Começa-se sem saber bem no que vai dar. Mantêm-se imensas ilusões mas temem-se a indiferença e o desprezo, bem como a incapacidade de estar à altura da tarefa. Responde-se de forma desajeitada às primeiras - e memoráveis - pessoas que estabelecem relação. Quem chega mais tarde obtém uma realidade parcial. Tentar descobrir o que ficou para trás pode reforçar - ou fazer desvanecer - a atracção mas dá trabalho e poucos o fazem. Quase sem dados concretos elaboram-se imagens e verdades, que permanecem apesar de serem desmentidas uma e outra vez. Há quem fique pouco tempo e, desinteressado quando não desiludido, logo desapareça. Há quem se empenhe - aconselhe, critique, procure moldar - e resista durante períodos surpreendentemente longos. Há o cansaço que, de um lado e do outro, se instala e as pausas que urge introduzir. Há os erros, as hesitações, as desilusões, os entusiasmos repentinos, as discussões estimulantes e as discussões cansativas - pelo momento, pelo tom mas, acima de tudo, por já terem ocorrido inúmeras vezes. Há afinidades que se referem com frequência e ódios de estimação que também se referem com frequência mas em tom completamente diferente. Há a passagem do tempo e a ideia de que se tem afinal menos controlo, menos originalidade e menos relevância do que era suposto.
Os blogues não são a vida real mas arranjamos sempre forma de tudo parecer a vida real. Talvez por a consciência - esse factor que nos diferencia dos restantes animais - nos permitir intuir que, em grande medida, a vida real é uma ficção.
No centro comercial: homem e mulher com aspecto gótico levam pela mão uma miúda (quatro, cinco anos no máximo) vestida como uma princesinha de conto de fadas.
Fico a vê-los afastarem-se. Por instantes, sinto estar a observar uma cena de um filme dos bons velhos tempos de Tim Burton. Há ternura no contraste. Como se a miúda lhes tivesse caído no colo de surpresa, vinda de um universo paralelo ao deles, e procurassem ainda a forma adequada de reagir. Ou, melhor, como se tanto ela como eles viessem de universos paralelos a este e se tivessem juntado para tentar navegá-lo.
Depois de abandonarem o meu campo de visão ponho-me a pensar mais a sério. Será possível que uma miúda daquela idade já tenha capacidade para recusar o exemplo dos progenitores e impor um aspecto tão distinto do deles? Neste caso, quão desconcertante (todos os pais se imaginam modelos para os filhos) será para eles? Ou será desejo dos pais mantê-la num mundo de encanto e inocência, em que claramente não acreditam, até tão tarde quanto possível? E constituirá o exagero uma tentativa de compensar essa falta de crença?
Ou então - a minha faceta racional e mais do que um nadinha cínica estraga-me sempre as divagações - são apenas tios e sobrinha.
A rapariga, provavelmente ainda adolescente, caminha pelo passeio na minha direcção. É bonita mas pesa no mínimo vinte quilos mais do que as normas estéticas em vigor recomendariam. Veste uma blusa roxa com duas palavras escritas na zona do peito, em letras formadas por pontos brilhantes: Love Sucks. Sei que a adolescência é um período complicado para toda a gente mas, enquanto passamos um pelo outro, não consigo evitar perguntar-me se, pesando menos os tais vinte quilos, ela a teria comprado. Tão cedo.
(Por outro lado, a juventude é o tempo das proclamações rápidas e definitivas. Apenas mais tarde se percebe que, sim, love sucks, de muitas e diferentes maneiras - mas nem sempre. Love sucks tantas vezes quantas parece maravilhoso. Ou, com sorte e talvez saber, menos uma.)
Por estes dias quase toda a gente anda com auriculares enfiados nos ouvidos. Até eu, de vez em quando. É bom ter música na cabeça. Mas, como naquelas brincadeiras antigas em que se imaginava ser cowboy ou índio, um pedaço de terreno baldio era uma pradaria e se disparava contra colegas de rua ou de escola com espingardas de plástico (entretanto banidas porque estamos todos muito mais pacíficos) ou pedaços de madeira fazendo as vezes de espingardas de plástico, em vez de escolher ser cowboy ou índio no menu da consola de jogos, ver a pradaria no ecrã e disparar contra inimigos sentados noutros sofás olhando para outros televisores (se bem que, em vez de cowboy ou índio, é mais soldado ou alien, que cowboys e especialmente índios são aparições raras nos jogos de vídeo, por estarem pouco de acordo com os mesmos critérios que levaram à abolição da espingarda de plástico), muitas vezes é mais interessante cantarolar o que não se ouve. Ou – tentemos ser exactos – o que se ouve mas não de fora para dentro. Enquanto estudante universitário em Coimbra, descendo sob chuva da alta da cidade para a estação de autocarros, saco de roupa ao ombro, guarda-chuva tão frequentemente fechado como aberto, por défice de chuva digna do termo, excesso de vento ou consciente insensatez, cantarolei muitas vezes Singin’ in the Rain, esboçando mesmo uns passos de dança em raras ocasiões. (Claro que isto foi antes de Kubrick estragar tudo: apanhei uma reposição de A Laranja Mecânica no Gil Vicente ou no São Teotónio, já não sei ao certo, e em vez da imagem de Gene Kelly, feliz da vida, chapinhando nas poças da rua passou a surgir na minha cabeça a de Malcolm McDowell, feliz da vida, pontapeando o cônjuge da senhora que violaria logo a seguir.) Felizmente tal sucedia nas noites de sexta-feira, com as ruas quase desertas, porque, como é fácil de perceber, cantar o que quer que seja sem auriculares nos ouvidos poderia à época e pode ainda hoje ser classificado como loucura. Caso em que o avanço da idade me tornou inegavelmente mais são porque hoje já quase não canto ao calcorrear passeios. Muito menos sem auriculares nos ouvidos. Ou(,) só de longe a longe, As Time Goes By.
Se a infância é a época em que a vida ainda não se conceptualiza e a hipótese de independência assusta, se a adolescência é a época em que se reivindica uma vida própria e se vai descobrindo quão insatisfatória ela afinal é, a idade adulta não passa da época em que debalde se tenta não pensar no assunto e se encaixa a insatisfação numa normalidade que pode chegar a parecer conforto. Presumo que a velhice seja a época em que a dependência volta a ser um factor inelutável, em que se aceita já não haver tempo para eliminar a insatisfação e em que o mistério se transfere definitivamente da vida para a morte. Com frequência, e talvez isso devesse alarmar-me mas acaba pacificando-me, sinto que, ao cumprir dois dos três critérios, já a atingi.
(É então que, numa espécie de recarga de baterias, revejo um filme do Lubitsch ou dos irmãos Marx.)
Numa hora e três quartos é possível ver um filme de duração média. Numa hora e três quartos é possível ler O Sobrinho de Wittgenstein, de Thomas Bernhard (pode dizer-se que ele foi possuído pela sua loucura enquanto eu sempre explorei a minha), ou meia dúzia de contos de Alice Munro. Numa hora e três quartos é possível voltar a ouvir The Downward Spiral, dos Nine Inch Nails (I am denial guilt and fear and I control you, I am the prayers of the naive and I control you, I am the lie that you believe and I control you), e ainda dispor de quarenta minutos de silêncio para recuperar. Tendo com quem, numa hora e três quartos é possível que já se consiga fazer sexo tântrico (qual a duração mínima exigida?). Numa hora e três quartos talvez seja possível eu acabar este post. Mas numa hora e três quartos também se podem fazer coisas menos previsíveis. Há dias, numa hora e três quartos foi-me possível assistir a quase toda a primeira parte da audição da ministra das Finanças na comissão de inquérito parlamentar sobre os contratos swap. «Quase» porque falhei os primeiros minutos e «à primeira parte» porque no intervalo consegui libertar um dedo do torpor em que o meu corpo caíra e mudei de canal. Mas a primeira parte foi suficiente para ficar com várias ideias sobre o assunto que partilharei agora com todos aqueles que não tiveram o bom senso de evitar começar a ler este post nem têm – e isso deve reflectir uma qualquer patologia – o bom senso suficiente para, no final deste parágrafo, irem ler O Sobrinho de Wittgenstein, ouvir The Downward Spiral ou fazer sexo, ainda que não tântrico.
Agora que já devo estar a falar sozinho, vamos lá às conclusões, que – adoro frustrar expectativas – não incluirão uma posição clara sobre a magna questão de saber se a ministra mentiu na visita anterior à comissão de inquérito.
1. Os deputados da oposição marimbam-se para os contratos swap, querem é lixar a ministra. Isto até entendo; o que me custa a entender é o género de tácticas e poses que adoptaram durante a audiência. Vejamo-las caso a caso.
1a. O deputado do PS, Filipe Neto Brandão, optou por fazer perguntas que exigiam resposta «sim» ou «não» («objectivas», chamava-lhes ele) e pela pose do acusador duro, inflexível – e impassível. Esbarrou num ligeiríssimo e altamente subjectivo detalhe: a necessidade de, para aceitarmos a tese que defendia, ser necessário escolher acreditar no ex-secretário de Estado Costa Pina em vez de na actual ministra. Ora a ministra até pode estar a mentir com os dentes todos mas enquanto não existirem provas tão irrefutáveis que até a levem a admitir: «É verdade, menti» (sem acrescentar, com um sorriso maroto: «e continuo a mentir agora») eu preferiria acreditar no Dr. Vale e Azevedo dos bons velhos tempos ou nos latidos de um rafeiro de rua, tal como traduzidos pelo sem-abrigo que momentos antes anunciava o fim do mundo, do que no ex-secretário de Estado Costa Pina. Há sujeitos a quem só voltarei a dar o benefício da dúvida a título póstumo e apenas por estarmos num país em que não se pode dizer mal dos mortos.
1b. A deputada do Bloco de Esquerda, Ana Drago, que vai abandonar o Parlamento (é impressão minha ou a bancada do Bloco, que há anos não é adornada pelos olhos, pelo cabelo, pelas maçãs do rosto e pela pose altiva de Joana Amaral Dias, está a ficar mais cinzenta?), usou uma táctica engraçada: disparava uma pergunta e depois olhava e falava para o lado enquanto a ministra procurava decidir se devia continuar a olhar para ela durante a resposta. Desconheço que efeito Ana Drago tentava obter. Pode dar-se o caso de ter sido apenas má educação. Mas ficou-me na memória um instante em que repetiu uma pergunta (nada estranho, atendendo a que não parecera ter prestado atenção à resposta anterior) e a ministra suspirou: «Vamos lá então outra vez, mais devagar». Ana Drago não acusou o remoque porque estava a olhar e falar para o lado.
1c. O deputado do PCP, Paulo Sá, foi o ponto alto daquela hora e três quartos. Paulo Sá poderia fazer carreira no mundo dos dirigentes de clubes de futebol – e fazê-los a todos parecer meninos de coro na arte da parcialidade. As respostas da ministra irritavam-no à brava porque – quelle surprise – não continham o que ele queria que contivessem. Enquanto ela respondia, ele esbugalhava os olhos e gesticulava. O problema é que não tinha como provar que a ministra mentia – apenas achava tanto que ela mentia que o facto se transformara numa evidência no interior da sua cabeça. A certa altura a ministra atirou-lhe: «Eu sou responsável pelo que digo, não pelo que o senhor entende». Também podia ter-lhe dito «Olhe, para não perdermos tempo e reduzirmos o nível de stress, releia as minhas declarações e sinta-se à vontade para entender o contrário do que ler.» Eu fiquei a pensar que o estilo de interrogatório do deputado Paulo Sá teria sido considerado promissor pelos camaradas Yezhov ou Beria, tivesse o deputado Paulo Sá vivido no paraíso terrestre que foi a URSS.
2. Da intervenção dos deputados do PSD e do CDS não vale a pena falar. Estavam lá para agradecerem à ministra o esforço da deslocação, afirmarem que, evidentemente, como ficava agora ainda mais claro do que antes já estava, ela não mentira da última vez que lá estivera, e acusarem os governos Sócrates (e, mais especificamente, o ex-secretário de Estado Costa Pina) de incompetência. Cumpriram o papel de modo adequado, o que significa que foram apenas ligeiramente enjoativos.
3. Mas se não vale a pena abordar a acção dos deputados do PSD e do CDS na audiência da passada terça-feira, para memória futura convém abordar o papel dos governos Sócrates em toda a questão. Em Janeiro de 2009, pela mão do então secretário de Estado Costa Pina, o governo Sócrates emitiu um despacho que, face à crise financeira instalada, recomendava cuidado às empresas públicas – e também que substituíssem dívida de curto prazo por dívida de mais longo prazo. Para além de haver aqui um modus operandi típico dos governos liderados pelo supracitado indivíduo – ah, a renegociação das PPP, de que resultou o adiamento dos pagamentos para o período pós-2013, com (evidentemente) subida dos montantes a pagar – há também, segundo algumas opiniões, um incentivo à contratação de instrumentos derivados. Ainda que não se avance até tão maldosa leitura, existem montanhas de incompetência a registar, uma vez que a maioria dos swaps foi contratada durante os governos Sócrates e, nos anos em que já devia ser óbvio que eles constituiriam um problema, nada de substancial foi feito. Apenas em Junho de 2011, dias antes de Passos Coelho entrar em S. Bento cheio de ilusões, decidiu o governo socialista aprovar legislação (ainda em vigor, como a ministra repetiu ad nauseum) proibindo as empresas públicas de contratarem swaps sem autorização da tutela. Quanto aos que estavam feitos, o governo seguinte e a Troika que encontrassem uma solução. Os socialistas cá estariam para a criticar.
4. E estão. Oh, se estão. Ajudados por uma comunicação social tendencialmente de esquerda (nenhum governo teve alguma vez um período de graça tão longo quanto o primeiro de Sócrates), que vê tão longe quanto o típico participante de fórum radiofónico (a curto prazo – i.e., enquanto há dinheiro –, as medidas da esquerda tendem a parecer mais agradáveis) e que adora o fait divers, conseguiram fazer com que os pontos essenciais (na comunicação social mas também nos trabalhos da comissão parlamentar) não sejam hoje quem autorizou a contratação de swaps, quem fechou os olhos aos riscos e quem talvez até os tenha incentivado, não seja sequer determinar se a solução encontrada foi ou não a melhor, mas se a ministra mentiu ao dizer que nenhum membro do governo anterior lhe falou no assunto durante a transição de pastas. Sendo que aceitar que ela mentiu passa por acreditar no ex-secretário de Estado Costa Pina (cruzes canhoto) ou por Vítor Gaspar vir dizer preto no branco (ou branco no preto, solução com o mesmo grau de legibilidade favorecida por muita gente) que, tendo-lhe Teixeira dos Santos falado do assunto (o que Gaspar admitiu), ele informou Maria Luís Albuquerque (o que ele parece – eu não acompanhei a audição de Vítor Gaspar – não ter admitido).
5. Chegamos agora à pergunta que, durante aquela hora e três quartos, mais frequentemente me coloquei: como agir numa comissão de inquérito para minimizar os riscos de ser acusado de mentir? A melhor via parece-me ser responder uma vez a cada pergunta e depois, sempre que ela for repetida (uma e outra e ainda outra vez), pedir que a resposta original seja lida. Ou então escrevinhar a primeira resposta (convém que seja curta) e depois repeti-la uma e outra e ainda outra vez. Creio que apenas assim será possível eliminar o risco de, quanto mais não seja por motivos de cansaço, vir a afirmar algo que, numa interpretação cristalinamente óbvia ou estonteantemente rebuscada, possa parecer diferente do que se afirmou uma hora e três quartos mais cedo, e evitar, nessa ou em futuras presenças na comissão, discutir a relevância da falta ocasional de complementos em algumas frases («ah, mas quando cá esteve há um mês, senhora ministra, conforme página 123 da transcrição, não especificou que não existia informação ‘na pasta de transição’, referiu apenas que não lhe foi transmitida informação»; «Mas umas horas antes, senhor deputado, conforme página 57, eu disse que nada foi transmitido ‘na reunião entre secretários de Estado’.»). Porque, convenhamos, é provável que a ministra tenha mentido mas toda a gente que já esteve envolvido num debate aceso – numa discussão conjugal, por exemplo – sabe que nem sempre uma ideia que se quer repetir sai da mesma maneira, com duras consequências na forma como é percebida, em especial quando o cansaço de quem diz e a má vontade de quem ouve são significativos.
6. Claro está que o cansaço também pode fazer baixar as guardas e permitir que a verdade se escape. Mas, caramba (quase me saiu um termo começado por ‘f’ e acabado em ‘se’ mas contive-me para não incomodar os leitores mais sensíveis de entre os leitores mais insensatos – sendo estes últimos, como é óbvio, os que os que não levaram o meu aviso a sério e ainda estão a ler), depois de assistir àquela hora e três quartos (relembre-se, apenas a primeira parte da segunda audição) até eu tenderia a recusar um cargo de ministro, apesar do aumento salarial que representaria, das portas que abriria e do facto de as boas relações que os governantes mantêm com a banca me permitirem certamente acesso a um crédito habitação em condições bonificadas (sim, estou a precisar de mudar de casa). É que... aturar interrogatórios do deputado Filipe Brandão, ou do deputado João Galamba (que, sendo suplente, estava ao lado do deputado Filipe Brandão mas – aleluia – não falou durante a hora e três quartos), ou do deputado Paulo Sá? Antes assistir no meu acanhado apartamento a onze horas e três quartos de programas apresentados pela Júlia Pinheiro.
7. E pronto, termino com esta referência à verdadeira excelência televisiva, que o texto ameaça ficar comprido. Ou ainda uma última nota. Aquela hora e três quartos também me fez perceber que a ministra tem o tique de empurrar algumas madeixas revoltas de cabelo para a testa, deixando as restantes ainda mais revoltas, e – estranho não o ter notado antes – que é bastante sardenta. Como eu tenho um fraquinho por mulheres sardentas, a hora e três quartos acabou por não ser totalmente desperdiçada.
(Este texto demorou muito mais do que uma hora e três quartos a escrever, o que significa que já perdi várias horas com aquela sessão da comissão de inquérito. Por favor internem-me.)
Girl on fire, de Alicia Keys. Ainda que voluntariamente não ouça as estações de rádio onde o tema passa mil oitocentas e quarenta e nove vezes por dia, apanho o irritante refrão em todo o lado. Cheguei a pensar que vários bombeiros depressa procurariam apagar o fogo que consome a pobre rapariga [introduzir aqui piada sobre mangueiras compridas] mas depois percebi que, para um bombeiro, o refrão se confunde com o ruído da sirene, estando provavelmente a tentar descobrir-se em todas as corporações do país que filho da mãe está a fazer soar o alarme e a deixar o pessoal exausto de tanto correr para o quartel (felizmente para as nossas florestas, Junho tem sido fresco e chuvoso). Perdida essa esperança, limito-me agora a aguardar que o incêndio se extinga por falta de combustível. Mas nem Joana d'Arc aguentou tanto tempo.
Há uns meses, uma tal Wendy Jones deixava comentários como este nas páginas da Amazon britânica: «This is just not literature! It's a good attempt, undoubtedly, and on the right track, and had the author have lived longer he may well have written something of lasting value.» Apesar de todos sabermos que na internet se encontram as opiniões mais absurdas que é possível imaginar expressas da forma mais convicta em que é possível exprimi-las, quando se levava em conta que o objecto da crítica era o livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski, generosamente agraciado por Wendy com uma estrelinha, era inevitável pensar: não pode ser a sério. Não era. Pesquisavam-se outros comentários de Wendy (por incrível que pareça, eu até tenho uma vida – não é é muito boa) e concluía-se que ela sabotava o sistema de recomendações da Amazon conscientemente e com indisfarçado gozo. Por exemplo:
- Justificava a atribuição de uma estrela a Where's Wally com a circunstância de não ter conseguido encontrar Wally;
- Escrevia sobre Calmer, Easier, Happier Parenting: The Revolutionary Programme That Transforms Family Life: «Great book, but doesn't recommend Valium. I would have thought Valium was the obvious answer» (para ser sincero, eu também) e sobre Short-Term Couples Therapy: The Imago Model in Action (seja lá isso o que for): «not particularly helpful for one night stands»;
- Admitia ter comprado um determinado livro por a capa combinar com a decoração da sala;
- Afirmava ter adorado Emma, de Jane Austen, porque a personagem principal lhe lembrara a apresentadora de um reality show britânico;
- Propunha-se fazer uma viagem ao Egipto com o filho, parando em todas as tabernas mencionadas no livro Asterix e Cleópatra, esperançada de vir a encontrar o nariz da Esfinge (partido por Obélix, como é do conhecimento geral);
- Confessava que o juízo negativo que faz de Beloved, de Toni Morrison, está afectado pela inveja: Morrison ganhou o Nobel, Wendy ainda não;
- Escrevia sobre Tess of the d'Ubervilles, de Thomas Hardy: «I was disappointed. I was very disappointed. Lo, I lay down on the carpet and cried, yeah, I wailed. I took a pillow unto myself and let out a moan that fair shook the walls. There was a torment of disappointment that came over me, and I was lost.»
* Pesquisem, pesquisem, que afinal eu também o fiz.**
** Não, apesar do elefante africano (ou, para acomodar espíritos progressistas, da elefanta africana) ser o mamífero terrestre com período de gestação mais longo, este apenas ronda os 22 meses;***
*** Não, as princesas e as actrizes de Hollywood têm gravidezes que a intensidade da cobertura mediática faz parecer longas mas, na verdade, são de duração normal;****
Procurar resposta à velha questão de saber se a arte reflecte a vida ou a vida imita a arte é pouco menos que inútil. No fundo, talvez seja apenas necessário aceitar dois pontos de contacto entre vida e arte:
- Ambas têm o significado que se quiser atribuir-lhes.
- Em ambas é frequentemente preferível não o procurar.
Para acompanhar os cocktails, elementos da companhia de teatro do absurdo apareceram na manifestação com pudins molotov.
A princípio, tal pareceu estranho a muitos observadores mas no instante em que, ao carregarem sobre os manifestantes, vários elementos da força de intervenção escorregaram aparatosamente nas claras e no doce de ovos que cobriam as pedras da calçada, a ideia tornou-se um êxito. Nos dias seguintes, as autoridades foram motivo de troça na televisão, na rádio, nos jornais, nos blogues, no Facebook e no Twitter, tendo o gozo atingido o zénite depois do ministro da Administração Interna anunciar que a polícia iria ser equipada com calçado antiderrapante. Na imprensa estrangeira surgiram múltiplas referências à originalidade de que os portugueses davam mostra, ao protestarem com canções e sobremesas. Exceptuando meia dúzia de defensores do governo, insistentes na opinião de que estragar alimentos não era forma adequada de marcar posição em tempo de crise, todos concordavam que fora uma das mais eficazes manifestações de sempre. Havia, no entanto, um ponto sobre o qual parecia impossível atingir consenso: na televisão, na rádio e em jornais, mas especialmente em blogues, no Facebook e no Twitter, continuava a debater-se com afinco se o nome correcto do pudim era «molotov» ou «molotof».
Não me apetece.
Não te apetece o quê?
Fazer isto.
Isto o quê?
Isto.
Não faças. És obrigado?
Não me parece.
Então não o faças.
Sinto que devo fazê-lo.
Ninguém tem de o fazer.
Desisto, então?
Se te apetecer.
Também não me apetece.
Então faz.
É o que estou a tentar.
Já agora: falas com quem?
Contigo. Comigo. Não sei.
Ficou bem assim?
Não me parece.
I'm big on the idea of sin...
A minha primeira ideia, Margo, foi responder-te com o título de um livro escrito por um autor português chamado Mário de Carvalho: era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto. Depois percebi a infantilidade da reacção. A verdade é que, se efectivamente também gosto da ideia de pecado, nunca fui muito para além da ideia e cada vez mais me limito a ela.
Por outro lado, não é de excluir que esteja a ser demasiado pessimista, a inventar desculpas e dificuldades. Mas como ter a certeza se, de acordo com o que também cantas mais perto do final do tema: I don't know if it's faith or habit but I'm big on the idea of doubt?
Comecei cedo a ser assaltado por pensamentos que o bom senso recomendava manter privados. Mas eram pensamentos tão ruidosos que os esforços para impedir que fossem ouvidos pelas outras pessoas me levavam a trejeitos, pausas, vocalizações estranhas e enrubescimentos variados. Durante anos pensei que a idade me traria a experiência necessária para suportar melhor o barulho no interior da cabeça e evitar reagir-lhe de forma visível. Não está a acontecer. Pelo contrário: à medida que o meu cérebro vai ficando mais lento (num processo tão manifesto que já nem foi capaz de corrigir a aliteração existente no início deste post), os meus pensamentos mostram-se cada vez mais ruidosos (certamente efeitos do amontoar de ferrugem, das folgas, de deficiências de lubrificação) e quedo-me tão incapaz como sempre de os esconder. A evolução positiva vem-se registando afinal noutra área: estou-me cada vez mais nas tintas.
Primeiro Acto.
Ontem à noite. Abro com gestos largos uma encomenda da Amazon que, entre outras coisas, inclui umas óperas em blu-ray (excelente forma de ver ópera ou bailado, deixem que vos diga). Verifico com espanto e horror que o Don Giovanni dentro da caixa é em DVD. Praguejo três vezes, na minha voz de barítono (com – é um efeito fantástico – uns laivos de falsetto). Pela listagem inclusa, confirmo que encomendara a versão em blu-ray. Ainda que o erro não seja meu, praguejo mais três vezes para reforçar a ideia de que não estou satisfeito. Ponho o DVD de lado juntamente com a listagem de itens encomendados decidido a tratar da devolução hoje pela manhã. Vou jantar.
Segundo Acto.
A meio da manhã trato do pedido de substituição. As coisas correm bem – no site da Amazon está tudo pensado para que o cliente sofra o mínimo de incómodo possível. Imprimo os formulários: uma folha para meter dentro da embalagem de retorno, um rótulo de correio registado dos CTT, um comprovativo. Não é preciso pagar portes. À hora de almoço vou a uma estação de correios. Compro um envelope almofadado, meto o DVD lá dentro juntamente com a folha adequada, a senhora que me atende cola o rótulo ao envelope com fita-cola, carimba a folha de recibo e cobra-me noventa e cinco cêntimos pelo envelope (a Amazon dizia para usar a embalagem original mas é demasiado grande). Vou almoçar.
Terceiro Acto.
Às duas e tal verifico que chegou uma mensagem da Amazon. Pedem desculpa, referem que já estão a tratar do envio da versão em blu-ray e dizem-me que, atendendo aos custos da devolução, posso ficar com a versão em DVD. Sugerem que a ofereça para beneficência mas isto só leio mais tarde porque já estou saindo a correr para a estação de correios. Pelo caminho, praguejo mais seis vezes. É que, não sei se estão a ver, a Amazon dava-me trinta dias (trinta!) para fazer a devolução. Por que diabos tive de tratar do assunto logo no primeiro? Chego a arfar. Tiro uma senha. Faltam seis números para a minha vez. Nada mau. O pior é quando um funcionário com um grande saco ao ombro sai em direcção a uma carrinha estacionada na rua. Fixo o olhar no saco com tanta intensidade que fico certo de não ter nascido em Krypton (em miúdo cheguei a ter esperanças). Pondero abordá-lo e obrigá-lo a abrir o saco mas contenho-me e deixo-o ir embora na carrinha. Chega a minha vez. Explico o que se passou. A funcionária que me atende fala com a que me atendeu antes (está mesmo ao lado, com outro cliente). Ela lembra-se de mim (modéstia à parte, lembram-se sempre) mas, com um trejeito de horror típico de ópera buffa (mas mais na linha de Rossini do que de Mozart) exclama: «Ah, não sei se ainda cá está!». Levanta-se e vai remexer num cesto. Sorri. Mostra o envelope na mão erguida. Anuncia: «Eccolo qui!» (Talvez tenha sido em português, já não estou certo.) Apetece-me saltar o balcão e dar-lhe um beijo (até porque é gira). Ela despacha o outro cliente e depois trata de mim (será impressão minha ou isto não soa bem?). Abandono os correios com o envelope na mão prometendo a mim próprio ser menos eficiente no futuro. Considero a hipótese de ir lanchar mas é demasiado cedo.
E agora, em que instituição de solidariedade apreciarão Mozart?
Olhar um cão nos olhos faz-me sentir melhor do que sou. Olhar um gato nos olhos não me faz sentir pior do que sou porque o olhar dos gatos não admite desvios em relação à realidade. O olhar dos gatos é objectivo. Mesmo nas alturas em que contemporizam (e fazem-no por vezes, com as pessoas que lhes merecem alguma consideração) não escondem que o fazem. O olhar de um gato é parecido com o de uma mulher que se sabe extraordinariamente atraente quando perante um homem sem encantos físicos ou materiais mas deixa ainda menos margem para devaneios. Atira-me para o sítio certo, faz-me sentir exactamente como sei que sou. E por muito que alguns humanos tentem depois convencer-me de que sou melhor do que isso, percebo que mentem. Se tivesse filhos pequenos, talvez eles o conseguissem. Ou uma mulher nos primeiros estádios da paixão. Assim, apenas o olhar de um cão é capaz de me enganar novamente.
Na sequência de aturado estudo envolvendo complexos modelos matemáticos, uma calculadora de telemóvel, uma esferográfica Bic roubada numa repartição de finanças (única participação de fundos públicos no projecto), uma folha de papel milimétrico extraída discretamente do interior de uma papelaria (é fundamental que a iniciativa privada colabore nos projectos de investigação científica) e um cartão de débito a servir de régua, informa-se que, a manterem-se os actuais ritmos de crescimento da altura dos portugueses e dos saltos dos sapatos femininos, mais de metade das portuguesas terão de se baixar (ou descalçar) ao passar pelas portas já em 2028. Prevê-se também um acréscimo ainda não quantificado (preciso de mais folhas de papel milimétrico) de casos de pernas partidas e traumatismos cranianos nos hospitais, o qual teria consequências bastante negativas para as contas do Serviço Nacional de Saúde se ele ainda existisse nessa altura.
Horas depois, regressando a Itália, conduzo em direcção ao Col du Grand-Saint-Bernard e pondero seguir pela histórica passagem, subir ao local do mosteiro onde os monges criaram a raça há cerca de trezentos anos. Mas é tarde, ameaça escurecer. Opto pelo túnel de quase seis quilómetros inaugurado em 1964. Enquanto o percorro, e por muito ilógico que seja, não consigo evitar a sensação de que, ao evitar o esforço, estou de alguma forma a trair os simpáticos mastodontes helvéticos. A ser um bocadinho o velho do Tchékhov.
Sabemos desde Einstein que espaço e tempo são a mesma coisa (é por isso que, como Gonçalo M. Tavares provavelmente já escreveu, chegar atrasado equivale a estar longe de uma pessoa, a não lhe dar importância suficiente para nos forçarmos a chegar a horas). É também lugar comum afirmar que há alturas em que temos de dizer, ou fazer, certas coisas ou «explodimos».
Einstein não terá chegado lá mas as emoções têm volume físico. Ocupam espaço. E não é fácil para algumas pessoas arrumarem as emoções nos espaços deixados livres por fígado, pulmões e rins. Naturalmente, as pessoas pequenas têm mais dificuldades. Nas crianças, as pessoas mais pequenas de todas, a dificuldade é particularmente notória: a alegria, a teimosia, o desagrado, são expulsos do corpo de modo irreprimível – por absoluta falta de espaço. É esta simples questão geométrico-fisiológica que faz com que as pessoas pequenas sejam interessantes mas também bastante exasperantes – se não se pode habitualmente acusá-las de tendência para a monotonia, costumam no entanto ser irrequietas, teimosas e inconstantes. Já as pessoas volumosas, seja por causa da altura, seja em resultado do perímetro (seja, obviamente, pela conjugação de ambos os factores) tendem a ser mais serenas, mais bonacheironas (por erro de digitação escrevi primeiro «bobacheironas», o que também não estaria mal), mais predispostas a aceitar uma certa inércia (o que, considerando que são também mais pesadas, não é sequer surpreendente à luz das mais básicas regras da física). Os gordos, por exemplo, apesar de viverem mergulhados no desespero de se saberem gordos, diluem este desespero na gordura (quase todas as emoções são solúveis em lípidos) e apresentam frequentemente ao mundo uma face de alegria.
Note-se que esta teoria não se aplica apenas ao ser humano. Ocorre o mesmo com os outros animais. Um caniche não tem alternativa a ladrar a alegria, o incómodo, a irritação, a tristeza; já um São Bernardo pode dar-se ao luxo de apenas bocejar. Ratos, pássaros e mosquitos são irrequietos; elefantes, hipopótamos e baleias têm espaço de arquivo disponível para não precisarem de começar aos saltos à primeira contrariedade.
Há excepções? Com certeza, as excepções são sempre uma regra. Há seres grandes que não conseguem reter a mais ténue das emoções e seres pequenos capazes de dar lições de contenção a um panda gigante. Ainda assim, as excepções são em menor número do que se julgaria. Pugilistas como Mike Tyson e muitos dos mais destacados elementos das claques dos clubes de futebol são pessoas grandes com dificuldades no campo do controlo das emoções. Mas uns como outros seguem exigentes métodos físicos e psicológicos para combater as naturais tendências para a bonacheirice (sim, sem o condicionamento grupal a que se submetem afincadamente, a maioria dos membros dos Super Dragões, dos No Name Boys e dos Ultra Sporting seriam apenas rapazes pacatos que ajudariam velhinhas a atravessar a rua). Um urso também é um animal grande que se pode mostrar agressivo mas normalmente ataca apenas quando se sente ameaçado ou tem fome, justificações mais do que compreensíveis. No outro extremo da escala, uma lesma é um animal pequeno reconhecidamente pacato. Mas uma lesma é uma massa gelatinosa onde as emoções também se diluem bastante bem (e, de qualquer modo, voltaremos a ela mais abaixo). Um koala, não obstante também ser pequenote, parece passar a vida em transe. Mas quem não ficaria pedrado com a exposição permanente ao cheiro do eucalipto? Uma lagarta é pachorrenta apenas até se transformar em borboleta, altura em que adquire uma inegável hiperactividade. E depois, como um bibliófilo que mete duzentos livros numa estante projectada para cinquenta, algumas pessoas e animais usam formas inventivas de aumentar o espaço disponível. Um caracol seria um animal ágil e feroz se não tivesse a concha para lhe duplicar o volume de armazenagem. Sem as bossas, um camelo seria menos pachorrento e mais parecido com um cavalo (i.e., medianamente emotivo). De forma similar, muitos homens de pequeno porte armazenam emoções na barriga de cerveja (o resultado nem sempre é brilhante porque, se são solúveis em lípidos, as emoções não combinam tão bem com lúpulos). E preste-se a merecida atenção ao modo como mulheres possuidoras de, digamos, um volumoso par de depósitos frontais de gordura parecem, quando perante mulheres com pequenos contentores, conseguir manter-se mais calmas do que estas.
Para além das excepções e curiosidades já referidas, há pelo menos mais um factor que devemos considerar, na busca da mais completa compreensão dos mecanismos que regem este fascinante processo. Para que as emoções se desenvolvam e exijam espaço parece ser necessário que, antes, o cérebro entenda a situação que se lhe apresenta como enquadrável numa determinada categoria de reacção. Por exemplo, que compreenda estar perante um insulto, um elogio, um acontecimento triste ou um acontecimento alegre. Erros de classificação levam com frequência pessoas a reagir inesperadamente em certas circunstâncias: por exemplo, a rir em funerais ou a apoiar declarações de José Sócrates. E pessoas com raciocínio muito lento tendem a nem sequer desenvolver uma reacção, por incapacidade de detectar que a situação a exige. Independentemente do seu volume corporal. Teóricos do assunto – ou seja, eu – estão convencidos de que este fenómeno ajuda a explicar várias excepções aparentes, como o caso da minúscula e pacata lesma referida no parágrafo anterior – afinal, não haverá muita gente que mencione a lesma quando instada a enunciar animais inteligentes, pois não? O cérebro terá, assim, um papel crucial no modo como as emoções nascem. É fundamental a existência de uma inteligência mínima. A posterior necessidade de exteriorização prende-se, como vimos, inteiramente com o volume corporal.
A questão, no fundo, é simples: se tudo ocupa espaço (da mesma forma que tudo leva tempo), porque constituiriam as emoções uma excepção? Pela parte que me toca, comprovo a teoria que acabo de vos apresentar com frequência. No fim-de-semana passado, por exemplo, foi notório que a minha aversão a Sócrates transbordou – mas num caso como o dele é inevitável: qualquer pessoa não sedada com intelecto superior a duas amibas razoavelmente concentradas precisaria de medir dois metros e meio e pesar mais de duzentos e vinte e três quilos para conseguir ficar apenas medianamente irritada ao assistir àquele congresso. Em nota final, gostaria ainda de explicar que venho desenvolvendo esta teoria há vários anos, desde a única vez em que fui mordido por um cão. Por uma cadela, na realidade. (É muito possível – encontro-me presentemente a estudar o assunto – que certas hormonas também desempenhem um papel crucial no processo, impedindo a diluição das emoções ou fazendo-lhes aumentar o volume para além de limites comportáveis pelo corpo do hospedeiro). Media para aí trinta centímetros da ponta do focinho à extremidade da cauda. E eu, que sou um rapaz de estatura suficiente para encaixar mordidelas com graciosidade, desde que dadas com um pouco de carinho, em vez de a esmagar atirando-me em voo para cima dela (um dos melhores métodos para liquidar canídeos de pequena envergadura), limitei-me a deixar escapar um grito algo amaricado e a resmungar um insulto. QED.
Os galardões técnicos foram mais uma vez empurrados para a véspera e para a cave ("Congratulations, nerds!", gritou suavemente James Franco, com timing perfeito). Uma excepção: o Óscar honorário para a arte da taxidermia, atribuído ao responsável pela complexa estrutura biomecânica situada entre o pescoço e o cabelo de Sandra Bullock.
Está longe de ser caso único, evidentemente. Como o famoso morto-vivo sintético nacional, Lili Caneças, Bergen até pode apresentar em sua defesa o facto de preferir não aparentar os cento e catorze anos que tem. Mas e Sandra Bullock? Por que diabo faz questão de parecer Candice Bergen tentando parecer Sandra Bullock? E Nicole Kidman? Meg Ryan? Manuela Moura Guedes? E nem vale a pena falarmos de Cher, que terá ultrapassado há pelo menos vinte e duas cirurgias a linha que delimita o conceito biológico de «humano». Ou falemos só um bocadinho, porque é mais saudável exteriorizar os sentimentos: actualmente a Cher parece o resultado de uma experiência genética cinematográfica em que um cientista desvairado misturou material genético da rainha-mãe do Aliens, do monstro de Frankenstein, do Sméagol d’O Senhor dos Anéis e do Vale e Azevedo. É isso que ela parece. Quando sorri, estou sempre à espera de lhe ver sair disparada de entre os dentes uma segunda boca. Enfim, adiante outra vez e continuemos a lutar com as frases compridas. Se as actrizes e actores de Hollywood prosseguirem nesta via, não percebo porque não os substituem por conjuntos de polígonos desenvolvidos em computador como, de resto, eles temiam há uns anos. E já não se tratará de uma questão de cachet mas, pura e simplesmente, de realismo.
Estou a exagerar, resmungam vocês, conscientes das pequenas rugas que vos começam a surgir junto aos olhos e hesitantes sobre a melhor forma de combater a situação. Deixem-me explicar uma coisa – e acreditem que estou a ser infinitamente mais sincero do que o Primeiro-Ministro em qualquer das suas declarações públicas dos últimos anos: prefiro mulheres com rugas, assim estilo Maria Filomena Mónica ou Simone de Oliveira, à Candice Bergen actual. Ou – e dói-me tanto teclar isto – à Meg Ryan actual.
Mas por que se sujeitam as pessoas a tormentos destes? Poderão estar mesmo convencidas de que ficam mais atraentes? A resposta é, inevitalmente, sim. E não. Ou não e depois sim. Peer pressure. As cirurgias de uns geram uma catadupa de mentiras (quem é que se atreve a dizer na cara – ou melhor, na coisa-que-antes-era-a-cara – da Sandra Bullock que está mais feia?) e acabam por forçar as cirurgias de outros. E depois tentam todos convencer-se de que estão realmente mais bonitos. E, sendo «estrelas», põem gente influenciável pelo mundo fora (conhecida pelo termo técnico de «papalvos») a pensar que assim é que se está bem.
Claro que a cirurgia plástica é apenas parte da questão. Em jornais, revistas e obscuros programas televisivos começa a sugerir-se a possibilidade de estarmos em crise mas ninguém se aperceberá de tal circunstância avaliando o número que por aí vai de «centros» de fitness e de depilação e de massagem e de tratamento de nails e de ioga e de meditação e de tudo o que possa convencer umas quantas pessoas a largar umas quantas dezenas ou centenas ou até milhares de euros em troca da promessa de uma aparência de eterna juventude. Já para não falar do negócio dos cremes. Existirá hoje alguma mulher com mais de, digamos, trinta e cinco anos que não esfregue no corpo meia dúzia de unguentos distintos, escorregadios e com odor quase sempre enjoativo, todas as manhãs antes de sair para trabalhar e todas as noites antes de ir para a cama? Com efeitos que nem sequer ainda começámos a contabilizar, desde logo ao nível de vários parâmetros relacionados com o acto sexual (frequência, duração, prazer obtido) e com a reprodução da espécie. É que é preciso ser-se um gajo com uma perversão especial para se gostar de beijar ou lamber um corpo besuntado com creme hidratante, por muitas garantias que o fabricante dê de que ele acalma e revitaliza todos os tipos de pele.
Mas enquanto se trata de levantar pesos, arrancar pêlos, untar o corpo como se fosse um empadão prestes a ir ao forno e pintar estrelinhas azuis nas unhas não é grave. Agora a deriva para o sintético preocupa-me. Aparentemente, o objectivo das mulheres (e de muitos homens, eu sei, mas que os outros homens fiquem feios não me suscita mais do que um sorrisinho de satisfação) é parecerem-se cada vez mais com aquelas bonecas insufláveis que homens solitários e sem capacidade de tacto ou de olfacto (digo eu, que aquilo deve cheirar a borracha, não?) encomendam pela internet (enviada em pacote discreto) e depois usam para descarregar, er, digamos anseios e frustrações. Eu acho isto estranho mas talvez estranho seja eu. Lembro-me de há muitos anos, influenciado pela exposição continuada a filmes e livros de ficção científica, recear o aparecimento de autómatos fisicamente idênticos ao ser humano porque, como parecia regra, acabariam por se revoltar e trucidar-nos a todos. Hoje, considerando a evolução da aparência feminina, em particular nas faixas etárias em que vou entrando cada vez mais contrariado, espero o seu rápido desenvolvimento. Antes um robot à la Blade Runner, com a aparência da Daryl Hannah e capaz de exprimir emoção, do que uma Daryl Hannah com aspecto de robot. Até porque, pensando bem no assunto, morrer asfixiado pelas pernas de uma replicant como ela parece-me mais agradável do que bater a bota por reacção alérgica à conjugação de botox e aloe vera.
Entro no elevador, que vem do piso das garagens. Lá dentro está uma vizinha com quem me cruzei no máximo meia dúzia de vezes antes. Lembro-me de a ver acompanhada por duas crianças e, numa ocasião, também por um homem, que presumi ser o marido. Cumprimentamo-nos com um «boa tarde» impessoal. Subimos em silêncio. Os nossos corpos, ligeiramente hirtos, formam um ângulo de noventa graus. Olhamos em frente, ela para a porta, eu para uma das paredes laterais. A cabina pára no meu piso. Tento pensar em qualquer coisa para dizer ao sair. Só me ocorrem coisas tão banais como «até logo» (que, por qualquer razão, me parece um tudo-nada excessivamente familiar) e «com licença». No último instante, em desespero de causa, acabo por dizer: «Boa noite». Ela retribui: «Boa noite.» Os nossos olhares encontram-se pela primeira vez. Tem faces ligeiramente encovadas e leques de rugas ao canto dos olhos. Esboçamos sorrisos. Por momentos, parece haver cumplicidade no ar. E, por estranho que pareça, culpa. É quase (tenham paciência comigo, ok?) como se tivéssemos acabado de passar juntos um par de horas algures, enquanto o Sol descia lentamente no horizonte.
Depois a porta do elevador fechou-se e amanhã, claro, voltaremos a ser estranhos. Ou talvez um pouco menos.
Por volta de 1985 comecei a ler Explicação dos Pássaros. O livro era de uma colega de escola e resisti apenas meia dúzia de páginas. Na verdade, o que eu queria era estar junto da rapariga – mas não se exigisse assim tanto esforço. Meia dúzia de anos mais tarde comprei Auto dos Danados. A coisa correu muito melhor: ainda li vinte e tal páginas antes de exclamar «Que se dane» (citação literal, sendo no entanto possível que na altura tenha acrescentado um ponto de exclamação) e recolocar o livro na estante (ainda lá está, provavelmente com uma colónia de insectos no interior). Há dez ou onze anos, depois de ler excelentes críticas em sítios tão insuspeitos como o caderno cultural do Expresso e uma folha do Jornal de Letras que vinha a embrulhar uma jarra («obra-prima», «mudança de registo para Lobo Antunes», coisa e tal), comprei Exortação aos Crocodilos. Foi um sucesso. Relativo. Li cento e cinquenta e cinco do total de quatrocentas páginas antes de admitir que a resposta à pergunta «Então, estás a extrair algo de proveitoso deste belo esforço?» era «Hmmmmm, aumentar a minha capacidade de resistência ao sofrimento conta?». Devolvi o livro à estante mas nunca me esqueço de lhe disparar um spray insecticida para cima pelo menos uma vez por Verão. Mais vale prevenir; posso querer voltar a abri-lo. Enfim, a conclusão deste belo naco de prosa ditirâmbica é que eu e os livros de António Lobo Antunes temos um longo e carinhoso historial de incompreensão mútua.
Porquê confessor algo tão vergonhoso? Porque não consigo deixar de sentir que a falha é minha. Que os livros do homem são bons e sou eu quem, por uma incapacidade qualquer (genética, cultural, pura cretinice) não consegue entrar neles. E por que é isto importante? Bom, talvez não seja importante mas permite-me escrever o seguinte: há incapacidades que devemos sentir como nossas e não as transformar em agressividade e desdém. Ou seja: eu não acho os livros de Lobo Antunes ridículos (se excluirmos os títulos dos mais recentes, quero eu dizer), não os ataco (o insecticida é para o bem deles) e não considero absurdo que lhes seja prestada tanta atenção. Nem sequer veria como absurdo que o homem ganhasse o prémio Nobel. Apenas ficaria mais irritado comigo mesmo, por não conseguir ultrapassar uma das minhas raras incapacidades (as outras têm a ver com sopa, vinagre e carne mal passada e não são para aqui chamadas). Mas isso sou eu, um ser quase integralmente sensato. Normalmente, as outras pessoas – também não são vocês; as outras pessoas – não operam desta forma. Quando não gostam de algo (e decidem em segundos e de forma definitiva) consideram que a falha está na obra. E então tornam-se agressivas – e parvas. Ópera? Pessoas aos berros e um desperdício de dinheiros públicos. Filmes franceses? Pessoas em planos fixos, mergulhadas em conversas inescrutáveis e intermináveis, sendo o único elemento redentor (insuficiente, ainda assim) o facto de com frequência as conversas ocorrerem numa cama e as pessoas estarem nuas. Arte contemporânea? Eu era capaz de fazer aquilo! (Dizem elas; embora, no caso da arte contemporânea, eu também fosse bem capaz de...; er, prossigamos.) Tendemos (vou fingir modéstia e incluir-me nas massas anónimas, ok?) a querer moldar o mundo aos nossos gostos, incapazes de perceber que muitas vezes os nossos gostos precisam de evoluir. Pior: incapazes, mesmo quando desconfiamos que talvez devêssemos tentar que eles evoluíssem um pouco, de fazer esforços nesse sentido. E é triste. Especialmente porque, pela primeira vez na história humana, quase tudo está facilmente disponível a quase toda a gente. Alguém quer aprender sobre ópera, perceber o que está por trás dos «gritos»? Na internet encontra milhares de textos e de clips de vídeo e de explicações que vão do puro brilhantismo à cretinice mais desbragada (às vezes sabe bem ler cretinice desbragada – ou não teriam chegado a este ponto de texto, certo?). Mas damo-nos ao esforço? Nah. Preferimos torcer o nariz e dizer que não presta. Que é o que eu me recuso a fazer em relação aos livros de Lobo Antunes. A falha só pode ser minha, caramba. O que, bem vistas as coisas, é capaz de ter um ponto positivo, pelo menos de acordo com as noções politicamente correctas do que é positivo: força-me a manter um módico de modéstia. Faz-me perceber que ainda não sou perfeito. Filho da mãe do homem! (Sim, com ponto de exclamação e tudo.)
E agora vou ver se leio mais umas páginas de Submundo, de Don DeLillo, um autor que até aprecio mas de quem, vá-se lá saber porquê, nunca acabei um livro sem ter de fazer pelo menos uma longa pausa a meio. E isto inclui O Corpo Enquanto Arte, magrinho nas suas cento e vinte páginas. Seria aliás bastante irónico que conseguisse quebrar o enguiço com Submundo, um calhamaço de oitocentas e quarenta. Vamos fazer assim: se conseguir, depois tento outra vez um Lobo Antunes. Afinal, desde tenra idade que o meu objectivo é a perfeição.
Há os da infância, claro. Os mais genuínos, os mais extravagantes (índios, cow-boys, soldados, astronautas, heróis de filmes, séries e – de há uns anos para cá – jogos de vídeo), talvez os mais importantes. Depois há os da idade adulta: aqueles que, não passando de conhecidos, se tratam por amigos. São muitos, ao longo dos anos. Vêm e vão. Têm a sua utilidade e a mesma duração das ilusões. Mas ainda há outros. Os amigos famosos – artistas, apresentadores de televisão, políticos – que, existindo, não se conhecem pessoalmente mas com quem se imaginam encontros fortuitos, conversas estimulantes, paixões arrebatadoras. Há ainda os da internet – meio reais, meio código binário –, com os quais se interage de acordo com pressupostos tão verdadeiros ou tão falsos como se entende conveniente. Em muitos casos, os amigos da internet tornam-se amigos de uma imagem nossa com quem, correspondesse ela a alguém real, nós próprios gostaríamos de estabelecer uma relação de amizade. Mas a nossa capacidade para criar amigos não termina aqui. Há também os totalmente desconhecidos, criados do zero para responder à necessidade de que exista alguém que nos compreenda, ou ame (não é quase a mesma coisa?), e que podem estar localizados num qualquer ponto do planeta, pensando em nós sem o saberem. As almas gémeas. Uma por pessoa, não mais. Tão imaginárias quanto o amigo de infância não fosse o caso de, entre seis mil milhões de pessoas, provavelmente existirem mesmo. E ainda há os que poderiam ter sido nossos amigos (ou, em alguns casos, amantes) se tivéssemos tido oportunidade de passar mais tempo com eles. Aquelas pessoas em relação às quais se sentiu uma cumplicidade instintiva, uma vontade de as conhecer melhor, mas que desapareceram da nossa vida minutos ou horas depois de entrarem, deixando apenas uma memória cada vez mais subtil.
E depois há os casos inclassificáveis.
São oito menos dez da manhã. Conduzo devagar por ruas estranhamente sossegadas, deixando o motor do carro aquecer devagar. O indicador de temperatura no painel de instrumentos marca três graus. O céu está limpo mas o Sol, ainda baixo, mantém-se quase sempre escondido atrás dos prédios. Quando surge, lança sombras compridas no pavimento e encandeia quem, como eu, segue para Leste, em direcção ao centro do Porto. A uns cinquenta metros, atravessando numa passadeira, vejo o J. Alto, magro, cabelo volumoso e revolto (um pouco como o do Bruno Nogueira, mas suscitando menos visões de heróis de banda desenhada japonesa), calças pretas, parka vermelha. Continuo a aproximar-me. Estou a levar a mão à buzina quando percebo que afinal não é o J. É alguém parecido (e na verdade, agora que lhe consigo ver a cara, nem sequer assim tão parecido). Porém, durante um instante a sensação de o conhecer persiste. Estabelece-se uma espécie de relação entre nós (de que ele está inconsciente, eu sei, não é preciso chamarem uma ambulância e um par de paramédicos musculados). Já não buzino, e nem sequer abrando, mas é como se tivesse acabado de acrescentar mais um conhecido à lista de pessoas com quem me relaciono. Como se, da próxima vez que vir aquele tipo, pudesse chegar junto dele, dar-lhe uma palmada nas costas e dizer: «Então, pá, estás bom? Para onde é que ias há tempos logo de manhãzinha?» Como se fosse possível ele não estranhar e responder. Um amigo imaginário. Pelo menos durante uns instantes. Enquanto me lembrar dele. Até acabar de escrever este post e sempre que o reler.
Pronto, já podem chamar a ambulância com os paramédicos. Se eles forem simpáticos, irei sem resistir. Poderemos até ficar amigos. De verdade.
Se analisada de forma séria e racional, a história de ao morrer se avançar em direcção a uma luz pode ter duas explicações. A primeira é aquela em que acreditam os cristãos: morremos e avançamos para o Paraíso. Faz-me alguma confusão que o Paraíso seja um inferno para gente fotossensível mas é uma possibilidade. E suponho que um alerta: quem não vir a luz sabe desde logo estar condenado ao Inferno ou a uns milénios de Purgatório. A segunda hipótese exige que se acredite na sanidade de Shirley MacLaine (de cujos filmes gosto muito mas que nunca me pareceu ter todas as engrenagens cerebrais montadas de acordo com o manual de instruções) e que se entenda que, à chegada, já passámos por experiência similar: no parto, exceptuando casos de partos nocturnos durante apagões, avança-se mesmo por um túnel escuro em direcção à luz. Repare-se: luz à chegada, luz à partida. Um ciclo. Voilá: a reencarnação existe e a morte, como o nascimento, não passa de um canal vaginal.
Acaba por ser uma hipótese estranhamente reconfortante. Pelo menos para alguém como eu.
A pé (preciso de dar cabo do colesterol antes que ele dê cabo de mim), atravesso o rio Douro pela Ponte da Arrábida e (preciso de manter o cérebro entretido ou ele dedica-se a ruminações inconvenientes) vou contando os passos. Quando saio do tabuleiro vou em 787. O meu cérebro extravasa competências (estou farto de lhe pedir para não procurar significados ocultos em tudo e mais alguma coisa) e acha perfeito. 787, explica-me, é um número que tanto funciona indo de Gaia para o Porto como do Porto para Gaia. Durante uns segundos seguimos entretidos a pensar no assunto e depois ele percebe que 767, 777, 797, 808 e dezenas de outros números resultariam igualmente bem. E amua. Mas nessa altura já eu lhe tinha prometido usar o acontecimento para assinalar o post 1001.
É só de vez em quando. Muito de vez em quando. Não mais de três ou quatro vezes por dia. Cinco, no máximo. Pronto, de modo a abranger aqueles dias já não exactamente típicos, que sejam seis. É só quando olho para cima, e nem sempre. O quê? A vontade que me surge de comprar uma caixa de chumbos, pegar na velha pressão de ar que o meu pai me ofereceu quando eu era miúdo e ninguém usa há décadas, e sair por ai atingindo Pais Natais agarrados a fachadas de prédios. Não procuraria atingi-los nas zonas vitais. Não, nada disso. Tentaria posicionar-me de lado e acertar-lhes nos dedos das mãos, de modo a fazê-los cair. Só pelo divertimento – e para ver se as renas apareciam do nada, voando com o trenó atrás, e os salvavam no último instante, como num filme de super-heróis. Seria catita. O ponto alto do meu Natal. Mas é capaz de ser ilegal e assustar as pessoas.
Esta imagem desaparecerá dentro de quinze segundos. Catorze. Treze. Doze...
Disse-me para virar à esquerda e virei à direita. Aconselhou-me a tomar a segunda estrada e optei pela terceira. Recomendou-me que abrandasse e acelerei. Instou-me a voltar para trás e segui em frente. Ordenou-me que saísse e continuei. Pediu-me para subir à montanha e desci ao vale. Disse: «Chegou ao seu destino.» Adoro um GPS que me conhece tão bem.
Toda a felicidade é uma obra-prima.
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano
Edição Ulisseia, tradução de Maria Lamas
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