Mas era apaixonado e teimoso, como um verdadeiro neurótico. É bom ser-se amada por um neurótico, dá segurança. Sabes que não lhe vai passar, é uma ideia fixa resistente a todos os golpes da vida.
Há verdade, aqui. Mas há também um cunho masculino. É uma mulher quem, no livro, pensa isto mas é um homem que escreve o livro. A prazo, poucas mulheres apreciam comportamentos neuróticos. Mesmo por parte dos homens que as amam. Mesmo que a neurose se manifeste quase exclusivamente em formas de lhes agradar. Sentem-se presas, detestam o que parece fraqueza (o neurótico fecha-se sobre si mesmo quando a mulher que ama o acusa de alguma coisa) e a forma como eles parecem ignorar ou desprezar o resto do mundo, incluindo os familiares delas. O amor torna-se um fardo insuportável. As mulheres – bom, alguns homens também – querem tudo e o seu contrário.
Ontem, a propósito da atribuição do Nobel da Literatura a Herta Müller, que não conhecia, escrevi este postezito no qual mencionava uns quantos nomes que na minha opinião já o deviam ter ganho. Na caixa de comentários, a Margarida perguntou: «E o Magris?». Envergonhado, tive de confessar nunca ter lido o senhor. (Too many books, too little time e leituras completamente desregradas dão embaraços destes.) Hoje, numa tabacaria, perguntei: «Que livro vem com a Sábado esta semana?» A senhora mostrou-mo. Danúbio, Cláudio Magris. Arregalei os olhos, o que fez a senhora a recuar um passo (voltou a avançar quando sorri mas manteve-se desconfiada), e comprei revista e livro. Em casa, comecei a folheá-lo displicentemente. Na página 285, os meus olhos tombaram sobre:
«[…] as narrativas de Herta Müller, Terras Baixas, simples e difíceis com o correr dos anos, têm em contrapartida a verdade existencial do samidzat, da palavra poética que é sempre não-oficial. Herta Müller fala da aldeia, como grande parte da literatura anterior do Banato, mas a sua aldeia é o lugar da ausência, onde as coisas opacas, desfiadas sem sentido nas suas frases desprovidas de predicado, narram a opressiva estranheza do mundo e também do indíviduo de si para si.
Continuadora da nova literatura da estranheza de aldeia que floresceu na Áustria com Bernhard, Handke, ou Innerhofer, Herta Müller aprofunda originalmente a sua radicalidade pesada e sensível; quando teoriza, cai por vezes, como de resto os seus modelos, numa estereotipia não isenta de arrogância. Com a dura repressão política que se abateu sobre os alemães da Roménia, Herta Müller viu-se como muitos outros forçada ao silêncio.»
Quais são as probabilidades?
(Nota: Danúbio é de 1986. Esta edição é da idea e creación editorial, s.l. e a tradução é de Miguel Serras Pereira.)
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