como sobreviver submerso.

Terça-feira, 29 de Setembro de 2009
Ao lado do centro

No União de Facto, Bernardo Pires de Lima escreveu após o debate televisivo entre José Sócrates e Paulo Portas que, num país normal, aquele teria sido o debate entre os líderes dos dois maiores partidos. É verdade. As diferenças ideológicas entre o PSD e o PS são ténues. Ao longo de décadas, os portugueses pareceram gostar disso e nem o CDS se atreveu a apresentar ideias muito diferentes (houve até uma altura em que o CDS se assumiu como o partido da "equidistância", um conceito absurdo quando se olha para o beco estreito que são as diferenças entre PSD e PS). Nestas eleições, os partidos fora do que Paulo Portas gosta de chamar “o centrão” usaram uma estratégia diferente. A crise financeira animou uma esquerda já antes bastante ideológica: o Bloco e o Partido Comunista não se coibiram de falar em nacionalizações e em taxar tudo e mais alguma coisa (não sei se inventámos a máquina do tempo e recuámos umas décadas, se a máquina do teletransporte e fazemos agora parte da América Latina). Mas também o CDS arriscou discutir assuntos como o papel do Estado em sectores como a educação e a saúde, as prioridades nas prestações sociais, a colocação de portagens nas SCUTs ou a política de impostos. Ao mesmo tempo, Bloco e CDS assumiram, na pose e no discurso, uma ambição cada vez maior. É verdade que, como Pacheco Pereira dizia há semanas num debate na RTP-N, todos os partidos querem os votos todos mas, num país conformista, anestesiado e avesso ao risco, costumava ter-se a sensação de que os dois maiores tinham mais de 70% dos eleitores presos num redil. No domingo passado descobriu-se que menos de 66% lá permanecem. Sendo improvável que o país caminhe da depressão para a felicidade antes que se verifique a necessidade de novas eleições, tenderão PSD e PS a reforçar componentes ideológicas (assumindo que o albergue espanhol em que se tornaram o permite), deslizando o primeiro para a direita e o segundo para a esquerda (como o PS fez nos últimos meses e em especial durante a campanha, num esforço desesperado e instrumental para esvaziar o BE), ou continuarão a procurar agradar a gregos e troianos, correndo o risco de verem os partidos mais pequenos aumentarem pelo voto dos que, por crescente desilusão, se forem deixando convencer da necessidade de políticas mais definidas? É claro que o crescimento do CDS e do BE vai também depender do que cada um fizer nos próximos tempos. E aqui a posição do BE é mais fácil. Não tem deputados para formar maioria com o PS e está livre para prosseguir o seu caminho de contestação e capitalização do descontentamento. Contudo, baseia-se numa ideologia que pode ser facilmente desmontada como irrealista e catastrófica para a economia (Portugal, talvez por estar tão longe dos países que ficaram do lado errado da "Cortina de Ferro", é o único país da Europa Ocidental onde quase 20% dos eleitores ainda acreditam no comunismo), e disputa votantes com um partido que sabe excepcionalmente bem fingir-se mais de esquerda ou mais de direita, consoante as conveniências. Já o CDS tem um delicado balanço pela frente. Por um lado, não deve adoptar a mesma estratégia destrutiva (muitos dos que votaram nele não o entenderiam); por outro, não pode de forma alguma transmitir a sensação de que está a ceder perante o PS (muito mais votantes se sentiriam traídos). Tem ainda que levar em conta o posicionamento do PSD depois da previsível mudança de liderança mas dificilmente o PSD se permitirá "assustar" os eleitores do centro virando demasiado à direita (o PSD está obrigado a um balanço ainda mais difícil e só a máquina partidária, a força autárquica, o "clubismo" de alguns eleitores e o voto "útil" lhe garantem resultados pelo menos honrosos). Para o CDS ter esperanças de continuar a crescer necessita de munir-se de muita paciência (não costumava ser o ponto forte de Paulo Portas), fazer uma oposição firme mas bem fundamentada e explicar todas as posições que tomar. E aguardar que, à medida que a situação do país se agravar (é duro ter de escrever isto mas não creio que, mesmo com o final da crise internacional e com os megalómanos projectos de obras públicas, a situação económica vá melhorar nos próximos tempos), mais e mais pessoas comecem a não aceitar respostas em meias tintas e, apesar de todas as fidelidades que o peso do Estado e da resignação consegue comprar, ponderem outros sentidos de voto que não no PS ou no PSD. A incapacidade que ambos têm revelado para reformar o Estado em vez de se servirem dele pode começar finalmente a custar-lhes caro. Em especial ao PSD, empenhado na sua ideologia esquizofrénica de tentar a quadratura do círculo (ou achavam que o título do programa do Pacheco Pereira tinha sido escolhido apenas por ser uma expressão bonita?).



publicado por José António Abreu às 13:00
link do post | comentar | favorito

Quinta-feira, 10 de Setembro de 2009
Expondo os flancos

O grande problema da indefinição ideológica de Manuela Ferreira Leite e do PSD, preocupados que estão em não assustar os votantes mais à direita com propostas de esquerda e os votantes mais à esquerda com propostas de direita, é que abre espaço em ambos os lados do espectro para que outros possam surgir como mais atractivos para quem prefere clareza. Paulo Portas percebeu-o e mostrou, no debate que acabou há pouco, quão grave isso pode ser para o PSD.

 

(Isto partindo do princípio que a ideologia e as propostas concretas ainda significam alguma coisa neste país.)



publicado por José António Abreu às 22:17
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 7 de Setembro de 2009
Asfixia, concorrência e nacionalizações

A declaração de Manuela Ferreira Leite de que não há asfixia democrática na Madeira é lamentável. Há coisas em que, por inabilidade ou obstinação, Ferreira Leite faz exactamente o oposto do que devia fazer. O facto do PS ter vindo a fazer mais ou menos o mesmo nos últimos anos não serve de desculpa.

 

Finalmente viu-se alguém a falar abertamente dos benefícios da concorrência nas mais variadas áreas da economia. No debate de hoje na SIC, entre Paulo Portas e Jerónimo Louçã, Portas colocou a tónica no ponto certo. Na maior parte das vezes, a questão não é se as empresas ou os serviços são públicos ou privados. É assegurar que existe concorrência. É a concorrência que força a necessidade de melhorar produtos, serviços e preços. E isto aplica-se em todos os sectores.

 

Portas também esteve bem noutra área, onde ontem Manuela Ferreira Leite não conseguira ter réplica adequada para a retórica tonitruante de Francisco Louçã: a das nacionalizações. Teriam custos gigantescos em indemnizações, em retracção do investimento estrangeiro e na redução de lucros decorrente das empresas passarem a ser geridas com finalidades mais políticas que económicas. À esquerda continua a acreditar-se no dirigismo estatal. Provavelmente até ainda se acredita em planos quinquenais.



publicado por José António Abreu às 21:42
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Segunda-feira, 31 de Agosto de 2009
We Try Harder

Apesar de ter dezenas de livros amontoados nas estantes à espera da minha atenção, estou a ler o programa eleitoral do CDS (internem-me, por favor). A primeira coisa que se me oferece dizer é que Paulo Portas conseguia ser mais conciso quando escrevia crónicas n'O Independente. Não sei quem lançou a ideia de que o documento tem duzentas páginas mas só pode ter sido uma daquelas pessoas que arredondam sempre para baixo. No meu computador, o ficheiro PDF descarregado daqui apresenta-se com duzentas e sessenta e uma páginas (é verdade que com texto menos denso que noutros programas) em estilo, digamos, amador (sugiro  a política dá cabo dos bons princípios com uma velocidade estonteante que digam que foi por causa da contenção de custos, mesmo que não tenha sido). No que respeita ao conteúdo, há coisas interessantes (por exemplo, maior clareza que o PSD nas questões ligadas à concorrência entre sectores público e privado, intenção de obrigar o Estado a cumprir os mesmos prazos que os privados têm que cumprir na sua relação com o Estado, simplificação fiscal e bonificação para famílias com vários filhos) mas também pontos em que se assobia para o lado (golden shares, comunicação social) e outros em que, como é tradicional em todos os partidos, as intenções rapidamente seriam trucidadas pela realidade (especialmente, e apesar de se sugerir uma ou outra forma de desviar fundos de áreas consideradas menos importantes para outras classificadas como fulcrais apoio social, redução de impostos, etc. , quando se verificasse que faltava dinheiro). Ainda assim, não é um mau programa. Ficaria bastante melhor com uma cura de emagrecimento, tem ainda muitas áreas em que houve receio de ser claro, mas bate o do PSD aos pontos. Duvidoso é que o trabalho leve a resultados eleitorais significativos. Além de mim, só os rapazes e raparigas do Rua Direita se devem ter dado ao trabalho de o ler. E, que me tenha apercebido, na comunicação social o impacto foi reduzido. Não consigo deixar de pensar que o CDS tem o mesmo problema da Avis na luta com a Hertz. Que tal espalharem pelas ruas uns cartazes com uma foto de Portas, Caeiro, Ribeiro e Castro et al e o slogan "We Try Harder"?



publicado por José António Abreu às 19:49
link do post | comentar | favorito

Sábado, 29 de Agosto de 2009
Neblina eleitoral

Claro que não houve coragem. O programa do PSD tem potencial mas vale mais pelo que pode ser que pelo que é. Pelas declarações de menos Estado ou de um Estado sujeito a níveis de exigência superiores e a mais concorrência que pela explicitação das formas de atingir esses objectivos. Talvez convenha assim. Para não assustar os eleitores, essa raça que todos julgam – quiçá com razão – extremamente espantadiça. Ou para não inviabilizar um possível, e parece que tão desejado por alguns, bloco central. Mas, para quem prefere soluções claras, para quem preferia ter por cá, como sucede em quase todos os países desenvolvidos, dois partidos fortes com filosofias claramente distintas, é uma pequena desilusão.

 
Resta o CDS. Terá Paulo Portas a coragem de assumir um programa com mais uva e menos parra? As repetidas referências ao bloco central podem ser uma oportunidade para o CDS (tal como para os partidos à esquerda do PS). Mas, para conquistar os votantes descontentes com o cinzentismo dos partidos do centro, o CDS teria que correr riscos e mostrar que as suas propostas são diferentes. Há espaço para ser diferente (ou, pelo menos, mais claro que o PSD) em muitas áreas. Na educação, propondo real autonomia das escolas (incluindo capacidade para contratar e avaliar os professores), concorrência entre elas, reforço da autoridades dos professores e do nível de exigência colocado aos alunos. Na saúde, defendendo a concorrência directa do SNS com o sector privado (vi, nos noticiários da hora de almoço, Sócrates atacar a ideia como se a concorrência fosse negativa e não uma forma de forçar o sistema público a agilizar-se). No sistema fiscal (simplificação, simplificação, simplificação), na economia (fim das golden shares, privatização dos portos, dos aeroportos, da TAP, da RTP1), na justiça, na administração pública, etc, etc.
 
Há espaço. Haverá coragem? E – confesso que, por mais tempo que vá passando neste rectângulo placidamente deprimido, não consigo percebê-lo – traria a clareza bons resultados eleitorais? A primeira questão é respondida amanhã. Temo que a segunda ainda não seja respondida nestas eleições.

 



publicado por José António Abreu às 16:40
link do post | comentar | favorito

Quarta-feira, 12 de Agosto de 2009
Dez milhões de beneficiários

Os últimos cartazes do CDS têm recebido críticas ferozes. Porquê? Porque há certas verdades que não se exprimem, pelos vistos. Entenda-se: eu também preferiria que nenhum partido sentisse necessidade de chamar a atenção para estes assuntos. E, de um ponto de vista eleitoral, não sei se os cartazes beneficiam o CDS. Mas as questões colocadas são relevantes. Tomemos como exemplo a pergunta “É justo dar rendimento mínimo a quem não quer trabalhar?”. Como é que cada um de nós responde à pergunta? Dir-me-ão que o populismo está precisamente na pergunta empurrar para a resposta “não” quando a resposta exige matizes (quais?). Ou que é injusto ou presunçoso afirmar que há quem não queira trabalhar (mas não preferíamos quase todos não ter que o fazer?). Dir-me-ão ainda que a pergunta traz à superfície as emoções mais primárias das pessoas (a ser verdade, por que será?).

 
Sim, seria menos agressivo usar uma frase do tipo “rendimento mínimo para quem verdadeiramente dele necessita”. Mas a questão não desaparece com frases mais redondas ou silêncios envergonhados. Há indubitavelmente abusos no usufruto de vários subsídios. Reconhecê-lo não transforma ninguém em discípulo de Mussolini ou de Hitler. Calar o assunto só aumenta as tais emoções “primárias” que as pessoas recalcam por pudor. E, a médio prazo, isso é mais perigoso que discuti-lo abertamente. Creio que o CDS não pede o fim do rendimento mínimo. E, independentemente da posição do CDS, poucas pessoas o pedirão. O que se pede é mais cuidado na sua atribuição e fiscalização. E é especialmente oportuno abordar o assunto em período pré-eleitoral porque nestes meses, em muitos pontos do país, as indicações transmitidas aos técnicos de acção social são para aprovar todos os pedidos que entrem. De tal forma que não me surpreenderia se o aumento constante dos encargos com o rendimento mínimo estivesse relacionado não apenas com a crise mas também com este facilitismo pré-eleitoral.
 

Por que não pode discutir-se estes assuntos? Devia poder-se. Sem que fossem automaticamente disparadas acusações de insensibilidade social ou populismo ou outros termos carregados de tanto ou tão pouco significado quanto as motivações por trás do seu uso. E deviam discutir-se também formas alternativas de encarar a questão (como, por exemplo, esta). Que dificilmente a esquerda implementará. Porque a esquerda se encontra paralisada entre a visão do bom selvagem e o horror a qualquer indício de populismo direitista (obviamente, o populismo esquerdista é diferente, tanto que raramente se lhe chama populismo). Mas talvez não seja apenas o pudor do politicamente correcto que refreia a vontade de reforma por parte da esquerda. Talvez também seja a velha ambição de fazer tudo depender do Estado. Na verdade, a esquerda só ficará satisfeita quando aos setecentos mil funcionários públicos, ao meio milhão de desempregados, aos quase quatrocentos mil beneficiários do rendimento social de inserção e aos dois milhões e oitocentos mil pensionistas juntar os restantes portugueses na dependência total do Estado. Entre a fúria controladora do PS e os desejos de nacionalizações do Bloco e do PC, já estivemos mais longe.



publicado por José António Abreu às 19:13
link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

dentro do escafandro.
pesquisar
 
Janeiro 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


à tona

Ao lado do centro

Expondo os flancos

Asfixia, concorrência e n...

We Try Harder

Neblina eleitoral

Dez milhões de beneficiár...

reservas de oxigénio
tags

actualidade

antónio costa

blogues

cães e gatos

cinema

crise

das formas e cores

desporto

diário semifictício

divagações

douro

economia

eleições

empresas

europa

ficção

fotografia

fotos

governo

grécia

homens

humor

imagens pelas ruas

literatura

livros

metafísica do ciberespaço

mulheres

música

música recente

notícias

paisagens bucólicas

política

porto

portugal

ps

sócrates

televisão

viagens

vida

vídeos

todas as tags

favoritos

(2) Personagens de Romanc...

O avençado mental

Uma cripta em Praga

Escada rolante, elevador,...

Bisontes

Furgoneta

Trovoadas

A minha paixão por uma se...

Amor e malas de senhora

O orgasmo lírico

condutas submersas
subscrever feeds