Última semana de Agosto. A cidade já não parece abandonada. Antes no momento de calma que precede a tempestade. Um palco aguardando o início do espectáculo. O equipamento está pronto, meia dúzia de técnicos e figurantes afadigam-se em ensaios de última hora. Alguns não conseguem evitar sentir pena de que o período em que tiveram o palco inteiramente à disposição esteja a terminar e até algum ressentimento por saberem que, a partir de Segunda-Feira, muitas das pessoas que o vão ocupar agirão como se tivesse sido preparado exclusivamente para elas e lhe encontrarão imensos defeitos.
Estar a trabalhar durante o mês de Agosto é uma experiência estranha, especialmente de manhã. Às oito e um quarto a cidade tem uma paz irreal. Há menos pessoas que o costume caminhando pelos passeios e parecem fazê-lo em ritmo mais descontraído. Os carros são poucos mas, paradoxalmente, também parecem mover-se mais devagar. Há espaço e tempo, e consegue-se respirar. É uma cidade em modo pausa.
Tanto que por vezes surge-me a dúvida se não terá sido anunciada uma catástrofe iminente que levou quase toda a gente a fugir e apenas eu e mais uns quantos não o sabemos. E pergunto-me ainda se não o sabemos por distracção nossa ou por deliberação dos que fugiram. Se terão sido escolhidas as pessoas mais capazes e deixadas para trás as mais fracas. Mas depois, ao arrancar num semáforo em que o meu carro é o único da não-fila, vejo uma rapariga com roupas de Verão e fico mais sossegado porque ninguém a deixaria para trás se fosse importante salvar os mais aptos e propagar a espécie.
Um artigo no último número da revista Prospect propõe a criação de uma taxa sobre as mensagens de correio electrónico. O autor defende a medida como meio para reduzir o spam. Recentemente, no blog Outras Margens (e de novo na Segunda-Feira passada no jornal Público, em texto acessível online apenas a assinantes), Pedro Magalhães apresentou argumentos a favor da introdução de uma taxa sobre a entrada de veículos no centro das cidades. Percebo o ponto de vista de ambos mas faz-me um pouco de confusão que tudo passe por taxas e impostos. É curioso pensar como, numa época em que cada vez mais mais as pessoas fogem a pagar bens que durante décadas possuíram um valor indiscutível (música, filmes, livros, informação), sejam ou estejam prestes a ser forçadas a pagar serviços e actos até agora vistos como naturalmente gratuitos. E isto acontece ao mesmo tempo que a tendência também é para aumentarem as taxas que nos habituámos a pagar (p. ex., de rádio e TV, de saneamento, de acesso aos sistemas de saúde, de educação ou judicial), já para não falar dos impostos, que, ao contário do que disse Vital Moreira com ar ingénuo, têm subido paulatinamente.
Certas taxas terão pontos válidos e serão até inevitáveis. São sem dúvida uma forma eficaz de resolver alguns problemas. Mas a sua introdução excessiva (em número e/ou montante a pagar) pode acabar por servir como uma forma de controlar as vontades individuais (logo, as liberdades) das pessoas e em especial das mais pobres (que, na prática, já têm menos direitos), ajudando ao aumento de tensões sociais. E depois há ainda o factor discutido aqui: a possibilidade de que sociedades cada vez mais controladas tenham explosões de violência "injustificada" cada vez mais frequentes.
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