Passei o dia de ontem pensando no que poderia dizer acerca de Raul Solnado. A característica dele que me parece mais interessante – e que talvez suscite muito do carinho que granjeou – era a sua forma relutante de fazer humor. Relutante não no sentido de o fazer contrariado mas no da criança (e já muitas pessoas mencionaram o termo ‘criança’ ao se lhe referirem) que avalia o efeito que as suas piadas tiveram, maravilhado pela reacção mas um pouco céptico por tê-la conseguido tão facilmente. Pense-se nos mais conhecidos sketches dele e ver-se-á grande parte da típica ingenuidade infantil. E a frase “façam o favor de ser felizes” tem ou não implícito o “vá lá, façam-me a vontade” com que uma criança pede um brinquedo? Em Solnado, o cepticismo era doce e o cinismo inexistente. Via-o ontem contracenar com Bruno Nogueira no programa que a RTP apresentou depois do telejornal e reforçava essa impressão. Nogueira, como de costume, fazia de gajo esperto mas presunçoso (papel que desempenha na perfeição); Solnado, até quando lhe chamava “cabrão”, fazia-o num tom que deixava subentendido “olha-me este marmanjo” e não “olha-me este filho da puta”. Mesmo quando desempenhava papéis dramáticos (e confesso as minhas falhas porque recordo poucos), a nota dominante era um desamparo infantil e não verdadeira raiva ou maldade. Relembre-se o magnífico Elias de A Balada da Praia dos Cães. O mundo à sua volta era violento e ilógico e ele enfrentava-o com uma resignação muito adulta mas também com uma incompreensão e uma mágoa muito infantis. Como se realmente não percebesse por que carga de água as pessoas não só não queriam ser felizes como até se esforçavam por ser infelizes. A lógica dos adultos é com frequência triste, Raul.
Foto pedida emprestada ao Senhor Palomar.
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