Simpatia para com Putin. Desejo de aderir à Aliança Bolivariana, onde pontificam regimes como o de Cuba e o da Venezuela. Abandonar a NATO. Alterar os tratados que regem o euro. Estabelecer um «novo papel» para o BCE. «Libertar» as finanças públicas das «garras» dos mercados financeiros. Criar um «Fundo Europeu de Desenvolvimento Social» para a «expansão dos serviços públicos, do emprego e das qualificações». Aumentar o salário mínimo em 15% (para os 1700 euros). Fixar o tempo de trabalho nas 35 horas semanais e limitar as horas extraordinárias («sob controlo de representantes dos trabalhadores»). Instaurar tectos salariais. Aumentar o poder dos trabalhadores nas empresas e dos cidadãos nas instituições bancárias. Fixar a idade da reforma nos 60 anos, com pagamento integral das pensões. Integrar 800 mil precários na Função Pública. Implementar um plano contra a «especulação imobiliária». Congelar as rendas. Construir 200 mil habitações sociais. Criar um «estatuto social» para os jovens, remunerando-os em situações como a procura do primeiro emprego. Nacionalizar empresas, com enfoque nas do sector sector energético (e.g., Total). Criar «pólos» públicos de produção em vários sectores (energia, banca, medicamentos, ...).
A maior tragédia da candidatura de Donald Trump seria a sua eleição. Felizmente, tal começa a parecer improvável.
A segunda maior tragédia da candidatura de Donald Trump - como, de resto, da maioria dos populismos, sejam estes de direita ou de esquerda - é distorcer o debate, afastando-o dos temas e das soluções que verdadeiramente importaria discutir.
As políticas de Barack Obama, que Hillary Clinton prosseguirá, são passíveis de inúmeras críticas: o aumento exponencial da dívida, a que correspondeu apenas um crescimento tímido da Economia; os riscos gerados pela política financeira, de - não obstante a retórica em contrário - apoio a Wall Street; a estagnação dos níveis salariais; o recrudescimento da violência racial; a tendência para o aumento de impostos; as hesitações e contradições da política externa. Seria fundamental que existisse uma oposição à altura, chamando a atenção para estas e outras questões (mas questões verdadeiras, não as que se baseiam em números inventados ou em sensações, como o putativo aumento da criminalidade) e avançando com propostas alternativas, concretas e viáveis. No mínimo, a discussão forçaria o Partido Democrata a clarificar e a refinar propostas. Nada disso está a acontecer. As frases ocas de Trump, a sua incoerência e a sua incapacidade para manter a discussão no plano das ideias (invariavelmente, e ao melhor estilo autocrático, ele responde a críticas de cariz político com descabelados - perdoe-se-me o trocadilho - ataques pessoais) deixa terreno aberto a Clinton para que possa ser eleita não apenas com relativa facilidade mas sem ver o seu programa devidamente escrutinado.
Isto é terrível para a democracia. Os populismos são perigosos por criarem realidades alternativas e fazerem muitas pessoas acreditar no impossível, mas também por (1) levarem os adversários a entrar por seu turno na baixa política dos ataques pessoais e das promessas irrealistas (ou, a prazo, prejudiciais), (2) diminuírem a extensão e qualidade do debate sobre o que verdadeiramente é possível fazer, e (3) queimarem pontes para compromissos futuros. Mesmo que os populistas não vençam as eleições, a conjugação destes factores aumenta a probabilidade de que sejam (ou continuem a ser) implementadas políticas erradas. E o resultado de políticas erradas é o aumento da insatisfação e dos populismos. O círculo vicioso perfeito. O círculo vicioso em que o Partido Republicano se deixou aprisionar. (A terceira maior tragédia da candidatura de Donald Trump é o modo como fragiliza o partido de Abraham Lincoln, ainda que - sejamos honestos - o processo tenha começado antes dela.) O círculo vicioso que, com ligeiras variantes, elegeu o Syriza, deu força ao Podemos, ao UKIP, à AfD e à Frente Nacional, destruiu o PASOK e ameaça o PSOE, e poderá vir a esvaziar ou a fragmentar o PS, se - e talvez fosse mais adequado escrever «quando» - o falhanço da demagogia em curso forçar uma crise.
Descobri hoje que partilho a secção de voto com Rui Rio. Votámos quase em simultâneo. Ainda espreitei mas - lamento - não posso garantir que ele tenha votado em Marcelo.
1. Intróito com auto-citação
Permitam-me recuperar parte de um texto pré-histórico (bom, de Julho de 2009):
O conceito de «presidente de todos os portugueses» é, pelo menos na forma como habitualmente surge, um logro. Nenhum presidente representa «todos os portugueses» no sentido de ter que agir como cada um deles deseja. Seria, aliás, impossível. Não pode também pretender-se que represente os portugueses que elegeram o governo acima dos que o elegeram a ele. (Aconteceria se permanecesse em silêncio perante todas e quaisquer medidas do governo.) Também não é, como muitas vezes se defende, um «árbitro». Se o papel do presidente fosse apenas arbitral, bastar-lhe-ia conhecer as regras «do jogo» (definidas na Constituição) e a ideologia seria irrelevante, uma vez que não decidiria em função dela. Aliás, pura e simplesmente não decidiria e elegê-lo configuraria um contra-senso: poderia ser nomeado ou até sorteado entre os portugueses. Um presidente é eleito depois de apresentar um conjunto de posições e de convicções e deve presidir em função delas. Obviamente, não tendo poder executivo deverá procurar consensos com o governo e só o afrontar quando achar indispensável fazê-lo. Mas tem o direito de o fazer. Mais: tem o dever. Em função das suas próprias convicções, cada cidadão decidirá então se ele está ou não certo. Mas não o pode criticar por falar.
2. Candidatos de quase todos os portugueses
Mantenho a opinião: «presidente de todos os portugueses» é um conceito que só faz sentido como tentativa de impedir que os presidentes manifestem posições de centro-direita. Após observar a campanha nestas últimas semanas - com uma traumática excepção, de relance, que o meu sistema imunitário anda frágil - devo, no entanto, admitir a existência de «candidatos de quase todos os portugueses». Não por defenderem ideias claras mas altamente consensuais (seria impossível) mas por procurarem agradar a gregos e a troianos; por apresentarem platitudes com ar de quem apresenta soluções; por tentarem parecer assertivos enquanto evitam comprometer-se com medidas e cenários concretos. E, se quase todos os candidatos são culpados disto, é forçoso reconhecer que nenhum o fez com tanto denodo como Marcelo Rebelo de Sousa.
3. Os snobes de esquerda têm razão e o pessoal de direita é estúpido?
A esquerda, cosmopolita por inerência, tende a classificar os indivíduos que não concordam com as suas ideias (i.e., todos aqueles à direita do centro-esquerda) como retrógrados, trogloditas e/ou simplesmente estúpidos (mas como é que 38% dos portugueses ainda votaram na coligação PSD-CDS?). Olhando para a forma como Marcelo desprezou o eleitorado de centro-direita, considerando-o no bolso, dá vontade de admitir que, pelo menos no que concerne à parte da estupidez, a sobranceria da esquerda se justifica. À primeira vista, só a estupidez dos eleitores de centro-direita parece explicar que, após uma campanha decorrida inteiramente no terreno da esquerda, sem um único candidato a defender posições como o primado da liberdade de escolha dos cidadãos, a responsabilidade fiscal do Estado ou a necessidade de assentar a redistribuição numa economia capaz de a suportar, eles ainda se dêem ao trabalho de ir às urnas. Porém, embora lhes fosse certamente agradável poder um dia votar numa pessoa (ou num partido) com quem estivessem de acordo em todos os assuntos fundamentais, os eleitores de centro-direita são, acima de tudo, pragmáticos. Encontram-se habituados a escolher o mal menor - e ainda assim a perder quase sempre, nem que seja na secretaria.
4. O mal menor, portanto
Na era pós-4 de Outubro de 2015, ao centro-direita (e por conseguinte, na minha opinião, ao país) só interessam eleições quando existir uma razoável probabilidade de PSD e CDS conseguirem maioria absoluta. Sampaio da Nóvoa estaria disponível para as convocar na altura mais conveniente para António Costa. Maria de Belém estaria disponível para as convocar na altura mais conveniente para o PS (e, por conseguinte, para Costa). Marcelo deverá manter uma política de não-hostilidade em relação a Costa (porque se dá bem com ele e porque - inteligentemente - não desejará ser acusado de força de bloqueio) mas, não obstante toda a sua inconstância, tenderá menos a permitir-lhe manobrar os timings. Pagaremos uma factura elevada mas é necessário deixar António Costa governar - até ficar evidente que, com a ajuda dos parceiros de «geringonça», leva (de novo) o país na direcção do abismo.
5. Por exclusão de partes e por cansaço
Ponderei seriamente votar em Henrique Neto, o único candidato que assumiu algumas posições com as quais concordo. Não o farei por dois motivos:
a) O pesadelo que seria ter Belém ou - credo - Nóvoa na Presidência (as hipóteses de qualquer deles ganhar na segunda volta parecem reduzidas mas – pragmatismo acima de tudo – mais vale não arriscar);
b) O desejo de terminar com este circo deprimente tão depressa quanto possível.
Votarei pois em Marcelo Rebelo de Sousa.
Aquela regra dos cinquenta deputados extra para o partido mais votado - que em Janeiro permitiu tantas alegrias a PS, PC e Bloco - hoje tinha dado jeito.
Do discurso de António Costa parecia retirar-se que os vencedores apenas teriam condições para governar se o fizessem com as políticas do derrotado. No fundo, a rábula habitual do PC e do Bloco que, no PS, dificilmente poderia ser levada a sério. Quando, em meados de 2016, fosse possível efectuar novas eleições, os socialistas pagariam um preço altíssimo por terem mergulhado o país no caos. Passos e Portas sabem-no. Na fase de perguntas e respostas, Costa mostrou também o saber.
E se ainda esta noite Passos e Portas convidassem o PS para o governo?
Que, prevendo a realização de novas eleições dentro de um ou dois anos, PSD e CDS optem por uma governação populista.
Em grande medida, o PS perdeu por abandonar o centro e virar à esquerda. E agora, em vez de extrair lições do resultado e perceber que, na votação do programa de governo e do próximo orçamento, lhe resta a abstenção - ainda que "violenta" -, dá sinais de pretender governar, o que o forçaria a virar ainda mais à esquerda e a tornar-se refém do PC e do Bloco.
Mas neste momento a desilusão é tanta que se perdoam alguns desvarios.
Se as previsões metereológicas estiverem certas e nem com a chuva e o vento fustigando essencialmente a região Norte no dia das eleições o PS conseguir vencer - e não por «poucochinho» -, então algo terá mesmo corrido terrivelmente mal.
1. Governo
2. Desilusão
9. Gostei da clareza do programa do PSD, apesar de existirem pontos em que não me revejo e outros em que receio se vá demasiado longe no futuro. [...] Desconfio de muitas pessoas que rodeiam Passos Coelho e detesto os aparelhistas e os caciques do partido. Não gosto da falta de clareza que o CDS manteve durante a campanha em relação a vários assuntos delicados, incluindo possíveis cenários de coligação. Considero que nos últimos anos fez uma oposição mais coerente do que do que a do PSD e prefiro, apesar de tudo, a equipa que rodeia Portas, por inexperiente que seja – ou talvez por causa disso.
10. Os próximos anos vão ser muito, muito difíceis.
11. Até domingo decidirei em que partido voto.
Votei CDS. Arrependi-me, acima de tudo por causa das tentativas que Paulo Portas foi fazendo para se dissociar – e dissociar o CDS – das medidas mais impopulares que o governo aplicava. Mesmo gostando pouco de organizações pejadas de gente com mais interesses do que convicções (como são todos os grandes partidos), se PSD e CDS concorressem separados às eleições do próximo domingo, o CDS perderia o meu voto e PSD ganhá-lo-ia.
3. Surpresa
Portas pode ter frustrado as minhas expectativas (reconheço-lhe, não obstante, uma capacidade de trabalho notável, que ajudou aos bons resultados das exportações) mas Passos ultrapassou-as – largamente. Contra uma esquerda radical ululante, contra um PS populista que sempre recusou assumir responsabilidades na situação a que o país chegara e colaborar nas medidas para o tirar dela, contra os «barões» do PSD, muitos dos quais afirmando o contrário do que antes haviam defendido, contra uma miríade de comentadores e «especialistas», contra sectores do Estado gordos, ineficientes e pouco habituados a constrangimentos, contra grupos económicos muito habituados aos negócios provenientes do Estado, contra quase toda a comunicação social, de maneira serena e sem autoritarismos (nunca ninguém teve razões para lhe chamar «animal feroz»), Passos aguentou o barco durante quatro anos e meio. Cometeu erros mas soube ultrapassá-los, aguentando firme ou recuando quando se tornou evidente que a alternativa seria pior – para ele, claro, mas também para o país.
4. «Não» a Portas
Quiçá por, em 2011, ter derrotado um Sócrates tão combativo, manipulador e histriónico como sempre mas bastante debilitado pelo falhanço clamoroso do rumo que insistira em seguir, muita gente continuou a subestimar as capacidades políticas de Passos Coelho até aos dias que se seguiram à demissão de Paulo Portas, no Verão de 2013. Nesses dias, ele mostrou que – não obstante o virulento cepticismo dos «pais» da República – era afinal um político de primeira. Nesses dias, fez algo que – admito – não julguei possível: manter o governo em funções, forçar Portas a reconsiderar, usando para isso o próprio CDS, e, na sequência dos esforços de Cavaco Silva para arranjar uma solução que envolvesse os socialistas, manter inteligentemente disponibilidade para negociar, ciente de que António José Seguro estava manietado por radicais que não aceitariam – como ainda não aceitam – compromissos. (Os quais – oh, ironias – lhes teriam dado em 2014 o que talvez não venham a conseguir em 2015.) Mais: partiu desse momento crítico para deixar de lado animosidades pessoais e criar uma melhor relação com Portas, bem visível durante a presente campanha. (Passos aproveitou a fraqueza de Portas, que ficara sem margem para novos erros, mas obviamente – até porque estas coisas são mais instintivas do que racionais – este terá parte do mérito na evolução que se constata.)
No Verão de 2013, nasceu outro Passos: o político que ninguém pode subestimar. Algo que os resultados das sondagens vêm confirmando, para surpresa e irritação de quase todos os socialistas, dos «barões» do PSD e de muito comentadores.
5. «Não» a Salgado
Se a crise provocada pela demissão de Portas revelou o político, o colapso do GES confirmou que Passos tem uma visão para a Economia. Ao longo destes quatro anos, teve de implementar muitas medidas que certamente lhe desagradam, começando pelos vários aumentos de impostos. Mas nunca tergiversou num ponto: a Economia desenvolve-se à base da iniciativa privada; esta deve funcionar em concorrência e assumir os riscos decorrentes da má gestão.
É ponto assente que o Banco de Portugal foi demasiado suave para com Ricardo Salgado durante demasiado tempo. O governo não. No período democrático (i.e., Terceira República excluindo PREC), nenhum antecessor de Passos teria recusado salvar Ricardo Salgado. Como – estou absolutamente convencido disto – não o teria recusado António Costa, se fosse primeiro-ministro. Há dias, no programa Conversas Cruzadas, da Rádio Renascença, Daniel Bessa (ex-ministro socialista) e Álvaro Santos Almeida (professor de Economia na Universidade do Porto) foram tão claros sobre o assunto que apenas me resta citá-los:
Daniel Bessa (1): Não tenho nenhuma dúvida de que o acto fundador – para o melhor e para o pior com todas as consequências que aí estão – partiu de Passos Coelho e Maria Luís que disseram ‘não’ ao Dr. Ricardo Salgado.
Daniel Bessa (2): Um ‘não' proferido quando o Dr. Ricardo Salgado lá foi e não foi sozinho. Até conheço quem o acompanhou nessa diligência, mas não vou dizer. Até não foram só dois, mas saíram de lá com uma ‘nega’ redonda. O regime caiu aí.
Álvaro Santos Almeida: Se não fosse por mais nada este governo teria valido a pena só por esta decisão.
É cedo para aferir os custos decorrentes do colapso do Grupo Espírito Santo e, ainda que se perceba a intenção subjacente (não permitir impactos no défice), terá sido um erro tentar vender o Novo Banco à pressa. Seja como for, até prova em contrário, a resolução foi a escolha com menos inconvenientes. Mas nem é tanto isso que aqui me interessa. Interessa-me a posição de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque diante do dono disto tudo, absolutamente extraordinária num país onde o cruzamento de interesses entre o Estado e os principais grupos económicos tem imperado, com custos enormes para o bem-estar geral.
6. Do passado ao futuro
Em 2009 lutei pela vitória da prudência e do realismo. Perdi. Lixei-me. Como eu, milhares de outros (a maioria até mais do que eu mas uma fatia dos que se lixaram tinha optado pelo risco). Em 2015, sem ilusões de que a opção se revele perfeita, luto novamente pela vitória da prudência e do realismo. É possível que perca outra vez. É também muito possível que me lixe outra vez. Como eu, milhares de outros. Uma parte terá novamente escolhido uma opção de risco mais elevado. No futuro, não me peçam para os lamentar.
Surpreende que a coligação possa vencer as eleições. Talvez – como sucedeu no Reino Unido – muitos eleitores tenham finalmente percebido que nem há almoços grátis nem as ilusões pagam contas. Mas é possível que – ao invés do que sucedeu no Reino Unido – desta vez ainda sejam insuficientes. Nesse caso, ficará para uma próxima.
Ter cingido as opções de voto útil de qualquer pessoa sensata à que poderá evitar a chegada ao poder do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda.
E se o PS tiver entrado numa espiral recessiva?
Então não tinha sido o consumo interno, estimulado pelas decisões do Tribunal Constitucional, o único responsável pela subida do PIB?
Enfim, para ser honesto, até estou surpreendido com um valor tão elevado. Mas resta-me um consolo: se chegarem ao poder, Costa, Centeno e Galamba depressa tratarão de o «corrigir».
Será humano, votar para avaliar a acção do governo cujo mandato termina. Usa-se até a expressão com naturalidade, sem reflectir muito sobre os inconvenientes do método: «A governação Sócrates foi avaliada em 2011», «O governo de Passos Coelho e Paulo Portas será avaliado no dia 4 de Outubro». Porém, esta forma de decidir o sentido de voto tem problemas: ignora os efeitos duradouros de políticas desastrosas e potencia populismos, seja através de um estilo de governação irresponsável por parte dos partidos ditos «do sistema», seja do aparecimento de forças anti-sistema, desprovidas de soluções.
O primeiro problema é fácil de compreender mas, para muita gente, difícil de aceitar. Quando um governo, através das suas políticas, condiciona fortemente a acção do seguinte (como foi manifestamente o caso na transição entre o governo de Sócrates e o de Passos Coelho), pretender que tudo o que este faz decorre de sua livre decisão só pode ser classificado como miopia. Qualquer governo que tivesse sucedido ao do PS teria hoje que explicar muitas medidas difíceis e, em alguns casos, a razão por que o país ainda se encontrava mergulhado em resgates.
O outro ponto é mais insidioso e também mais preocupante. Analisando os últimos 30 anos da democracia portuguesa (e poderia recuar-se mais), verifica-se que, de facto, os portugueses tenderam a votar para penalizar ou premiar o governo em funções e não para criar uma solução de futuro. Em 1985, penalizaram o PS pelo período de austeridade que a governação da AD tornara inevitável, escolhendo uma incógnita (Cavaco Silva e o PSD). Em 1987, premiaram o governo do PSD e voltaram a fazê-lo em 1991, após Cavaco - com ajuda de fundos comunitários - aplicar uma política de investimento em infra-estruturas e de reformulação do funcionalismo público, criando o que viria a ficar conhecido por «o monstro». Em 1995, fartos do estilo autoritário do PSD e de Cavaco que, para mais, haviam sido obrigados a aplicar medidas de contenção de despesa (algo que nem Guterres nem Sócrates teriam a coragem - e a hombridade - de fazer), elegeram o PS e António Guterres. Em 1999, saindo de um período de euforia que culminara na Expo 98, premiaram uma governação mãos-largas, não obstante existirem indícios de que nem tudo corria bem. Em 2001, os indícios haviam-se transformado no «pântano» de Guterres e os portugueses substituíram o governo. Mas não gostaram das medidas correctivas que o seguinte implementou (ou tentou implementar) nem das trapalhadas dos seis meses de governação Santana Lopes e, em 2005, deram a Sócrates e ao PS uma maioria absoluta. Em 2009 tornaram a ignorar indícios preocupantes (agora óbvios) e, numa reacção quase pavloviana, votaram em quem acabara de aplicar políticas populares (a descida do IVA, o aumento salarial dos funcionários públicos, a aposta desenfreada nas obras públicas). Perceberam as consequências em 2011, apeando o PS do governo. E deste modo trouxeram o país a 2015.
Em eleições, mais importante do que julgar o passado deveria ser avaliar as perspectivas para o futuro. O passado pode e deve servir como auxiliar mas torna-se perigoso que condicione por inteiro a orientação de voto. Em 2009 (como em 1999 e até em 1991), a avaliação do governo premiou actos irresponsáveis. Em 2015 (como em 1985), provavelmente penalizará uma governação que teve de aplicar medidas impopulares mas, mais falha, menos falha, foi globalmente correcta. Em 2009 (como em 1999), porque o governo fora simpático na distribuição de receitas (que não tinha), ignoraram-se os alertas sobre as dificuldades que se avizinhavam. Em 2015 (como, até certo ponto - os seis meses de Santana e a Troika impedem um paralelismo adequado -, em 2005), porque o governo foi muitas vezes antipático, corre-se o risco de eleger quem apresenta (novamente) riscos muito superiores para a sustentabilidade da economia nacional e, por conseguinte, para o bem-estar a prazo dos portugueses.
Mas votar com base em reacções epidérmicas aos acontecimentos do passado recente não aumenta apenas a probabilidade de que os governos sigam políticas irresponsáveis e recusem aplicar medidas antipáticas mas indispensáveis. Aumenta também o risco de, mais tarde ou mais cedo, surgirem partidos anti-sistema, com mensagens baseadas na exploração da insatisfação, os quais, se algum dia tivessem poder para governar, levariam o país a becos sem saída e, mesmo sem atingirem esse escalão, podem dificultar soluções governativas estáveis (*).
Avalie-se o passado, com certeza. O recente, o menos recente, os defeitos e as qualidades dos governos, a forma como geraram folgas ou constrangimentos herdados dos anteriores. Mas, acima de tudo, avaliem-se os riscos para o futuro e as melhores formas de evitar que se convertam em realidade. Porque fazer de outro modo é cair na armadilha mais preocupante para a democracia, visível em tantos países onde a retórica promete o céu mas o bem-estar geral nunca surge: a que a transforma num leilão entre vendedores de banha-da-cobra.
(*) Marinho e Pinto anda a proclamar que as culpas da situação nacional caem por acção nos partidos do «arco governativo» e por omissão nos da oposição. Apetece perguntar o que deveriam CDU e Bloco ter feito: um golpe de Estado? Concorde-se ou não com as políticas que defendem - e eu não concordo, de todo - fizeram oposição contínua ao longo dos anos, em todos os locais onde a poderiam fazer: no Parlamento, nos meios de comunicação, nas ruas. Exactamente o que quer Marinho dizer? E, já agora, que políticas defende?
Mas, como sabemos, Schäuble não passa de um velho gagá e a tradicional política monetária e financeira alemã (baseada em moeda forte e taxas de juro correspondentes) de um anacronismo histórico. Costa, Centeno e Galamba é que sabem.
Apoiar é sinónimo de exigir.
Notas.
2. Ah, dirão alguns, Passos pode não ter exigido a vinda da Troika mas desejava-a. Creio que, dispondo da escolha, ele teria preferido governar sem tutelas mas, na verdade, não faço ideia. Sei é que, em 2011, eu desejava a vinda da Troika. Como desejarei uma intervenção tão rápida quanto possível da polícia se assistir a um crime ou do INEM perante um acidente grave.
3. Devia haver assuntos mais merecedores do principal título da primeira página de um jornal dito «de referência». Notícias, talvez.
Ao caso Sócrates pode responder-se com a teoria que o próprio tem avançado: perseguição política. (Na situação dele, é compreensível; que tantos outros socialistas «ilustres» usem o argumento mostra bem como estão habituados a que o sistema de Justiça seja controlável.) O caso GES pode tentar justificar-se com desejo de vingança, tão alinhado com o governo socialista Ricardo Salgado se revelou. Fica mais difícil atribuir o caso dos Vistos Gold e a constituição como arguido do ex-ministro Miguel Macedo a manobras governamentais. Na verdade, por muitos defeitos que possam apontar-se a este governo, tudo indica que, no que respeita à corrupção, o sistema de Justiça funciona hoje bastante melhor do que nos tempos dos governos PS. O mérito do actual governo pode até não passar da nomeação de uma Procuradora Geral da República à altura das responsabilidades do cargo (outras medidas, como a reorganização do mapa judiciário, são aqui pouco relevantes) mas hoje investiga-se e preparam-se acusações sem que os magistrados envolvidos sejam penalizados ou forçados a destruir meios de prova. Os socialistas, claro, não gostam disto nem que se fale disto. Por isso fazem estardalhaço quando um programa televisivo pretende debater o sistema de Justiça e a actuação do Ministério Público. Por isso se mostram escandalizados - uma especialidade da esquerda - quando Paulo Rangel diz o que, no fundo, toda a gente pensa.
- o “virar a página da austeridade” (expressão um tudo-nada gasta mas sempre bonita, com laivos de poesia varoufakiana);
- “a prioridade ao investimento no conhecimento e na inovação” (perdoe-se-lhe a falta de inovação e reze-se para que não venham aí mais 'Magalhães');
- a “sustentabilidade da Segurança Social” (cuja reforma se recusa, cujas receitas se diminuirão);
- e o “patriotismo na Europa” (um conceito magnífico, certamente extraído das teias de aranha de um baú atulhado com aqueles nacionalismos balofos que - muitas vezes, justamente - a esquerda costumava associar à direita, abarrotando de potencial para resolver todos os problemas da nação).
O cartaz do Athaíde tinha afinal razão de ser: exige-se fé.
Muito obrigado. Cumprimentos.
30% dos eleitores italianos votaram no partido do palhaço rico, 25% escolheram o do palhaço pobre. Ou, vá, menos rico.
Os resultados das eleições nos Açores eram tão previsíveis como hoje nos parece a salivação dos cães de Pavlov. Não me merecem, por isso, grandes comentários. Prefiro centrar-me no que os comentadores nos dizem sobre eles.
Dizem muitos, em jeito de descoberta transcendental, que os resultados são um aviso ao governo de Passos Coelho e, considerando a proximidade das autárquicas, ao PSD. O meu coração enche-se de ternura ao ver tanta gente preocupada com os autarcas sociais-democratas. Mas vejamos: o que deveria o governo fazer para ajudar essa excelsa turba a conseguir manter os empregos (tão frágeis nos dias que correm)? Recuar no aumento de impostos? Recuar na dispensa de funcionários públicos? Recuar nos cortes das pensões e dos subsídios? Recuar nos cortes nas empresas públicas? Recuar nos cortes na Saúde? Recuar apenas em algumas dessas medidas mas agravar as restantes? Ou talvez iniciar um braço de ferro com a Troika e dizer-lhe que preferimos não receber o dinheiro, ver os juros da dívida voltar a disparar, as empresas nacionais sem esperança de financiamento, os bancos ainda mais estrangulados e, no limite, sair do euro? Honestamente, eu só gostava que as pessoas fossem claras. Por mim, estou-me nas tintas para os autarcas do PSD. Primeiro, não são substancialmente diferentes dos do PS. Depois – e cá temos um ponto em que o governo devia estar a receber avisos de que não tem feito o suficiente –, acho até que o número de autarcas devia ser muito menor.
Uma nota também sobre Carlos César. Ouvi e li opiniões segundo as quais ainda o veremos a desempenhar um papel importante na política de âmbito nacional. Acho muito provável. Apesar de Carlos César não passar de um Alberto João Jardim ligeiramente mais polido, a verdade é que continuamos a preferir a imagem associada aos políticos que “fazem obra”, distribuem benesses e contraem dívidas à daqueles obrigados a corrigir desequilíbrios. As eleições dos Açores – como as da Madeira há um ano – também mostram isso. Mas se os comentadores o notaram, poucos ou nenhum o referiram.
Vai Hollande fazer o contrário do que prometeu em campanha ou, contra todas as esperanças dos optimistas, estamos mesmo f*****s?
Hollande: «A economia francesa devia estar a crescer tanto como a alemã. Temos que convencer os alemães de que estão errados.»
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