O Banco Central da Suíça deixou ontem de defender a cotação do franco em relação ao euro, que desde 2011 mantinha em torno de 1,2. O franco valorizou quase 20%. Há três possíveis explicações para esta decisão:
1. Num país onde muitas vozes se opõem a políticas de estímulos financeiros (e onde até já se fez um referendo questionando os suíços acerca da conveniência do banco central reforçar as reservas de ouro), o Draghi dos Cantões pretendeu validar a posição mantida nos últimos anos (durante os quais comprou Eigers, Matterhorns e Jungfraus de euros com francos fresquinhos), mostrando aos cépticos quais as consequências de deixar os mercados funcionar livremente (atitude que, refira-se, muito desagradou a vários agentes dos mercados). Como tudo não passa de uma brincadeirinha (esta hipótese pressupõe que os banqueiros centrais têm sentido lúdico mas convém despachar a teoria da conspiração logo no início), deverão ser anunciadas medidas em sentido contrário a muito breve prazo.
2. Sabendo que o BCE vai iniciar um programa de compra de dívida, o Draghi dos Cantões (a minha inércia impede-me de lhe pesquisar o nome) decidiu que o esforço necessário para continuar a assegurar a cotação do franco era suicidário e abandonou o barco dos que acreditam que os estímulos financeiros vão resultar, aceitando as perdas a curto e médio prazo para os sectores exportadores da economia suíça.
3. Prevendo que o BCE não possa – ou, apesar de todos os soundbites em sentido inverso, não queira – iniciar o programa de compra de dívida, o Draghi dos Cantões (que, aposto, não fala cantonês) antecipou a subsequente queda do euro para, permitindo agora uma valorização do franco, conseguir que, apenas por acção dos mercados, ele acabe o processo com uma cotação não demasiado penalizadora para as exportações suíças.
No caso de qualquer uma das duas últimas hipóteses ser a verdadeira, a mensagem do Draghi dos Cantões é tão cristalina como pingentes de gelo em chalé alpino: o esquema de Ponzi com que tantos bancos centrais andam entretidos não funciona e tem de acabar. Esperemos que ele seja apenas um suíço pessimista.
A deflação não é ter preços mais baixos. A deflação é as pessoas não consumirem, depois as lojas baixarem os preços porque ninguém compra, depois as empresas despedirem os seus funcionários, e depois irem à falência. Lavar e repetir. Menos consumo leva a preços mais baixos que leva a mais desemprego que leva a menos capacidade de consumo. Se isto não é claro, não se preocupem; vê-lo-ão tanto que não conseguirão que vos passe despercebido.
E não pensem que os EUA estão imunes. A maioria das vendas da Black Friday e do Natal serão plástico, i.e., mais dívida, e mais dívida significa menor capacidade de consumo no futuro. A não ser que se possua uma economia crescendo suavemente, mas isso não sucederá quando a Europa, o Japão e em breve a China se encontrarão em deflação.
E, sim, petróleo a 50-60-70 dólares o barril acelerará o processo. Mas não será a causa principal. A deflação era um ingrediente do bolo desde o momento em que a desalavancagem de dívida em larga escala se tornou inevitável, e podem escolher qualquer instante entre a administração Reagan, que primeiro começou a subir os níveis da dívida, e 2008 para isso. E todos os estímulos combinados dos bancos centrais apenas significarão maior necessidade de desalavancagem em cima da que já existia.
Os optimistas acreditam que os estímulos dos bancos centrais levarão à concessão de mais crédito, que este conduzirá a mais consumo, que o consumo gerará crescimento económico suficiente para subir a taxa de inflação e reduzir o nível de endividamento existente na maioria dos países ditos desenvolvidos. Alguns optimistas um pouco menos optimistas, como os que definem a linha editorial da The Economist, acrescentam à política monetária agressiva a necessidade de reformas estruturais um pouco por todo o lado e de políticas fiscais expansionistas onde tal ainda se revelar possível. Por seu turno, os pessimistas acreditam que a «desalavancagem» (certos termos nunca deveriam extravasar do universo técnico onde nasceram) é inevitável, dado grande parte do crescimento das últimas décadas ter sido obtido precisamente através do aumento da dívida (pública e privada), que a acção dos bancos centrais só está a adiar e agravar o problema, gerando uma bolha nos mercados financeiros que pode estoirar a qualquer momento, que não há forma de sair disto sem um empobrecimento colectivo de vários anos (que já começou mas irá piorar). No que me diz respeito, tendo ainda por cima perdido quase todas as esperanças na capacidade de vários países levaram a cabo reformas estruturais significativas, estou no campo dos pessimistas. E se esse posicionamento permite a vantagem intrínseca do pessimismo (não ser apanhado de surpresa), não evita que se sofram as consequências nem permite usufruir da bênção de um período de inconsciência.
Discute-se muito o tema «regulação» mas raramente até ao seu âmago. Na maioria das vezes, fica-se pela questão da regulação bancária ou do mercado de capitais. Garantir rácios adequados nos bancos e vigilância mais apertada dos fluxos de capitais seria importante se outro elemento não estivesse desregulado: a moeda. Em tempos, as notas que trazíamos no bolso estavam ligadas ao padrão ouro; hoje, só têm valor porque continuamos a acreditar que têm. Há muito mais dinheiro em circulação no mundo do que o valor dos bens que podem ser comprados - pelo menos ao seu valor actual. (Talvez se pudesse diminuir o diferencial acrescentando à lista de bens passíveis de compra itens como a honra, a fidelidade e a amizade mas até esses - num processo a que poderíamos chamar, para usar a terminologia económica tão em voga, «deflação dos valores morais» - parecem valer cada vez menos.) Ainda assim, os bancos centrais continuam a imprimir dinheiro e a fornecer garantias, estimulando não aquilo que gostariam de estimular (a produção de bens de consumo e os serviços que lhe estão associados, criando condições para a diminuição do desemprego e para o aumento de salários) mas aquilo que pode ser estimulado: o mercado de capitais e a «especulação» (bens já não fazem dinheiro; apenas dinheiro o consegue). A verdadeira e crucial regulação seria, pois, a da moeda. Um novo Bretton Woods, que a indexasse a alguma coisa tangível (num documentário passado recentemente na SIC Notícias sugeria-se o kilowatt-hora de energia renovável ou um cabaz de produtos adequado à economia de cada país). Mas pouca gente, da direita à esquerda, quer verdadeiramente pôr fim ao nível de especulação actual: por muitas assimetrias que vá produzindo, mantém a ilusão de riqueza. Qualquer correcção, incluindo esta, seria para baixo, pelo que se adia e se finge que tudo correrá bem. Assustador é pensar (mas pensar é quase sempre assustador) que podemos estar no limiar de uma nova crise financeira sem verdadeiramente termos saído da anterior (i.e., sem margem para novos cortes de rendimento) e com os bancos centrais atulhados de garantias sem valor e praticamente desprovidos de munições (circunstância que pelo menos os deverá impedir de, mais uma vez, adiar - e agravar - o problema). A próxima correcção vai ser a sério.
Quem contrai dívidas de 400 mil euros em seu nome junto de um banco arranja um problema a si próprio se não as conseguir pagar. Quem contrai dívidas de 400 milhões de euros em seu nome junto de um banco arranja um problema ao banco se não as conseguir pagar.
É mais ou menos isto. Mas agora também:
Quem contrai dívidas de 4 mil milhões de euros em nome do banco que dirige arranja um problema ao banco, ao governo e aos contribuintes se não as conseguir pagar.
E ainda:
Mas, evidentemente, a concretizar-se um cenário deste tipo, a responsabilidade não será dos bancos centrais que, pressionados por governos sediados um pouco por todo o globo, por capitalistas desejosos de lucro rápido, por socialistas e socialistas à esquerda de socialistas, por comentadores mais ou menos anónimos com agendas mais ou menos óbvias e por economistas galardoados com o Prémio Nobel, injectam há anos dinheiro especulativo na economia em nome do «crescimento». Será, como convém que seja, apenas de um dos grupos mencionados atrás: o dos gananciosos do costume.
E, de repente, umas quantas almas agonizando entre a confusão (o Estado deve ser reformado mas ao mesmo tempo deve ficar como está), o despeito (por que não lhes seguem as ideias sempre luminosas e coerentes?) e a amnésia (Portugal terá chegado ao limiar da bancarrota por uma infeliz conjugação astral e não por políticas defendidas – e, em alguns casos implementadas – por elas) juntam-se a outras, reconhecidamente insensatas (a ponto de continuarem a defender o modelo económico venezuelano), e a dois meses do final do programa de ajustamento propõem uma reestruturação das condições de pagamento da dívida pública (que, em parte e de forma discreta, já foi alvo de reestruturações e voltará a sê-lo no futuro). Felizmente, com excepção da comunicação social, que vê qualquer ruído entrópico como boas notícias, e uns quantos bloggers, que fazem questão de opinar sobre tudo o que pareça «estar a dar» (pois, mea culpa), ninguém leva esta colorida agremiação de putativos notáveis a sério, por majestáticas qualificações e extrema boa vontade de que padeçam. Nem aqueles (teoricamente assustadiços) a quem o Estado português continua a pedir dinheiro para manter os gastos que já se provou não poderem ser cortados. O que – pensando bem – é capaz de ser um erro colossal. Um destes dias a loucura (admitamos caritativamente que bem intencionada) ainda recupera o poder, deixando-os (e a nós, uma vez que entre eles se contam os bancos nacionais) a olhar para buracos nas contas que farão o do BPN parecer questão de trocos. Mas pelo menos a beleza de uma reestruturação ficará evidente para todas as partes envolvidas, já que pelos vistos não ficou quando a reestruturação da dívida grega não apenas não resolveu os problemas da Grécia como causou uns problemitas nos bancos cipriotas.
(O qual – e se isto diz imenso sobre o país que somos, diz ainda mais sobre o país que nunca fomos nem nunca seremos – causará incomparavelmente menos polémica do que quaisquer cortes, para além de zero suspeitas de inconstitucionalidade.)
3. Ouve-se frequentemente dizer, em tom de lamento, que PSD e PS são iguais. Claro que sim. Nem quando o desejam podem ser diferentes.
4. No fundo, o sonho de Cavaco está a concretizar-se: há uma única via – só não está a ser definida por ele, nem por acordo entre os partidos, mas pelos juízes do TC. Ironia deliciosa é a aplicação caber aos partidos a que teoricamente menos agrada.
5. O que suscita a questão: em 2015, PSD e CDS devem ser julgados pelo fizeram ou pelo que tentaram fazer?
6. Sendo que a pergunta fulcral talvez seja outra: para que servem as eleições quando a ideologia está constitucionalmente fixada?
Existe, todavia, uma área em que os portugueses parecem hoje incomodar-se a sério com a utilização de dinheiros públicos: o auxílio aos bancos. Aumentar impostos ou cortar salários e pensões para salvar os bancos? Inaceitável. Na verdade, nem tanto. Como se vê pelas reacções às soluções adoptadas em Espanha (o auxílio aos bancos não conta para o défice) e em Chipre (onde os maiores depositantes foram atingidos), bem como a várias notícias relacionadas com a união bancária, não é a ajuda aos bancos que incomoda os portugueses. Tendo mais ou menos percebido que o dinheiro público nacional lhes sai dos bolsos, os portugueses apenas passaram a desejar que outro dinheiro público resolva os problemas. O dinheiro público europeu, que, evidentemente, só não é inesgotável por má vontade de alguns povos (ou melhor: dos governantes de alguns povos). Com esse dinheiro, e entre muitas outras coisas, salvar os bancos não tem mal nenhum.
Alongando-se um nadinha em tempos de austeridade, por regra a memória colectiva é muito curta. E, assim, praticamente todas as recordações de acontecimentos com mais de três ou quatro anos se esvairão logo que a economia melhore um pouco. Uma sorte para os socialistas, que poderão aproveitar um efeito similar ao de que o PSD liderado por Cavaco Silva beneficiou em 1985, após o governo de bloco central, e exclamar: «As dificuldades? Foram eles.» Caso contrário, obrigados a excluir gente que tentou vender coisas, gente que comprou coisas, gente que autorizou coisas, gente que renegociou coisas, gente que fechou os olhos a coisas e gente que lucrou com coisas, e atendendo a quão difícil já é para o PSD, ser-lhes-ia impossível formar governo.
Adendas
1. Que os banqueiros não percebiam os riscos para os seus próprios bancos de negociar em produtos derivados é um facto há muito estabelecido.
2. A primeira obrigação de um funcionário de qualquer empresa é seguir as indicações do seu empregador, desde que estas não impliquem violação da lei.
3. Interessa-me acima de tudo a acção dos governantes. Consideraria motivo de escândalo que os governantes de então tivessem comprado o produto que o actual secretário de Estado vendia. Não compraram. É menos uma coisa a acrescentar à longuíssima lista de erros que cometeram.
4. Para ministros e secretários de Estado das finanças é quase inevitável ir buscar pessoal que trabalhou em bancos.
5. O secretário de Estado não poderá alegar não perceber do assunto.
6. Como sempre, o ponto fundamental é o nível (intensidade e qualidade) do escrutínio existente sobre os governantes. Reconheço que em Portugal ainda é fraco e alvo de enormes distorções. Muito fica por detectar, barbaridades passam por entre encolheres de ombros e factos menores geram histeria.
O discurso de Seguro pode ser resumido numa frase: «Andámos uma semana a exigir felicidade para todos os portugueses e PSD e CDS recusaram-na.» Muita gente já o afirmou: as propostas do PS eram irrealistas. Tão irrealistas que a conclusão só pode ser: a vontade de conseguir um acordo era nula. Completou-se desta forma o processo de regressão do PS, a operar de novo num universo paralelo onde tudo é possível. Os efeitos nefastos da liderança Sócrates continuam (e, atendendo ao número e ao poder interno dos seus seguidores, continuarão durante muito tempo) a afectá-lo mas, bastante pior, continuam (e, porque o PS é fundamental ao sistema político nacional, continuarão durante muito tempo) a afectar o país.
Ciente do ninho de víboras em que Seguro é forçado a movimentar-se, Passos tinha maior margem de manobra. Ainda assim, o PSD parece ter ido mais longe do que se esperava (do que eu esperava, pelo menos). Aceitando a antecipação das eleições e a renegociação do memorando de entendimento com o PS ao lado, terá mesmo ido tão longe quanto podia. Restava-lhe o quê? Juntar-se ao PS na exigência de eleições antecipadas? Podendo ter existido bluff, existiu também inteligência e assumpção de riscos (se o PS aceitasse, o PSD teria de ir a jogo). O PSD avançou com o possível enquanto o PS exigia o impossível.
Com marcação de eleições antecipadas ou validação da proposta de remodelação apresentada em Belém há semana e meia (um cenário tão mais provável que, ontem no Parlamento, Passos Coelho já se permitiu referir-se-lhe como o natural passo seguinte), quando é que acaba o intervalo?
Numa época em que o Parlamento é alvo de críticas diárias (muitas das quais perigosamente demagógicas), convinha esta gente perceber que actos como o de hoje desrespeitam o próprio cargo que exercem e que quem não se dá ao respeito não merece ser respeitado.
Para evitar que ele fosse denegrindo, de modo involuntário mas absolutamente implacável, a fraca imagem que já tenho dele, nos últimos meses procurei não ouvir declarações de António José Seguro. No entanto, hoje esta decisão causou-me um problema: ouvi-o apresentar um conjunto de propostas no Parlamento e nem sei se são originais ou já andam por aí em discussão desde a segunda, ou mesmo a primeira, tentativa de demissão de Vítor Gaspar. Seja como for, gostei particularmente desta: que a parte nacional do financiamento de projectos com apoio comunitário não conte para o défice público. Bati na testa com tanta força que fiquei a conseguir olhar para trás rodando a cabeça para cima. Convenhamos que é uma ideia brilhante (tão brilhante que, admitiu-o ele, não é dele mas de outro génio qualquer, em Itália). Só tenho dificuldade em entender por que havemos de ficar por aí. Que tal o pagamento dos juros dos empréstimos da Troika também não contar para o défice público? E porquê ficar pelos da Troika? E, numa época de tanto desemprego, que tal o subsídio de desemprego também não contar para o défice? Bastam estas medidas para atingirmos um excedente orçamental. Sendo que, evidentemente, pode ir-se ainda bastante mais longe: afinal, por que tem qualquer despesa do Estado de contar para o défice público?
Aviso: Posso demorar algum tempo a aprovar comentários porque vou ali ao banco pedir que os montantes que gasto em alimentação (para já; mais tarde avançarei para o vestuário) não me sejam debitados na conta.
Era a única coisa que Cavaco podia fazer para não ficar demasiado colado a Passos e Portas e tratar daquilo que mais o preocupa: a sua imagem para a posterioridade.
Passos aceitará qualquer solução, à espera de que Seguro a impossibilite. Portas está comprometido com todas as soluções possíveis e imaginárias. Pelo que: e agora, Tozé? Estás disposto a deixar o lirismo por instantes e meter as mãos na massa? Assim como assim, Portas já quer renegociar com a Troika. Juntos serão mais fortes.
«Muito prazer, seja bem-vindo. Mostre-nos lá então o plano detalhado para cortar os 4,7 mil milhões de euros na despesa pública.»
Paulo Portas fala durante doze minutos. Maria Luís Albuquerque e Carlos Moedas mantêm-se em silêncio.
«Baixar impostos? Talvez. Mas antes disso: mostre-nos lá o plano detalhado para cortar os 4,7 mil milhões de euros na despesa pública.»
Paulo Portas fala durante sete minutos e meio. Maria Luís Albuquerque consulta uns papéis, Carlos Moedas acerta o relógio.
«Como diz? A posição do governo português é irrevogável? Excelente. Confesso que por momentos receei irmos ficar aqui a discordar durante imenso tempo. Voltemos então ao que importa: mostre-nos lá o plano detalhado para cortar os 4,7 mil milhões de euros na despesa pública.»
Mas o que está Cavaco a fazer? Será que não ouviu Dijsselbloem, Schäuble, Barroso, Merkel et al aprovarem a solução congeminada por Passos e Portas e declararem o fim da crise política em Portugal?
Dizer que Paulo Portas «bateu com a porta» é tããão básico...
Casas de fotocópias de Lisboa sobrecarregadas de trabalho.
Logo agora que devias ter quase pronto o dossier com as medidas para a reforma do Estado...
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