como sobreviver submerso.

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2013
O padrão

Se a coerência é uma virtude, as decisões do Tribunal Constitucional são dignas dos maiores elogios. Para além de previsíveis: tendem sempre a reforçar o status quo.

 

(Compreende-se, de resto: em grande medida, o status quo nasceu da Constituição e, por esquecimento, excesso de optimismo ou interesses próprios, nem mesmo nas revisões pós-euro alguém considerou importante prever a hipótese de ele se tornar insustentável. Pelo contrário: quando Passos Coelho, essa criatura acéfala, abordou o assunto ao chegar à liderança do PSD, foi crucificado não apenas por comunistas e bloquistas, para quem a iniciativa individual continua anátema e o Estado o paradigma da bondade e da eficiência, não apenas por socialistas, a quem, após anos de conluio com banqueiros, construtores civis e empresários dos sectores na moda, dava jeito uma viragem à esquerda, mas por vultos do seu próprio partido.)

 



publicado por José António Abreu às 17:25
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Sexta-feira, 30 de Agosto de 2013
CDTSPDERP
1. Das duas, uma: ou os juízes do Tribunal Constitucional não sabem interpretar a Constituição, o que, sendo grave, até um pouco assustador, a gente acaba por entender (incompetência é o que há mais por aí), ou a Constituição deveria deixar de chamar-se «da República Portuguesa» e passar a chamar-se «dos Direitos dos Trabalhadores do Sector Público e dos Dependentes do Estado da República Portuguesa», por ser cada vez mais claro não se destinar a proteger os direitos dos restantes.

 

2. «Espero que esta leitura do Tribunal Constitucional do princípio da protecção da confiança não tenha sido tão estreita que no futuro não se possa alterar nada no Estado”, referiu Passos Coelho. Caso contrário, “o Estado só conseguiria financiar-se à custa de impostos e eu não acredito que o país consiga suportar mais impostos para resolver um problema do Estado». Passos Coelho tem razão. Mas ter razão é inútil. Por força da Constituição ou dos juízes do TC (na prática, a distinção é irrelevante), qualquer governo (mesmo este, tão frequentemente apodado de liberal) pode apenas seguir um programa. Mais privatização, menos privatização, é um programa socialista. Tão socialista que, neste momento de crise, o PS aplaude por tacticismo enquanto o BE e o PC aplaudem por convicção.

 

3. Ouve-se frequentemente dizer, em tom de lamento, que PSD e PS são iguais. Claro que sim. Nem quando o desejam podem ser diferentes.

 

4. No fundo, o sonho de Cavaco está a concretizar-se: há uma única via – só não está a ser definida por ele, nem por acordo entre os partidos, mas pelos juízes do TC. Ironia deliciosa é a aplicação caber aos partidos a que teoricamente menos agrada.

 

5. O que suscita a questão: em 2015, PSD e CDS devem ser julgados pelo fizeram ou pelo que tentaram fazer?

 

6. Sendo que a pergunta fulcral talvez seja outra: para que servem as eleições quando a ideologia está constitucionalmente fixada?

 



publicado por José António Abreu às 18:23
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Quinta-feira, 10 de Janeiro de 2013
Inconstitucionalissimamente

1. Em finais de 2010, no primeiro orçamento que o parlamento irlandês aprovou depois de recorrer a auxílio externo, previa-se um esforço de equilíbrio das contas públicas de 6 mil milhões de euros, dos quais cerca de 3,9 mil milhões de euros eram cortes na despesa e, destes, cerca de 2 mil milhões eram cortes em salários e pensões. Por lá (onde, em 2007, antes da crise financeira, os gastos do Estado representavam 36,4% do PIB, contra 44,4% neste cantinho soalheiro), parece que é constitucional fazer coisas destas. A economia irlandesa, ajudada pelas exportações (por sua vez ajudadas pela taxa de IRC de 12,5% e, presumo, por sistemas de Justiça e burocracia menos kafkianos), já está a crescer desde 2011 (apenas cerca de 0,5% em 2012 but still). Se a economia europeia não atrapalhar, a taxa de desemprego (na ordem dos 14%) deverá começar a descer este ano.

 

2. Tipicamente, em Portugal as coisas são menos claras e demora-se muuuuuuuuuuuito mais tempo a discuti-las. Apesar disso, no que respeita à Constituição, estamos perto de eliminar quase todas as dúvidas. Se fazer o esforço de correcção dos desequilíbrios do Estado recair algo mais sobre funcionários do próprio Estado e cortar pensões de reforma acima de 1350 euros por mês forem medidas inconstitucionais, restará apenas saber se ela foi elaborada por irresponsáveis ou tem precisamente por objectivo acautelar os interesses instalados em vez do interesse geral.

 

3. Se o chumbo acontecer, e ao contrário do que se ouve e lê por aí, o governo não necessitará de um plano B. Considerando que o A foi chumbado em 2012 pelo mesmo tribunal e que depois existiu a tentativa de reduzir a taxa social única, estaremos no mínimo perante a necessidade de um plano D. O que faz com que aquelas proclamações bombásticas sobre o governo estar a seguir um programa ideológico maquiavélico e bem definido só possam ser tentativas de humor. Quando muito, não constituísse a frase um oximoro, é maquiavélico porque não está bem definido.

 

4. Entretanto, em nota acessória a que não resisto, volta a ser enternecedor observar como tantas pessoas parecem acreditar que a decisão de um tribunal pode fazer a austeridade desaparecer.

 

5. Evidentemente, não fará. Evidentemente também, a grande questão é: se as medidas forem chumbadas, o que se passa a seguir? Bom, as taxas do IRS ainda estão longe dos 100% e há outras medidas que talvez sejam constitucionais: cortar a totalidade dos subsídios a todos os trabalhadores e parte das pensões a todos os pensionistas, reduzir comparticipações e períodos de apoio, reforçar co-pagamentos, etc. Mais ou menos a receita proposta no famigerado – e óbvio – relatório do FMI. Quem corta 4 mil milhões, corta 5 ou 5,5.

 

6. Pode ainda – se for constitucional, claro; nem a realidade é mais importante do que isso – despedir-se umas (muitas) dezenas de milhares de pessoas na função pública e respectivos anexos. Por exemplo, diminuir as Forças Armadas para, vá lá, trezentos humanos, dois cães, um carro de combate, um furgão de transporte de tropas (um camião seria exagero), um F16 e um Alouette, um barco a remos e, por motivos sentimentais (e quiçá constitucionais) o navio-escola Sagres, vendendo-se o restante equipamento a uma ditadura simpática (a quanto estará o quilo de submarino?).

 

7. E enquanto nos entretemos com estas fascinantes questões, só possíveis num país com uma Constituição demasiado perfeita (afinal, como quase todas as nossas leis), a incerteza faz a economia definhar: ninguém, nas escolas, hospitais, câmaras e museus, mas também nas empresas privadas, sabe que dinheiro terá disponível dentro de meses – ou semanas. Não importa: demora-se o tempo que for preciso e, revelando-se necessário, abraçados ao estandarte dos direitos adquiridos e da putativa igualdade entre sector público e privado, afundar-nos-emos todos juntos. (Enfim, se cortar pensões acima de 1350 euros por mês for inconstitucional, todos constituirá exagero.)

 

8. Porque – e, para apreciadores de humor negro, isto é verdadeiramente divertido – inconstitucionalidade a inconstitucionalidade, as hipóteses de sobrevivência deste Estado pesado e corroído por interesses, onde o governo mexeu até agora tão pouco que só pode concluir-se estar a tentar protegê-lo, vão diminuindo.

 

9. O que faz com que, em simultâneo, se vá delineando uma luta de classes paralela à tradicional (aquela entre pobres e ricos, com a burguesia – hoje conhecida por classe média – a servir de tampão): entre os que geram dinheiro e os que, sendo ricos ou remediados à custa do Estado, dele usufruem. Decorre de uma visão simplista e com uma pitada de maniqueísmo mas, nestes processos, tal é a modos que inevitável. Por exemplo, um maquinista da CP confessava há dias numa reportagem televisiva estar ciente de ser odiado. Pois.

 

10. Finalmente, e de modo a arredondar o número de pontos deste texto, já referi que a economia irlandesa está a crescer desde 2011?

 

Dados relativos à economia irlandesa:

FMI, World Economic Outlook, Outubro de 2012.


publicado por José António Abreu às 23:14
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Quinta-feira, 29 de Novembro de 2012
Choque

Parece que chegámos finalmente ao ponto em que a realidade está prestes a embater na Constituição. Mas talvez a realidade se desvie. Aliás, esperemos que sim porque já se percebeu que a Constituição não o fará; a Constituição é um obstáculo imóvel.



publicado por José António Abreu às 22:59
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Sexta-feira, 6 de Julho de 2012
A minha posição sobre a decisão dos inefáveis, etéreos e (qual é o termo para alguém que nunca se engana?) juízes do Tribunal Constitucional acerca do corte de salários no sector público
foi escrita pelo Rui Rocha. Que conseguiu acrescentar pormenores que eu nem sabia fazerem parte dela.


publicado por José António Abreu às 16:56
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Terça-feira, 17 de Abril de 2012
Garantia do direito ao empobrecimento

Em entrevista ao Diário Económico, a Ministra da Agricultura admitiu que a nova lei das rendas poderia ser mais ambiciosa se a Constituição o permitisse (ver aqui, a partir dos 39'30''). Confessou também as dificuldades sentidas para explicar aos elementos da troika não se poder ir mais longe sem arriscar um chumbo por parte do tribunal constitucional. Talvez o governo pudesse, ainda assim, ter feito mais, talvez não. Pouco importa – o ponto fulcral não se prende com uma lei específica, por importante que seja. O que nos devia preocupar é a hipótese de a Constituição estar a funcionar não apenas como garantia de direitos inalienáveis mas também como garantia de empobrecimento colectivo – ajudando a tornar, numa ironia que, não fosse trágica, seria deliciosa, cada vez mais difícil o cumprimento das suas próprias exigências. Infelizmente, pouco há a fazer. Necessitado de provar que ainda é de esquerda e de aproveitar todas as áreas que não constem do memorando de entendimento para fazer oposição, dificilmente o Partido Socialista aprovará uma revisão digna desse nome.



publicado por José António Abreu às 18:32
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