixava a testosterona toldar-lhe o raciocínio) mas abriu o caminho a Phyllis Dietrichson que, três anos depois, levou o agente de seguros Walter Neff (Fred MacMurray) a assassinar-lhe o marido, no que muitos consideram ser o pai do Film Noir: Double Indemnity, de Billy Wilder. Em 1981, Matty Walker (Kathleen Turner) deixou Ned Racine (William Hurt) a transpirar por todos os poros em Body Heat, de Lawrence Kasdan, e uma década mais tarde surgiram duas adaptações do livro As Ligações Perigosas, de Laclos, onde pontificava a sedutora e manipulativa Madame de Meurteil (Glenn Close na versão de Stephen Frears, Annette Benning na de Milos Forman). A última grande ‘bitch’ do cinema americano terá sido Amy Dunne, interpretada pela inglesa Rosamund Pike, que há menos de um ano fez gato-sapato do marido Nick (Ben Affleck) em Gone Girl, de David Fincher (naquele jeito de liberal de Hollywood, incapaz de uma frase politicamente incorrecta, Affleck prestou-se de forma brilhante ao papel). Se me forçassem a ordenar uma lista, contudo, eu talvez atribuísse o papel de 'ultimate bitch' do cinema a Bridget Gregory, corpo e voz de Linda Fiorentino, em The Last Seduction, de John Dahl (1994). E ao chamar-lhe ‘bitch’ não estou a fazer uma apreciação de valor externa ao filme: é a própria Bridget quem o assume durante uma cavalgada sexual no interior de um Jeep Cherokee. De resto, que ela o faça torna-se útil para a definição do conceito: 'bitches' são mulheres que seduzem e manobram homens de acordo com interesses particulares, levando-os a actos contrários ao seu interesse e – no limite – criminosos; são mulheres que vêem sexo e sentimentos como meios para a obtenção de resultados materiais e se encontram perfeitamente conscientes de possuírem um poder que atira quase todos os homens heterossexuais para um estado de ingenuidade e estupidez atrozes (perdoe-se-me o adjectivo mas sou homem e heterossexual). Qual a diferença para homens atraentes e manipuladores? Apenas que estes, tendo os mesmos objectivos (riqueza, fama, poder), são, quiçá em resultado do condicionamento social e sexual a que as mulheres estiveram sujeitas ao longo dos séculos, que as obrigou a especializarem-se em jogos subtis de manipulação, muito mais lineares na forma como procuram atingi-los. Esse condicionamento (de boa saúde em inúmeras latitudes) também faz com que ainda seja desconfortável para muitos homens (e algumas mulheres) verem mulheres no papel de predadoras sexuais - algo inerente às 'bitches', mesmo que, circunstancialmente, elas adoptem a capa de 'donzela em apuros'.
No início de The Last Seduction, Bridget abandona o marido (Bill Pullman, hilariante no meio do desespero) e a cidade de Nova Iorque, levando com ela uma mala cheia de dinheiro resultante de uma venda de droga. Obviamente, o cônjuge não fica satisfeito, muito em especial porque tem dívidas a um agiota com tendência para aparar dedos a quem se atrasa nos pagamentos. A caminho de Chicago, Bridget pára na pequena cidade de Beston e conhece Mike (Peter Berg), um tipo bem parecido mas – percebe-se logo – não excessivamente inteligente. Mike recupera de um casamento irreflectido, está desejoso de abandonar Beston e, naturalmente, deixa-se enfeitiçar pela atitude ‘don’t give a shit’ da citadina Bridget. (Há uma cena deliciosa em que ela, estando na rua a ler o jornal e a beber café, acaba por se meter dentro do carro para escapar aos «bons dias» cordatos dos transeuntes.) O resto do filme é um jogo do gato e do rato entre esposos (sendo que nem sempre o rato é quem parece), com Billy apanhado no meio, tentando convencer-se de que Bridget está genuinamente interessada nele quando vai ficando cada vez mais claro que o seu papel é exclusivamente ajudá-la a desfazer-se do marido e ficar com o dinheiro.
O filme tem voltas e reviravoltas suficientes para constituir um excelente thriller mas é mais interessante pela forma como Bridget se mantém uma ‘bitch’ do primeiro ao último fotograma. Quando Phyllis e Walter se confrontam perto do final de Double Indemnity, não é descabido ver tristeza na expressão dela. Também não é descabido pensar que Madame de Meurteil (na versão Glenn Close como na versão Annette Benning) lamenta o destino do Visconde de Valmont. Na última cena de Body Heat, Matty Walker tem uma expressão melancólica, apesar de se encontrar exactamente na situação com que sempre sonhou: rica, apanhando sol numa praia exótica. Bridget Gregory também surge nos últimos instantes de The Last Seduction mas nada na sua expressão permite acalentar a esperança de que lamenta o que quer que seja. Ganhou e é isso que lhe importa. Ainda hoje, Fiorentino confessa ter sido esse um dos pontos que mais a atraiu no papel: a recusa feroz em ‘sentimentalizar’ Bridget. Na verdade, os tradicionais papéis masculino e feminino estão invertidos no filme. Bridget nunca diz claramente a Billy que o ama enquanto este se esforça por acreditar que, traumatizada pelo casamento, ela apenas resiste a admiti-lo. Mais: tirando os momentos em que tal se revela indispensável para a prossecução do seu plano, Bridget mente muito pouco a Billy. Na maior parte do tempo, nem sequer esconde sentir por ele algum desprezo. É uma combinação de desejo e ilusões (ela não pode ser assim tão cabra) que o mantém interessado. O clímax do filme (pun intended) também nos mostra que Billy é uma personagem com mais dúvidas acerca da sua própria sexualidade do que quer fazer crer. E há ainda o facto de vermos quase sempre o homem incontornável na vida de Bridget – o marido – relegado ao apartamento de Nova Iorque, qual esposa impotente, furiosa por desconhecer o paradeiro do cônjuge.
The Last Seduction foi o terceiro de uma sequência de filmes tematicamente similares de John Dahl. O anterior, Red Rock West, com Nicolas Cage, Lara Flynn Boyle e Dennis Hopper também vale muito a pena. Após The Last Seduction, Dahl ainda realizou obras como Rounders, com Matt Damon e Edward Norton, mas depressa saiu de cena, estando hoje relegado à realização de episódios de séries televisivas. The Last Seduction foi «vendido» à produtora como sendo um filme curto, de rodagem rápida, com violência e sexo, mas Dahl e o argumentista, Steve Barancik, sempre tiveram ambições um pouco mais elevadas. Barancik relata que, após terem chegado a uma versão do argumento que ambos consideravam não poder ser mais reduzida, sob pena da lógica narrativa e da definição das personagens se perder, Dahl lhe telefonou, dizendo que a produtora ainda a considerava demasiado longa e exigia o corte de cinco páginas. Contrariado, Barancik meteu as mãos ao trabalho. Enviou o resultado a Dahl, que lhe ligou escandalizado com as alterações. Barancik perguntou-lhe como havia de encurtar o guião em cinco páginas sem cortar ou reescrever cenas. Dahl deu a resposta óbvia: «Reduz nas margens!» Cinco páginas mais ‘curto’, o guião foi aprovado e o financiamento obtido.
Linda (née Clorinda) Fiorentino nunca foi uma actriz de primeiro plano. Creio ter começado por vê-la em After Hours, de Martin Scorsese, depois achei piada a The Moderns, de Alan Rudolph (um realizador quase esquecido), mas foi The Last Seduction que – passe o pleonasmo – verdadeiramente me seduziu. Para o bem e para o mal, o filme marcou os anos seguintes da carreira de Fiorentino: que William Friedkin a tenha escolhido para protagonizar o fraquinho Jade só pode dever-se a ele e à tendência hollywoodesca para o typecasting. Entrou ainda noutro filme de John Dahl (Unforgettable, de 1996, que não fez jus ao título), em Men in Black, de Barry Sonnenfeld (1997), e praticamente não filma desde o início do milénio. Nem todos concordarão mas arrisco afirmar que The Last Seduction marcou o ponto alto das carreiras tanto do seu realizador como da sua actriz principal.
Deixei para o fim a questão mais perturbadora. Bridget é tão honesta na atitude de desinteresse pelas vontades alheias que as ilusões dos homens que encontra – e, em particular, de Billy – podem não decorrer apenas de ingenuidade mas da assumpção (o passo seguinte a uma percepção que se vem tornando cada vez mais evidente) de que, hoje em dia, o papel principal (talvez único) dos homens é servir os propósitos das mulheres (sejam eles reprodutivos, recreativos ou financeiros) e que, tal como o louva-a-deus é consumido após a cópula, constitui sua função (se não objectivo) extinguirem-se após eles serem atingidos. Uma espécie de desejo de morte nos braços (e na vagina) da mulher mais forte e atraente das redondezas. Afinal, não pode ser coincidência que os homens com quem Fiorentino saiu nos anos seguintes a The Last Seduction procurassem nela – confessa-o a própria em entrevistas – Bridget Gregory. E que ficassem desiludidos por não a encontrarem.


publicado por José António Abreu às 15:58
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Terça-feira, 18 de Fevereiro de 2014
Eu, Gene Kelly, ou como se fica mais são com o avanço da idade.

Por estes dias quase toda a gente anda com auriculares enfiados nos ouvidos. Até eu, de vez em quando. É bom ter música na cabeça. Mas, como naquelas brincadeiras antigas em que se imaginava ser cowboy ou índio, um pedaço de terreno baldio era uma pradaria e se disparava contra colegas de rua ou de escola com espingardas de plástico (entretanto banidas porque estamos todos muito mais pacíficos) ou pedaços de madeira fazendo as vezes de espingardas de plástico, em vez de escolher ser cowboy ou índio no menu da consola de jogos, ver a pradaria no ecrã e disparar contra inimigos sentados noutros sofás olhando para outros televisores (se bem que, em vez de cowboy ou índio, é mais soldado ou alien, que cowboys e especialmente índios são aparições raras nos jogos de vídeo, por estarem pouco de acordo com os mesmos critérios que levaram à abolição da espingarda de plástico), muitas vezes é mais interessante cantarolar o que não se ouve. Ou – tentemos ser exactos – o que se ouve mas não de fora para dentro. Enquanto estudante universitário em Coimbra, descendo sob chuva da alta da cidade para a estação de autocarros, saco de roupa ao ombro, guarda-chuva tão frequentemente fechado como aberto, por défice de chuva digna do termo, excesso de vento ou consciente insensatez, cantarolei muitas vezes Singin’ in the Rain, esboçando mesmo uns passos de dança em raras ocasiões. (Claro que isto foi antes de Kubrick estragar tudo: apanhei uma reposição de A Laranja Mecânica no Gil Vicente ou no São Teotónio, já não sei ao certo, e em vez da imagem de Gene Kelly, feliz da vida, chapinhando nas poças da rua passou a surgir na minha cabeça a de Malcolm McDowell, feliz da vida, pontapeando o cônjuge da senhora que violaria logo a seguir.) Felizmente tal sucedia nas noites de sexta-feira, com as ruas quase desertas, porque, como é fácil de perceber, cantar o que quer que seja sem auriculares nos ouvidos poderia à época e pode ainda hoje ser classificado como loucura. Caso em que o avanço da idade me tornou inegavelmente mais são porque hoje já quase não canto ao calcorrear passeios. Muito menos sem auriculares nos ouvidos. Ou(,) só de longe a longe, As Time Goes By.



publicado por José António Abreu às 22:43
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Segunda-feira, 31 de Dezembro de 2012
Semana do Natal
Não foi mau mas, pelo menos no que respeita a livros, já fiz melhor.

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publicado por José António Abreu às 11:16
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Domingo, 1 de Janeiro de 2012
Resolução de ano novo ou o filme que mais vezes não vi
Em Julho de 2007, Rogério Casanova escrevia no mais-morto-que-comatoso Pastoral Portuguesa: Ainda não li Falling Man, e posso assegurar que se trata de uma não-leitura compulsiva. Aliás, é um dos livros que mais vezes não li nos últimos tempos. Desde que a encomenda da Amazon chegou já o devo não ter lido umas seis ou sete vezes, sempre com um enorme prazer. Casanova, sportinguista frágil como qualquer outro de nós (qualquer outro de nós, sportinguistas, entenda-se), tentava proteger-se da desilusão que seria comprovar a existência de mais um DeLillo abaixo das suas – dele, Casanova, que as suas, leitor, nem consigo imaginar – expectativas. Eu, que li Falling Man e, apesar de não o classificar entre os melhores DeLillo (experimentem Ruído Branco), fiquei convencido de que não teria usado melhor o meu tempo lendo qualquer coisa alinhavada pelo José Rodrigues dos Santos, experimento reacção similar com A Estrada. Não o livro de Cormac McCarthy mas o filme baseado no livro de Cormac McCarthy. Permitam-me que explique.

 

Li o livro, na versão original, ainda antes de McCarthy se tornar conhecido por, afinal, não só aceitar dar entrevistas como dar entrevistas à Oprah. Num understatement incontornável (o inglês é para que possam comprovar que eu seria mesmo capaz de ler o livro no original), posso dizer-vos que ADOREI o livro. Adorei-o a ponto de não me envergonhar de usar maiúsculas ao escrever que o adorei. Li-o, reli-o, fiz-lhe festinhas. E depois soube que, lá pela Hollywood do Michael Bay, tinham decidido fazer um filme baseado nele. Ora eu também gosto de filmes. Gosto tanto, aliás, que gosto até mesmo dos que foram rodados antes de Deus inventar as cores ou a fala humana (num àparte, deixem-me confessar sempre ter achado estranho que Deus tivesse inventado a música de piano antes de dar voz às pessoas mas suponho que isso só demonstra que os Seus desígnios – de Deus, não seus, leitor, nem do Casanova, por muito divino que tanto você como ele se possam considerar – são mesmo insondáveis, conforme alguém, num filme sonoro qualquer – A Vida de Brian? –, terá exclamado um dia). Mas a notícia apavorou-me tanto como qualquer aparição do Ministro das Finanças na televisão. Filmar A Estrada? Como? Onde? Por quem? Mais importante: porquê? A minha reacção imediata foi prometer a mim mesmo que não o veria antes do momento em que obtivesse a certeza absoluta de não sair desiludido ou a Alzheimer me tivesse atacado o suficiente para eu não me recordar do livro. Fui apanhando notícias sobre o filme aqui e ali (Viggo Mortensen, até que não era mal pensado; John Hillcoat, melhor ainda) e, quando o trailer saiu, espreitei. Recuei, horrorizado. E depois não só não vi o filme como dei cabo dos dentes ao rangê-los de cada vez que passava junto a um cinema exibindo o cartaz. Sobrevivi a essas semanas difíceis (mesmo você, caro leitor, que não me conhece, terá de admitir que sou mais resistente do que pareço), A Estrada, o filme, lá acabou por sair de exibição e eu passei uns meses de paz e alegria.

 

E depois saiu o DVD. E depois o DVD entrou em promoção. E depois eu não resisti e comprei o DVD (por acaso foi o Blu-ray, que não quero não apreciar A Estrada só por faltar definição ao apocalipse). E isso foi há cerca de um ano e eu ainda não vi A Estrada. Não o vi em Janeiro e em Fevereiro e em Março de 2011. Tornei a não vê-lo em Abril e em Maio e em Junho. No Verão não o vi várias vezes. E fiz questão de voltar a não vê-lo no Outono e no início do Inverno. Tenho-o aqui ao meu lado enquanto escrevo isto. A capa mostra o Viggo a proteger o miúdo com o braço direito, o revólver na mão esquerda; na parte inferior, o selo de qualidade Selecção Oficial do Festival de Veneza 2009 – a melhor recomendação possível, se considerarmos apenas festivais de cinema ocorridos em cidades banhadas pelas águas do Adriático. Atrás, na ficha técnica, a indicação realizado por John Hillcoat – e eu adorei (em minúsculas) A Proposta (cujo argumento, já agora, foi escrito por um senhor chamado Nick Cave). Mas nem assim. Quase um ano e eu ainda estou para enfiar o disco no leitor (que também está aqui, a meros três metros, por baixo do televisor). Chateia-me, esta incapacidade. Consolo-me um pouco pensando que mais vale tê-lo comprado demasiado cedo do que ser obrigado a fazê-lo depois do fim do euro. Foi um investimento, digo-me. Tal como no caso de outros filmes e séries que, por falta de tempo, ainda não vi. Ou no dos livros. Em vez de mandar os poucos euros que tenho para uma conta na Suíça, converto-os em entretenimento para usufruto futuro. Tem lógica, não? Infelizmente, quando o assunto é A Estrada, nem assim me consigo convencer.

 

E é por isso que decidi fazer do visionamento de A Estrada, o filme, a minha resolução de ano novo. Antes de 2012 acabar, eu hei-de ver este filme.

 

Não me parece que seja hoje. Mas tenho tempo. O ano até é bissexto.



publicado por José António Abreu às 15:06
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Domingo, 13 de Março de 2011
«Charmosa professora» com «vida cristiã ejemplar»
Chama-se Quando a Noite Cai e foi lançado por uma editora sediada em Pontevedra, com sucursal em Vila Nova de Cerveira. Está na Fnac, na secção de drama, e presumo que em muitas outras lojas. Eu desconhecia-o. Os utilizadores do IMDb que se dão ao trabalho de classificar os filmes que vêem gostaram dele, o Roger Ebert não. A capa do DVD tenta fazê-lo passar por um filme erótico mas essa é uma estratégia habitual (Ebert classifica as cenas de sexo como «sweet» mas não demasiado ousadas). Seja como for, tudo isso é secundário perante este texto. Acordo ortográfico? Qualquer dia não existirá é português.


publicado por José António Abreu às 00:07
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Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2011
When Harry Met Sally + AC/DC + Homem de Ferro
 

Há gente com ideias muito estranhas... (Já agora, e for the record, eu cheguei aqui ao procurar outra cena do filme.)



publicado por José António Abreu às 08:28
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Segunda-feira, 27 de Dezembro de 2010
Uma semana

As últimas dezenas de páginas de O Quinto da Discórdia, de Robertson Davies; O Perdão dos Pecados, de Antonio Fontana; Ao Cair da Noite, de Michael Cunningham; O Jardim dos Finzi-Contini, de Giorgio Bassani; Somos o Esquecimento que Seremos, de Héctor Abade Facciolince; Cavalheiros da Estrada, de Michael Chabon; Cossacos, de Lev Tolstói; Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum; Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson; Os Peixes Também Sabem Cantar, de Halldór Laxness. Uns quantos filmes, entre os quais A OrigemUm Homem Singular e O Escritor Fantasma. A segunda série completa de Damages; os últimos episódios da segunda série e os primeiros da terceira de Californication. Tudo considerado, nada mau para uma semana e um dia de férias quase sem sair do sofá. E se não fosse aquela coisa do Natal ainda podia ter sido melhor.

 

(O trânsito está óptimo mas às sete e meia da manhã faz um certo fresco. Já nem me lembrava.)



publicado por José António Abreu às 08:26
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Sábado, 9 de Janeiro de 2010
Estrada a evitar
Realizador deste filme, Hillcoat também me merecia crédito. Mas nem por isso eu deixava de ter medo. Descubro-me com razão demasiadas vezes hoje em dia. E a detestar que isso aconteça.


publicado por José António Abreu às 00:22
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Sexta-feira, 1 de Janeiro de 2010
O balanço
Agora que a década já acabou há dezasseis horas e quarenta e sete minutos (bem, obrigado) começa a ser possível analisá-la com algum distanciamento crítico. Não tendo sido uma década brilhante, podia ter corrido pior. Afinal, tanto eu como quem me lê (com a possível excepção do pessoal do É Tudo Gente Morta) ainda estamos vivos. Em Portugal, foi marcada por uma crise económica (internacionalmente aconteceram duas mas nós, viciados em crises como somos, conseguimos uni-las) e por uma praga. Da crise não vale a pena falar. A praga chamou-se (e chama-se) Partido Socialista: prosseguindo o trabalho preparatório encetado na década anterior, teve no início desta um papel fundamental na origem da crise e empenha-se afincadamente ainda hoje no seu agravamento. Se fosse de atribuir prémios, dar-lhe-ia o prémio «coerência».
 
O acontecimento da década foram, evidentemente, os ataques de 11 de Setembro de 2001, por terem causado milhares de mortos e duas guerras mas, mais importante, por terem criado o vilão com tendências aparentemente apocalípticas que as pessoas mais adoraram detestar desde que Peter Sellers fez de Dr. Estranhoamor. (Mas o sidekick, aquele que disparava em companheiros de caçada, assustava mesmo). Felizmente, o final da década trouxe de novo esperança à humanidade com o surgimento de um super-herói que, ao contrário do Batman, do Surfista Prateado, do Darkman, que são personagens negras, torturadas, quase psicóticas, é apenas negro.
 
Quanto àquelas coisas de «álbuns da década», «livros da década», «filmes da década» e «etceras da década» tenho que confessar que ainda não pensei nisso  a sério. Sim, o álbum da década é provavelmente Funeral, dos Arcade Fire (mas os que mais vezes ouvi foram Regeneration, dos The Divine Comedy, logo em 2001, e o par Wide Awake, It’s Morning / Digital Ash in a Digital Urn, de Bright Eyes, em 2005), o livro da década é A Estrada, de Cormac McCarthy, o filme da década… nah, ainda não vou arriscar, até porque o meu cérebro, filho da mãe irritante que se julga mais esperto do que eu, me está a martelar incessantemente aos ouvidos (não faço ideia de como o consegue, ainda por cima quando lá tenho enfiados um auscultadores debitando Animal Collective) «Chris Nolan, Wes Anderson, Chris Nolan, Wes Anderson…» e não me apetece parar para analisar tudo o que isso implica. Mas não me importo de escolher o videojogo da década (Ico, para a Playstation 2), o desportista da década (Roger Federer, quem mais?*) e o pastel de nata da década (o que comi no dia 24 de Setembro de 2002, em jejum, facto que admito poder ter tido influência na impressão que me deixou).
 
* Eu sei que também há um senhor chamado Tiger Woods mas continuo relutante em chamar desporto a uma actividade em que não se transpira pelo menos um bocadinho.


publicado por José António Abreu às 16:47
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Terça-feira, 8 de Dezembro de 2009
No que pensar em certos momentos delicados
Ainda a propósito desta questão:
 

 

E, já agora, o trailer, para pessoas demasiado novas para saberem quão importante foi o grunge durante um par de anos e que o melhor filme do Cameron Crowe já é de 1992.
 

 



publicado por José António Abreu às 11:45
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Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009
Violência e morte
A morte paira nas obras de Nick Cave. Em The Proposition, filme de 2005 cujo guião escreveu, passado na imensidão de uma Austrália onde se procurava construir um país com base numa população de criminosos (e aborígenes dispensáveis), ela pode surgir a qualquer momento e, ao contrário do que sucede nos típicos blockbusters de Hollywood, tombar sobre qualquer personagem. Porque em The Proposition não há heróis. No início do filme, Charlie Burns, interpretado por Guy Pearce, é colocado perante uma escolha: procurar e matar Arthur, simultaneamente o criminoso mais procurado da região e o seu irmão mais velho, ou ver Mike, o irmão mais novo, ser enforcado. A pessoa que lhe faz a proposta é o Capitão Stanley, um homem amargurado, casado com uma mulher que só por inconsciência ou amor cego (outra forma de inconsciência) alguém podia arrastar para um inferno assim (e só pelas mesmas razões podia aceitar ser arrastada para lá). Talvez por ela, o Capitão Stanley está decidido a civilizar aquela terra – mas para isso necessita de eliminar Arthur Burns. Só que Arthur (uma interpretação portentosa de Danny Huston, filho do falecido realizador John Huston) é a encarnação do mal. De um mal consciente e filosófico. Roger Ebert comparou-o ao juiz Holden do livro Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy (edição portuguesa da Relógio d’Água). É uma comparação adequada. O juiz Holden matava e escalpava sem vacilações, passeava-se nu pela noite do deserto de Sonora, tinha sexo com crianças e fazia discursos crípticos em torno de fogueiras. A personagem que Cave engendrou em The Proposition é similar. É alguém para para quem o mal é uma opção assumida por fazer tanto sentido quanto o bem. Não: por fazer mais sentido do que o bem, uma vez que o bem é apenas a aceitação da impotência. (Outra personagem de McCarthy que lhe pode ser comparada é o mais recente e conhecido Anton Chigurh, de Este País Não É Para Velhos.) No final do filme, sucede o que tem de suceder. A morte (e, por vezes, a civilização) é mais forte do que a maldade. Mas a morte é encarada com resignação e até apaziguamento. Porque, para Cave (ou, pelo menos, para as personagens que cria), a morte constitui um objectivo. Se a maldade (como o sexo) é uma forma de desafio, é também um instrumento útil para a atingir rapidamente.

 

 

(Nota: este é o terceiro post da "Operação Bunny Munro". O primeiro. O segundo.)


publicado por José António Abreu às 19:35
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Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009
O oposto do "chick flick"

Passava eu calmamente à frente dos cinemas do ArrábidaShopping a caminho da livraria Almedina quando o cartaz de um filme me chamou a atenção. Estava (e deve continuar) pendurado ao lado de outros publicitando filmes como Os Homens que Odeiam as Mulheres (idiotas), Estado de Guerra (hmmm, promissor) ou Chéri (arrepio na espinha). Este anunciava, com um orgulho tão indisfarçável quanto o possível a um lençol de papel lustroso de um metro e oitenta e três por noventa e cinco centímetros (medição a olho), o filme Caçadores de Vampiras Lésbicas. Parei de caminhar, quase fazendo uma jovem que vinha a olhar para o ecrã do telemóvel se estatelar contra as minhas costas (travou a tempo e contornou-me com um trejeito de irritação a que não dei importância; tenho as costas largas). Senti um sorriso surgir-me nos lábios. Com a voz do Bruno Nogueira, o meu cérebro disse mas é que é perfeito, pá. Repare-se: caçadores - acção, tiros, sangue, mortes velhacas; vampiras - terror, suspense, caixões, mordidelas no pescoço, dentes caninos, dentes de alho; lésbicas - lésbicas. Que mais pode um homem desejar de um filme?

 

Não me lembrando de ler sobre Caçadores de Vampiras Lésbicas no Ípsilon nem na Premiére (como entretanto descobri que só estreia hoje, talvez a crítica saia no próximo número) fui ao IMDB e descobri que 3408 pessoas lhe deram uma nota média de 5,4. Muito menos que os 9,1 valores de "O Padrinho" (sim, tinha uns tiros, uma música catita e uma Diane Keaton bastante adorável mas  e daí?) ou os 7,9 do "E.T." (um extra-terrestre caginchas e bonzinho? Peeerliiiiiiiiiiiiiiize). Ou o título é a mais descarada e malévola publicidade enganosa que já vi (sim, mesmo superior às garantias do governo de que o TGV fará Portugal ficar mais rico do que a Noruega do bacalhau e do petróleo ainda antes de estar a funcionar), ou só mulheres se dão ao trabalho de votar no IMDB (enquanto os homens navegam em páginas de sexo), ou os homens já só vão ao cinema arrastados pelas mulheres/namoradas/filhos (até porque agora têm a internet e podem navegar em páginas de sexo), ou, definitivamente, os homens já não são o que eram. Como é que dizia o Bruno Nogueira naquela sua outra personagem?

 

(Se eu o vou ver? Errr, acho que não. Estou demasiado ocupado a navegar na internet.)



publicado por José António Abreu às 19:49
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Sábado, 5 de Setembro de 2009
Momentos de tontice

No filme “Things We Lost in the Fire”, Audrey Burke (interpretada por Halle Berry) recorda o falecido marido dizendo “I miss the silliness”. Talvez por força de ilusões teatrais, literárias ou cinematográficas, associamos com frequência o amor à paixão, à transcendência, à angústia. Como a Tereza do Kundera, temos tendência a vê-lo como algo pesado. É menos imediata a associação a momentos de riso e inconsequência. Mas – como, no fundo, todos sabemos muitos dos momentos mais marcantes de uma relação (sexo à parte, ou nem isso), provavelmente os mais importantes para que ela permaneça coesa, são os que, analisados friamente, parecem apenas ridículos. São aqueles que não se contam ou apenas se contam a bons amigos. São aqueles cuja lembrança força um sorriso, mesmo que o momento não o aconselhe. São, como dizia a destroçada Audrey (sorrindo apesar do desespero, ao recordar-lhes a leveza), os momentos de tontice.

 



publicado por José António Abreu às 00:14
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Domingo, 16 de Agosto de 2009
De Rogério Casanova à nudez de Michelle Pfeiffer

Ele escreve com frequência que dorme pouco, o que provoca uma mistura viscosa de pena e inveja no long sleeper que sou. Reacção similar, aliás, à que tenho ao ver o prazer que extrai dos calhamaços dietilamido-lisérgicos de Thomas Pynchon. As horas impróprias para qualquer ser vivo com hélices de ADN razoavelmente humanas estar defronte de um computador a que coloca os cada vez mais raros posts provam que efectivamente dorme menos que o professor Marcelo (deve ser bom ter-se um nome que dispensa apelidos) e fazem-me pensar no filme Into the Night, de John Landis, no qual um insone Jeff Goldblum vagueava por uma Los Angeles nocturna e modorrenta, arrastando atrás de si uma muito nova e fresca Michelle Pfeiffer que era perseguida por um grupo de – repare-se bem nisto – iranianos (o eixo do mal não é de agora) chateados por ela ter roubado umas jóias quaisquer. O filme, que (informação para outros sofredores de insónia) se encontra integralmente disponível no Youtube, fatiado em doze porções, está tão longe de ser uma obra-prima como a Carolina Patrocínio de conseguir ler o Gravity's Rainbow num fim-de-semana não prolongado sem ajuda da empregada mas ficou-me na memória porque aquela personagem do Goldblum me pareceu muito mais estranha e assustadora que a mosca do filme do Cronenberg a que ele deu corpo no ano seguinte, e porque Michelle Pfeiffer ainda não tinha estatuto para evitar aparecer nua. E aqui está finalmente um pensamento para me ajudar a manter acordado ou, pelo menos, a adormecer com um sorriso nos lábios.



publicado por José António Abreu às 02:47
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Quarta-feira, 22 de Julho de 2009
Entre a realidade e a ficção: Berlim, cidade do futuro

                        

Caminha-se por Berlim encontrando pedaços que não parecem pertencer-lhe. Pedaços no sentido literal (do muro, por exemplo) e em sentido figurado (memoriais, edifícios, artistas de rua fardados como agentes da Alemanha Oriental ou como soldados do exército soviético). O próprio Reichstag é um desses pedaços. A Berlim actual é a sua cúpula de vidro, metal e espelhos desenhada por Norman Foster, não as pedras centenárias que a suportam. De certa forma, Berlim é a antítese de Veneza. Veneza é um cenário mantido para consumo turístico. É tudo genuíno mas parece tudo uma encenação. Está parada no tempo, à espera de um futuro (talvez o momento em que as águas do Adriático resolvam finalmente engoli-la). Berlim não espera. Tudo é novo, mesmo as partes antigas (foram quase todas reconstruídas, como a bela praça de Gendarmenmarkt). Tudo parece vivo. Ou então incongruente. Vejam-se os memoriais. Entende-se por que são tantos. Entende-se mas não deixa de se estranhar, como se, eles sim, fizessem parte de uma encenação. O memorial dedicado ao povo judeu, o memorial dedicado às vítimas da guerra e da tirania, o memorial evocando os 96 membros do Reichstag mortos pelos nazis, as linhas no pavimento marcando a posição do muro… Será possível olhar-se para Checkpoint Charlie e sentir que aqueles painéis com fotografias e aquela cabina quase ridícula fazem sentido? Ou os pedaços do muro em Potsdamer Platz, rodeados por gigantescos edifícios de vidro? Na verdade, tudo isto faz apenas sentido como instalação de arte pós-modernista. É uma forma de Berlim dizer ao visitante: repara como integro e apresento o passado. E como ele foi estranho e incómodo.

 

Ou talvez não seja Berlim. Talvez sejamos nós. Talvez a culpa (termo que sinto dever evitar mas não consigo) seja nossa (do visitante), pela forma como assimilámos não só o horror da guerra (a segunda e a fria) mas também dezenas de livros e filmes e esperamos que tudo ainda seja visível no local. Comecemos pela realidade. Como é possível que Bebelplatz, enorme, serena, constantemente atravessada por berlinenses de bicicleta e por turistas com máquinas fotográficas, com um enorme cartaz da Mercedes de um dos lados, seja a mesma onde vimos os nazis queimaram os livros que consideravam subversivos e degenerados? Como pode este Reichstag ser o mesmo que se vê em escombros em fotos tiradas após a guerra? Como pôde esta porta de Brandemburgo ter estado bloqueada durante décadas por um muro de cimento? Uma das lições – frequentemente repetida mas sempre difícil de aceitar – é que coisas horrendas acontecem em locais aprazíveis. A outra é que a cidade e a sua história são demasiado poderosas para a imaginação do visitante. E depois há a ficção. Alec Leamas e George Smiley não têm lugar nesta Berlim, como o não tem Harry Palmer. Leonard Marnham não caminhou por estes passeios com um cadáver esquartejado dentro de uma mala. Hitler não passou os últimos dias num bunker sob estas ruas, proclamando, antes de casar com Eva Braun e de cometer suicídio, que, não tendo sido o povo alemão suficientemente forte para ganhar a guerra, merece o extermínio. Chega-se a Berlim prenhe com visões destas e a cidade não está lá para nos fazer a vontade. E as visões que escapam mais ou menos incólumes (talvez Franz Biberkopf tenha passado por Alexanderplatz, talvez Marlene, o anjo azul, tenha cantado num cabaret algures), fazem-no porque retratam figuras (ou acontecimentos) que estão para Berlim como o primo Basílio está para Lisboa ou os miúdos de Aniki Bobó para o Porto: pertencem à história “normal” (mesmo que ficcional) de qualquer cidade e, por isso, não exigem esforços (singelos, culpados, incoerentes) para nos mostrar que existiram e, mais importante, que não devem voltar a existir. Com estas poucas excepções, devem apagar-se as imagens construídas em torno de livros e de filmes. Mantenham-se as históricas mas, ainda assim, não se vá a Berlim à espera de uma cidade-museu. Esta é uma cidade nova, de pedra mas muito mais de metal e de vidro. Uma cidade que optou por continuar. Onde as tílias da Unter den Linden não geram sonhos políticos a escritoras em perda ideológica. Onde a nova cúpula do Reichstag é uma exaltação da arquitectura contemporânea e não um lamento pelo passado. Onde as inúmeras referências a esse passado são apenas balizas para o futuro. Porque ele tem um peso demasiado elevado para ser carregado às costas. O mesmo – e eu não sou alemão – que me forçou a ter que reprimir após cada frase deste post a vontade de realçar a malignidade do regime nazi ou a incongruência da divisão da cidade durante a guerra fria.

 

Fotos (todas tiradas no passado fim-de-semana):

1 - Pedaço do muro em Potsdamer Platz;

2 - Uma das fotos evocativas de Checkpoint Charlie existentes no sítio onde ficava;

3 - Um dos Trabants da Trabi Safari;

4 - Brincando na rua;

5 - Memorial dedicado às vítimas de guerra e de tirania;

6 - Memorial dedicado ao povo judeu.



publicado por José António Abreu às 20:57
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Segunda-feira, 29 de Junho de 2009
Viagens em lista de espera. 3: Bruges.

Ponto um: fica na Bélgica. Ponto dois: a minha vontade de visitar Bruges pode ser totalmente atribuída ao filme Em Bruges. Admitir isto deve parecer um bocado ridículo mas as coisas são assim: com frequência, as nossas motivações são ridículas, pelo menos para os outros (na nossa cabeça fazem sentido mesmo quando não o conseguimos passar a escrito). De qualquer dos modos, a minha vontade de visitar Bruges deve-se ao filme. Antes de o ver, a cidade não era sequer um blip no meu radar. Torna-se evidente que, numa circunstância destas, o risco de desilusão é enorme. Afinal, as coisas nem sempre são como no cinema. E, assim de repente, na Bélgica pouco mais há que me interesse. (A não ser as tabletes de chocolate Guylian com 56% de cacau e avelãs inteiras mas isso arranjo por cá.)

 
A Bélgica é um país curioso. É grande, bilingue, está no centro da Europa, e, no entanto, surge como irrelevante. E não é de agora. Pensem lá em quantos episódios significativos da história belga conhecem. (No improvável caso de algum belga, ou descendente de belgas, estar a ler isto, é favor abster-se.) Existem também muito poucos produtos ou pessoas que se associem à Bélgica. Como fã de ténis, não posso passar por cima (é uma maneira de dizer…) da Kim Clijsters e da Justine Henin. A primeira porque tinha (vamos ver se ainda tem, quando regressar este Verão) um estilo espectacular e cheio de garra, a segunda porque tinha um estilo perfeito e cheio de garra. Como fã de automobilismo devo também mencionar o circuito de Spa-Francorchamps, um dos mais espectaculares do mundo. Ouço dizer que os benfiquistas ainda relembram com emoção um guarda-redes qualquer mas as emoções dos benfiquistas dizem-me pouco (excepto quando estão tristes na sequência de derrotas com o Sporting) e não me fazem ter vontade de ir à Bélgica. Os franceses contam anedotas sobre os belgas (pergunta: o que se faz se um belga nos atirar uma granada? resposta: tira-se a cavilha e devolve-se a granada), mas parece-me que isso diz mais sobre os franceses que sobre os belgas. E, como sucede quando o resto de Portugal conta piadas de alentejanos, até pode indiciar alguma ternura. (OK, no caso dos Franceses provavelmente não.)
 
Depois do filme vim à net pesquisar um pouco mas, para ser franco, nada de muito relevante surgiu. A história da cidade é interessante mas não mais que a de muitas outras cidades pela Europa fora. (Foi um importante porto e centro comercial na Idade Média mas entrou em declínio quando perdeu essa posição para Antuérpia por volta do século XV, na sequência do assoreamento do canal de ligação ao oceano.) A zona histórica é belíssima e património da humanidade mas isso também a do Porto. (A de Bruges é medieval mas não será difícil que se encontre em melhor estado de conservação…) Parece que, por ter canais, é conhecida como a “Veneza do Norte” mas isso também uma mão-cheia de outras cidades do norte da Europa. Assim sendo, a vontade de lá ir continua a poder ser totalmente atribuída ao filme. O que pode realmente parecer um bocado ridículo mas é a única explicação sincera que, mesmo depois deste texto todo, continuo a conseguir arranjar.
 
(Apercebo-me agora que, para quem se deu ao trabalho de o ler, mais que um incentivo para visitar Bruges, este post poderá servir de incentivo para ver Em Bruges. Se assim for, já fico bastante satisfeito.)
 

É sempre recomendável ler as letras pequeninas: não sei se este clip de vídeo incitará alguém a ver o filme ou a visitar Bruges mas sei que pessoas sensíveis a linguagem obscena devem abster-se de clicar no botão Play.

(Fotos retiradas daqui.)



publicado por José António Abreu às 13:34
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Quinta-feira, 16 de Abril de 2009
Daltónicos ao contrário e uma sugestão para aumentar a venda de livros.

Parece que não poucas pessoas desistem imediatamente de ver um filme se este for a preto e branco. Sentam-se todas satisfeitas para assistir a uma treta colorida qualquer (de preferência com tiros e perseguições) mas fazem «Eurghhh…» perante os primeiros frames do Casablanca (o que é injusto, porque o filme começa logo com a polícia a perseguir “os suspeitos do costume” pelas ruas da cidade). Estas pessoas – presumo – desconhecem um conjunto de filmes soberbos. Ou melhor, ouviram falar deles e viram umas quantas imagens aqui e ali, o que para elas é mais do que suficiente. Ou então viram umas versões coloridas, com um Bogart ou uma Baccall de pele sépia, que só lhes reforçam a convicção de que os filmes antigos são uma porcaria (e, quanto a este ponto, nem posso discordar porque os filmes assim ficam verdadeiramente uma merda). O meu receio – honestamente – é que a condição seja provocada por um qualquer problema de saúde. Podemos estar perante daltónicos invertidos (hmm, não sei se a expressão não poderá ter mais que uma leitura…), uma doença, tanto quanto sei, ainda não descoberta. O ministério da Saúde devia implementar um programa de rastreio para tirar dúvidas. Numa primeira fase, talvez bastassem uns espaços nos corredores dos principais centros comerciais.

 
Já agora: são provavelmente estas pessoas que também não lêem livros. Mas, neste caso, a solução encontrada para o cinema pode trazer excelentes resultados, com reduzidos efeitos negativos. Estamos perante uma arte muito menos visual que o cinema, pelo que sugiro às editoras que experimentem imprimir os livros em letras coloridas. Afinal, a pele do Bogart podia umas vezes estar mais bronzeada, outras menos, e a iluminação dos filmes antigos foi pensada para o preto e branco. Nenhum desses problemas existe com os livros. Alguns puristas (velhos do restelo) poderão resmungar ao ver o Guerra e Paz impresso em letras verdes, azuis, vermelhas, amarelas e rosa (imagino «perde-se a imersão» e patetices do género), mas é preciso acompanhar os tempos. E para os daltónicos tradicionais será absolutamente indiferente.
 

(Parece que a Fuji acaba de lançar no Japão o primeiro leitor electrónico de livros com ecrã a cores - ver aqui. Bingo. Sempre na vanguarda, os Japoneses…)



publicado por José António Abreu às 18:28
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