como sobreviver submerso.

Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 2010
Zeros e uns
Um post de José Mário Silva no Bibliotecário de Babel chamou-me a atenção para um texto de José Vegar em que este analisa as possíveis consequências da progressiva passagem dos livros a suporte digital. Estou globalmente de acordo com o texto e acho de um insustentável optimismo as visões (bem patentes em alguns comentários ao post de José Mário Silva) defendendo que apenas as editoras (essas maléficas entidades) perderão com a mudança, que o livro se «democratizará», e que mais gente poderá publicar e ser lida. Será conveniente principiar por declarar que nada tenho contra os suportes digitais. Para além de um leitor MP3, possuo um Kindle. Mas, ao contrário dos referidos optimistas, vejo como muito preocupante a possibilidade de subsistência dos escritores que não sejam best-sellers.
 
Parte do problema é mais ou menos óbvia, tem sido razoavelmente debatida e prende-se com a inexistência de fontes de rendimento alternativas para os escritores. Os músicos podem dar concertos e cobrar ingressos (não por acaso, o preço destes disparou nos últimos anos, num esforço para compensar as perdas na venda de CDs). Os escritores, não. Se as pessoas passarem a ver o livro como já vêem a música (isto é, como algo que se obtém gratuitamente), os escritores, e em especial os menos conhecidos, não terão outra hipótese que não escrever no tempo que o verdadeiro emprego lhes deixar disponível. (As consequências para o cinema poderiam ser ainda mais graves, uma vez que fazer filmes exige o dispêndio de somas elevadas; daí a aposta em tecnologias como o 3-D, que funcionam muito melhor numa sala de cinema do que numa sala de estar.)
 
Este é o ponto mais evidente. Mas não é o único nem o que me levou a escrever este texto. Há umas semanas a Economist trazia um artigo sobre como a internet, tendo facilitado o acesso à cultura e multiplicado as escolhas, vem provocando a concentração dos interesses das pessoas em cada vez menos obras. Os estúdios cinematográficos apostam mais em blockbusters e sequelas de filmes de sucesso, as editoras (de música, livros, jogos) em nomes seguros. Os principais prejudicados nem são as obras que já antes eram para franjas da população (continuam a sê-lo e até têm maior facilidade de exposição) mas aquelas que ficam entre o sucesso planetário e os circuitos de culto. Ou seja, a maioria. A explicação? As pessoas não têm tempo nem disponibilidade para escrutinar tudo o que vai saindo e querem ter um denominador comum. Precisam de temas de conversa, para além do estado do tempo, das peripécias dos filhos e dos resultados do campeonato de futebol. Ora só os grandes sucessos constituem terreno comum. Isto já acontecia antes mas a internet, ao disponibilizar tanta informação não filtrada, agravou o problema.
 
Para muitas pessoas, esta mudança não trará consequências notórias. Como antes, usufuirão do que estiver a dar (os tais blockbusters ou best-sellers), sem repararem que a oferta está mais estratificada. As consequências ficam para os cineastas, escritores e músicos que gostariam de construir uma obra sólida num meio-termo de exposição mediática, que não conseguirão apoio porque as probabilidades de que alguém repare neles é demasiado baixa (as franjas são excessivamente radicais para o fazerem, o grande público demasiado distraído). Alguns terão a sorte de se tornarem fenómenos da net como, de resto, já existem vários exemplos no universo musical. Mas serão poucos e, no caso da literatura, é dúbio que consigam gerar rendimentos para poderem viver da escrita. Ainda por cima, a internet também acelerou o processo de obsolescência: é-se um génio num determinado momento, está-se gasto no seguinte. (Ou, como diria Heidi Klum, «One day you're in, the next day you're out.»).
 
É por tudo isto que não estou optimista e que vejo com algum cepticismo o argumento de que a internet e os formatos digitais permitem uma maior disseminação da cultura. O potencial existe mas poucas pessoas excepto as que já hoje compram livros ou no passado compravam discos usam ou usarão esses meios para expandir horizontes, sendo que mesmo estas podem acabar por concluir que a oferta se reduziu e – neste caso não tenho sequer dúvidas, porque sucedeu com a música o esforço necessário para descobrir as obras de qualidade é muito maior do que antes (umas quantas das tais maléficas editoras dão algumas garantias de qualidade). Quanto à esmagadora maioria, apenas os utiliza e utilizará para obter aquilo de que se fala. Num ponto quase todos convergirão: a pouca vontade de pagar um cêntimo pelo que quer que seja.
 
P.S.: Há leiam os comentários ao post do Bibliotecário de Babel quem encare como extraordinariamente positiva a possibilidade de no futuro nos podermos 'ver' nos espaços descritos no livro, e de termos até possibilidade de interagir com e alterar a história. Esta última hipótese já existe e chama-se «jogo de vídeo». Quanto à primeira, faz-me uma certa confusão tanta vontade de ver as coisas em vez de as imaginar.


publicado por José António Abreu às 18:50
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Quinta-feira, 9 de Julho de 2009
Como estragar um post cheio de sensibilidade sobre um filme para mulheres e um par de sapatos

Os jornais Metro e Meia Hora de hoje trazem em destaque na primeira página um novo filme – “A Proposta” – protagonizado pela simpática mas cinefilamente descartável Sandra Bullock (gosto de ti na mesma, miúda). Podia discutir-se a relevância jornalística do assunto mas, como qualquer pessoa com um neurónio em razoável estado de funcionamento já percebeu que as primeiras páginas dos jornais gratuitos nada têm a ver com critérios jornalísticos, não vale a pena ir por aí. O Pacheco Pereira que o faça no seu novo programa. A mim prendeu-me o olhar a enorme foto na primeira página do Metro que mostra uma Sandra Bullock de joelhos no passeio perante um homem ligeiramente curvado. Para as sensibilidades feministas não ficarem já eriçadas, esclareça-se que Bullock tem afixada na face visível (a esquerda; e, como nunca me apercebi que a simpática texana fosse aparentada com o Two-face das histórias do Batman, a direita deve apresentar as mesmas condições), uma expressão que indica ter plena consciência da figura que faz mas, ainda assim, estar divertida. Uma expressão a modos que “ó pra mim a fazer de rapariga tolamente apaixonada”. Sem ter lido uma linha sobre o filme, aposto que é uma obra-prima da dimensão de um While You Were Sleeping, também com Bullock, ou de um Serendipity, com essoutra adorável rapariga, estrela de tantas obras-primas quanto os prémios Nobel que Lobo Antunes já ganhou (mas ambos merecem muito mais), Kate Beckinsale. (É verdade que Serendipity tem o John Cusack, o que transforma automaticamente qualquer filme numa obra-prima ou, se incluir também a Joan Cusack – como o Grosse Point Blank –, numa obra-irmã). Ainda assim, como o(a) leitor(a) – sim, acorde, estou a falar consigo – certamente já percebeu, tudo isto serve apenas de introdução para o verdadeiro assunto deste post. E esse assunto (reúnam as senhoras, por favor) é sapatos. Na foto, Sandra calça um par de sapatos pretos de salto muito, mas muito alto. (Nesta época de preocupações com a saúde tem uma certa piada que as mulheres se estejam nas tintas para a saúde da sua – delas – coluna vertebral mas, como homem, nada tenho contra um belo par de pernas encavalitado num par de sapatos de salto muito, mas muito alto.) Como Sandra está de joelhos, os saltos ficam espetados no ar num ângulo de aproximadamente trinta graus com a horizontal (lá por estar a falar de sapatos não vou deixar de ser homem), criando duas armas brancas (que, no caso, são pretas) que deviam estar na lista das armas proibidas. Mais importante, as belas biqueiras pretas envernizadas roçam no pavimento, sendo impossível que tenham terminado a cena incólumes. Ora, num filme direccionado ao público feminino (e a homens sensíveis como eu), este parece-me um erro de proporções bíblicas. Espero bem que, no genérico final, surja a indicação de que nenhum sapato foi maltratado durante a rodagem do filme e que, nas entrevistas ao Mário Augusto, a realizadora (Anne Fletcher, que nada me diz) explique que Sandra estava descalça e que os sapatos foram acrescentados digitalmente depois de rodada a cena. E, agora que a imagino fazendo a cena sem sapatos, não resisto também a imaginar que toda a roupa foi acrescentada à posteriori (até porque entretanto descobri isto, onde Sandra refere cenas de nudez e explica a forma correcta de fazer um filme), o que permitiria poupar imenso em guarda-roupa e abre um novo leque de interpretações para uma cena de um filme chamado “A Proposta” onde uma mulher atraente se encontra de joelhos defronte de um homem em pé, com uma expressão (pelo menos na face visível) de menina transgressora. As feministas e os sapatos que se lixem.



publicado por José António Abreu às 18:42
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