como sobreviver submerso.

Segunda-feira, 19 de Abril de 2010
Do telefone fixo enquanto intensificador de sabor, do papel das cabines telefónicas no imaginário do apreciador de cinema, ou ainda a propósito do concerto de David Fonseca
A propósito da terceira pergunta:

 

Combinava-se num telefonema o dia e a hora em que se faria o seguinte, e tinha que se estar em casa para o atender. Corria-se o risco de ser um dos pais a fazê-lo. (Pergunto-me se os telemóveis ditaram a sentença de morte a frases como «estás à espera de uma chamada?» e «larga o telefone que estou à espera de um telefonema».) Períodos de separação (as férias, por exemplo) não podiam ser mitigados com horas de moche nem com mensagens de texto terminadas em «Luv U». (A única pessoa que substituía palavras por letras e números com a mesma fonia era o Prince e toda a gente tinha consciência de que ele não batia bem.) Os universitários com quartos arrendados em casa de velhas forretas viam-nas colocar um cadeado no telefone e eram forçados a usar as cabines públicas. A ansiedade e os pressentimentos não podiam ser combatidos ligando para o telemóvel e dizendo: «Só queria ter a certeza de que estavas bem». Só se tinham certezas às horas combinadas. Os quilómetros de distância podiam ser os mesmos mas a sensação de separação era muito superior. Quase não há separação nas relações actuais. Está-se sempre «ligado», a «comunicar». É bom? Provavelmente. Mas talvez menos do que se pensa. Nenhum dos receios – de adolescentes ou adultos – desapareceu. Temem-se as mesmas coisas, apenas se verifica mais amiúde. E o contacto excessivo cansa. Gera mais atrito («por que não atendeste?», «por que não me enviaste uma mensagem?»), faz com que as relações se esgotem mais depressa, facilita a crença de que tudo é ou deve ser fácil e imediato. Viver limitado aos telefones fixos era péssimo, em muitos aspectos. Mas talvez intensificasse os sabores ligados à expectativa, à antecipação. Um reencontro era um verdadeiro reencontro, não algo que acontecia na sequência de vinte e oito mensagens de texto, quatro telefonemas, duas conversas no Messenger. Para quem é adolescente hoje, o telefone fixo é quase uma incongruência. Mas era a única forma de comunicação oral para adolescentes e adultos ainda há menos de vinte anos. E depois, não menos importante para tentar encontrar uma explicação para a obsessão que David Fonseca parece ter por telefones tradicionais e por cabines telefónicas, há a iconografia. O famoso telefone vermelho, que podia evitar uma catástrofe nuclear. Os filmes e as séries em que o herói saía ou chegava a casa respectivamente segundos antes do ou após o toque do telefone, despoletando-se assim algo de trágico. Os filmes e as séries em que o herói tinha de retirar alguém de dentro de uma cabine telefónica para poder fazer uma chamada fundamental, ou era assediado para sair de uma por alguém irritado pelo tempo que estava a demorar. (Agora, os problemas dos heróis passaram a ser a carga da bateria dos telemóveis e, mesmo em plenos centros citadinos, a falta de rede.) Os filmes e as séries com as cabines vermelhas inglesas, como a que David tinha no palco do Coliseu, ou com cabines de aspecto menos tradicional, perdidas na berma de estradas no interior dos Estados Unidos, próximas de motéis desertos com néons a piscar Rooms Available, como os que David tinha nos videowalls antes do concerto. Tudo mudou. Já quase não se usam cabines telefónicas e telefones fixos nas séries e nos filmes. Ironicamente, o filme que em 1999 lançou muitas tendências do cinema actual foi também um dos últimos em que os telefones fixos ainda eram fundamentais: Neo, Trinity e Morpheus precisavam de uma linha fixa para abandonar a Matrix. Depois, no canto do cisne, houve Cabine Telefónica, em 2002, onde a ironia estava toda em que, para não deixar rasto do e no telemóvel, Colin Farrell optava por telefonar da cabine e ficava sem poder sair dela. Actualmente, todos os telefones, mesmo quando não o são, parecem telemóveis. Cabines telefónicas e telefones fixos são coisas para gajos com mais de trinta e cinco anos, que viram filmes demais. Como eu. E, tudo o indica, o David.



publicado por José António Abreu às 23:55
link do post | comentar | ver comentários (8) | favorito

Sábado, 17 de Abril de 2010
Stop 4 a minute

Mas antes, porque devia ter colocado este vídeo aqui há uns meses, quando foi lançado:

 



publicado por José António Abreu às 10:43
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Dúvidas pós-concerto
                      
O que faria David Fonseca com um orçamento similar aos da Madonna ou dos U2? (Quem não esteve num dos Coliseus talvez possa comprar o DVD dentro de uns meses. Ou ler sobre o concerto de Lisboa aqui.)

 

Quantas histórias diferentes terá ele para introduzir o assobio de Superstars II? (E por que diabo a maioria dos espectadores ainda acredita nele quando começa a contá-las? Ou serei só eu?)

 

O que o atrairá tanto nos telefones tradicionais, a ponto de invariavelmente, e pelo menos durante uns segundos, cantar para um? (Tenho uma teoria mas fica para depois de dormir mais um pouco.)

 

O que se passa com Cyndi Lauper? (Na calma noite de Quinta-Feira, vi Uma Noite Atribulada no cinema. Em conversa dentro de um Audi R8, Steve Carell confessou a Tina Fey, sua mulher no filme, ter fantasias sexuais com Cyndi Lauper. Vinte e quatro horas depois, David Fonseca cantava em palco dois – dois! – temas de Lauper.)

 

No que pensavam os dois polícias com bigode que assistiam de cara fechada, de uma das entradas nas tribunas, ao último e ruidoso encore? (Pensando melhor, talvez só um tivesse bigode, mas um bigode suficiente para, na minha cabeça, eu o ter dividido por ambos.)

 

E acho que agora vou voltar para a cama.

 

(As fotos são de 2008. Ontem nem levei máquina.)



publicado por José António Abreu às 10:40
link do post | comentar | favorito

Terça-feira, 30 de Março de 2010
David e Laura

 

 

A culpa foi (ou antes, é, que a culpa nunca acaba) de David Fonseca (nos Coliseus em Abril, aproveite-se para acrescentar). Há um par de anos, numa mini-entrevista à Blitz, mencionou o primeiro álbum de Laura Marling, Alas I Cannot Swim (alas, eu também não, rapariga – por que achas que uso escafandro em vez daqueles fatos de mergulho cheios de estilo?) como sendo um dos que mais tinha ouvido nos últimos tempos. Incapaz de não saber do que é que os outros estão a falar (não nesse sentido), fui informar-me. Acabei a encomendar o disco na Amazon e a considerar que o David tinha razão em ouvi-la (mas segui idêntico procedimento com a Ladyhawke, mencionada na mesma entrevista, e já não lhe achei tanta piada). Laura, que aqui me parece a irmã mais nova da Bonnie Bedelia (lembram-se dela, dos primeiros Die Hard e do Presumível Inocente?) lançou agora o segundo álbum, I Speak Because I Can. Este é o primeiro single.



publicado por José António Abreu às 08:41
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

dentro do escafandro.
pesquisar
 
Janeiro 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


à tona

Do telefone fixo enquanto...

Stop 4 a minute

Dúvidas pós-concerto

David e Laura

2 comentários
2 comentários
reservas de oxigénio
tags

actualidade

antónio costa

blogues

cães e gatos

cinema

crise

das formas e cores

desporto

diário semifictício

divagações

douro

economia

eleições

empresas

europa

ficção

fotografia

fotos

governo

grécia

homens

humor

imagens pelas ruas

literatura

livros

metafísica do ciberespaço

mulheres

música

música recente

notícias

paisagens bucólicas

política

porto

portugal

ps

sócrates

televisão

viagens

vida

vídeos

todas as tags

favoritos

(2) Personagens de Romanc...

O avençado mental

Uma cripta em Praga

Escada rolante, elevador,...

Bisontes

Furgoneta

Trovoadas

A minha paixão por uma se...

Amor e malas de senhora

O orgasmo lírico

condutas submersas
subscrever feeds