Governo de iniciativa presidencial liderado por António José Seguro.
1. Imperdoável. Cavaco tem posições políticas e age em função delas. Em 1987, Soares podia tê-las e fazê-lo. Em 2005, Sampaio podia tê-las e fazê-lo. Em 2015, Cavaco - eleito em sufrágio directo à primeira volta mas não socialista - devia limitar-se a assinar de cruz o que as mentes progressistas, bem pensantes - sempre elas, neste malfadado país - lhe dizem para assinar.
3. Governo de gestão, governo PS com apoio ilusório do PC e do Bloco ou governo PS com programa definido por PC e Bloco? Para o país, a primeira hipótese. Mas venha o diabo e escolha. O que, do ponto de vista da esquerda, é mais ou menos o que acontecerá.
José Sócrates foi o pior primeiro-ministro da terceira república e um dos três políticos portugueses mais importantes das últimas três décadas e meia (estou a recuar apenas até à morte de Sá Carneiro mas provavelmente poderia ir até 1974). Conseguiu-o unindo as piores características dos outros dois: Cavaco Silva e Mário Soares.
Como tem sido abundantemente referido, Cavaco lançou o modelo económico baseado em investimento público em infra-estruturas, desinteresse pelo sector de bens transaccionáveis, sistema de ensino mais baseado na massificação do acesso do que na qualidade, sector público cada vez maior e mais difícil de controlar. Mas Cavaco ainda pode apresentar uma desculpa: em 1985, quando chegou ao poder, Portugal era muito diferente. Justificava-se algum investimento em obras públicas, para mais quando estavam disponíveis fundos comunitários para o efeito (poucos se lembrarão mas não existia sequer uma auto-estrada completa entre Lisboa e Porto). Justificava-se claramente a reforma do sistema fiscal (uma alteração que queda esquecida, nesta época em que não convém dizer bem de Cavaco). Justificava-se a tentativa de abrir o sistema de ensino ao maior número de alunos possível, após décadas de salazarismo, ainda que fazê-lo demasiado depressa acarretasse riscos – comprovados – de quebra na qualidade. Apesar de ter sido feita por motivos eleitoralistas, justificava-se em parte a reforma do sistema retributivo da Função Pública, muito mal paga durante o salazarismo (e, sim, um país evoluído necessita de uma boa Função Pública, o que implica salários convenientes). O grande problema dos governos de Cavaco (em especial dos maioritários, em especial do segundo) foi o descontrolo em que se entrou – e (um ponto indesculpável) o desprezo a que foi votado o sector de bens transaccionáveis, com o desmantelamento forçado (começo a soar como o PC mas, de longe a longe, serve como purgante) da capacidade instalada em vários sectores, entre os quais a agricultura (hoje em crescimento). Mas, se Cavaco lançou o modelo, ninguém depois dele foi capaz de o ir corrigindo à medida das necessidades. O sector público, pejado de corporações, tornou-se demasiado forte; os empresários do regime, muitos dos quais ligados à construção civil e à banca, manobraram para que os dinheiros públicos continuassem a fluir na sua direcção; a baixa de juros conseguida com a introdução do euro iludiu toda a gente, gerando níveis insustentáveis de endividamento, potenciados durante longo tempo pelo Estado através de bonificações ao crédito e benesses em sede de impostos sobre os rendimentos. Quando Durão Barroso afirmou que o país estava «de tanga» e urgia tomar medidas desagradáveis, todos lhe caíram em cima – da comunicação social a Jorge Sampaio, passando por um Partido Socialista que saíra do poder com referências ao «pântano» mas as esqueceu de imediato para tombar no populismo e na demagogia habituais. E depois veio Sócrates. E foi então que o modelo a que Cavaco entretanto descobrira as falhas atingiu o esplendor máximo, em particular após a crise financeira internacional abrir portas à versão de que era urgente estimular a economia, devendo o controlo do défice ser preocupação para mais tarde (foi-o e todos sabemos com que consequências).
A influência de Mário Soares no período Sócrates é mais subtil mas ainda mais perniciosa. Soares, que sempre se moveu numa esfera de inimputabilidade, representa uma maneira de ser (talvez mais do que «agir») bastante disseminada na sociedade portuguesa, assente em grupos de amizade e troca de favores. Mais do que o socialismo, a ideologia de Mário Soares é o bem-estar pessoal e dos seus próximos. Daí não ter tido quaisquer problemas em, enquanto primeiro-ministro, implementar medidas do FMI similares às que nos últimos anos criticou. Daí nunca ter mostrado reticências em dar preferência a pessoas e organizações fora do quadrante ideológico a que presumivelmente pertence – pense-se em Savimbi e na UNITA. Soares move-se num mundo onde os que estão do lado dele são intrinsecamente bons e não merecem sujeitar-se às minudências das regras – ou mesmo (veja-se Craxi ou as declarações actuais sobre a detenção de Sócrates) das leis. Move-se também num mundo cosmopolita, de ideias e frases (feitas) grandiosas. É um bon vivant. Embora consiga mostrar-se à vontade entre o «povo» (num registo apenas ocasionalmente manchado por uma certa condescendência), aprecia dar-se com pessoas importantes e faz questão de que se saiba que o faz (mon ami Mitterrand). Muitos já o afirmaram: mais do que as diferenças políticas (durante muito tempo, tão ligeiras quanto as diferenças entre o estilo de governação tradicional dos governos do PS e do PSD), foi esta faceta que o afastou de Cavaco. Para Soares, Cavaco era – e é – plebeu, inculto, grosseiro (relembre-se a famosa fatia de bolo-rei). Nada como Soares, como os seus amigos socialistas ou mesmo como os líderes anteriores do PSD. E, no entanto, carregado com todos estes defeitos, vindo de fora do sistema (Cavaco afirma frequentemente não ser um político, o que é quase verdade quando o seu percurso é comparado ao de Soares), Cavaco retirou Soares e os seus do poder, conseguindo a então quase mítica maioria absoluta. Imperdoável. Anos mais tarde, para tentar impedir Cavaco de chegar a Belém, Soares incompatibilizar-se-ia mesmo com um velho amigo, Manuel Alegre, sofrendo a sua mais estrondosa derrota política (como deve ter doído a um homem que cruzou armas com – e venceu, apesar de pelo menos num dos casos tal ter sucedido por falta de comparência – políticos da estirpe de Álvaro Cunhal e Sá Carneiro). Hoje, quando a idade já não lhe permite alinhavar as ideias de forma a criar uma versão inteiramente coerente e pessoalmente vantajosa de acontecimentos que lhe desagradam (algo em que Sócrates é mestre), alguns acusam Soares de senilidade. Não nos conceitos por trás do discurso. Os conceitos são os de sempre: ele e aqueles que lhe agradam são impolutos e, acima de tudo, intocáveis.
José Sócrates constitui a pior amálgama possível das características dos dois – e, por conseguinte, o pináculo dos piores defeitos nacionais. De Cavaco, herdou a tendência autoritária (que, no fundo, embora em registo soft, Soares também possui), levando-a muito para além do que deveria ser politicamente (e talvez criminalmente) aceitável. Em ambos, vislumbra-se a sombra de um Salazar que ainda há não muitos anos foi eleito o maior português do século XX. Terem sido os únicos a conseguir maiorias absolutas para os seus partidos é sinal revelador da necessidade de pastoreio que os portugueses continuam a sentir. Sócrates herdou também de Cavaco a tendência para meter o Estado em todos os recantos da actividade económica e não vale a pena pretender que, num caso como no outro, isso não originou corrupção. Mas Cavaco tinha – ou parecia ter – mais um ponto em comum com Salazar: a frugalidade. Esta é uma característica que Sócrates, crescido no país novo-rico que as políticas de Cavaco originaram, claramente dispensa. Pelo contrário: como Soares, Sócrates quer viver da forma a que julga ter direito. Quer dar-se com pessoas importantes (à falta de Mitterrand, arranjam-se Chávez e Kadhafi), vestir e comer bem, ser olhado com admiração (uma diferença substancial em relação a Soares – e Cavaco: confunde admiração com temor ou, pior, até gosta de ser temido). Quer decidir, conceder favores, controlar tudo. São estes factores, e não convicções ideológicas, que o levam a aumentar o papel do Estado na Economia (um Estado grande faz com que Sócrates seja mais necessário, mais bajulado – em suma, mais poderoso) e também às manobras para controlar a comunicação social. Está no centro de um grupo de «amigos» (talvez sem aspas, não sei) que surgem em inúmeros negócios com o Estado ou controlam neste posições-chave. Atira meia dúzia de ossos à esquerda (as «causas fracturantes») e mantém um discurso de defesa do Estado Social enquanto gere o interesse público com os amigos e em função deles. (Cavaco também teve um círculo de amigos de carácter duvidoso mas nunca pareceu privilegiá-los, pelo menos durante o tempo em que exerceu funções públicas – a dada altura, até parecia farto deles.) Apanhado na teia de vários escândalos, escapa às questões da Justiça, onde alguns dos referidos amigos ocupam posição de poder, e responde às da comunicação social com a assinalável capacidade para, independentemente do teor das perguntas, repetir ad nauseum e em tom ultrajado meia dúzia de frases feitas. Estávamos nos tempos em que a comunicação social já era abjecta (enfim, alguma comunicação social, que outra, por convicção, interesse ou medo, continuava a apoiá-lo) mas em que a Justiça, dispensando-o das explicações (até poderia estar inocente mas a acumulação de indícios era excessiva para tamanha indiferença), decidia bem. Hoje, que lhas pediu, a Justiça é um antro de conspiradores. Dizem-no os seus amigos. Di-lo o seu mais dilecto pai espiritual, Mário Soares. Estão todos certos. Gente superior não merece tal tratamento. Merece passar por entre as gotas da chuva - e ser aplaudida, em vez de questionada, por tão fabulosa capacidade.
Quanto ao resto, espero que todas as sondagens mostrem que vai ser eleito facilmente à primeira volta para eu não ter de votar nele.
Como penso ter deixado claro aqui, não concordo com a ideia de que o presidente deva ser “neutro” ou um “árbitro”. O que me incomoda no comportamento de Cavaco Silva não é, por isso, que ele tenha uma posição e que a exprima. Todos os presidentes – todas as pessoas com um mínimo de capacidade cognitiva – a devem ter, todos, de uma forma ou outra, a exprimiram. Para mais, se a posição dele é que este governo é mau e que o Partido Socialista (com Sócrates à cabeça) é manipulador, eu não podia estar mais de acordo com ela. O que me incomoda é a aparente – e escrevo “aparente” porque ninguém parece saber exactamente o que é real e o que é jogo de espelhos – incapacidade que Cavaco revelou para jogar de forma minimamente limpa. Manobras de intoxicação da opinião pública, alicerçadas em suspeitas que parece mais provável terem nascido num sonho particularmente agitado ou numa piada de mau gosto que lhe ficou a zunir na cabeça do que em verdadeiros indícios de acções condenáveis por parte do governo (e há tantos), são indignas de um Presidente da República. Eu quero um presidente com opiniões, claro a defendê-las e assumindo os riscos de o fazer. Quero um presidente que use os poderes que tem e que, em algumas áreas, até possa vê-los reforçados. Não sei se isso me faz “presidencialista”. Do que tenho a certeza é que, da mesma forma que prefiro programas eleitorais claros, também na presidência prefiro clareza a meias palavras, a silêncios incómodos ou a recados oblíquos transmitidos por processos ínvios. Como escrevi aqui, a “forma” de Sócrates e do PS seria sempre suficiente para eu os recusar, mesmo que o “conteúdo” fosse bom. Cavaco Silva vai pelo mesmo caminho. Esperemos (sentados e sem reter a respiração) que, ao contrário do que sucedeu sempre com Sócrates, tenha aprendido alguma coisa.
Ordene em duas listas distintas os vinte termos apresentados abaixo. Na primeira deve colocá-los por ordem decrescente de importância para a felicidade de um qualquer país (em primeiro lugar o que achar mais importante, em vigésimo o que considerar menos importante). Na segunda deve colocá-los pela ordem que pensa estar a ser seguida num país específico chamado Portugal. Se não existirem diferenças entre as duas listas, parabéns. Pode considerar-se uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade. Se as diferenças forem significativas tem quatro possibilidades: a) queima a primeira lista, esforça-se por apagá-la da memória (bebidas brancas podem ajudar) e entra no espírito da política portuguesa; b) o mesmo que a) mas, em vez de entrar no espírito da política portuguesa, deixa de ler jornais, ouvir rádio e ver televisão; c) torna-se progressivamente uma pessoa tensa e exasperada; d) emigra.
Os termos são: cooperação, défice, investimento, fontes, desemprego, notícias, e-mail, justiça, politiquice, competitividade, comboios, crise, endividamento, porreiro, gripe, auto-estradas, guerrilha, exportações, escutas, pobreza.
Como se esperava, a comunicação do Presidente da República pouco esclarece. Mas, se Cavaco acredita mesmo que o Partido Socialista o usou para prejudicar o PSD, devia ter falado antes das eleições. Ao não o fazer, aceitou ser usado pelo PS.
Estou à espera de que hoje às 20:00 horas, aquando da comunicação ao país, Cavaco Silva pareça nervoso. Afinal, se a ideia de poder ter andado a ser escutado o incomodou tanto, não poderá sentir-se à vontade tendo a certeza de que milhões de pessoas que não consegue ver o estão a escutar com atenção.
Entendamo-nos: a confirmar-se que Cavaco Silva esteve por trás da notícia do Público sobre a suposta vigilância da presidência por parte do governo, ele fica muito mal na fotografia. Se tinha suspeitas, Cavaco devia ter confrontado o governo ou tomado outras acções que considerasse necessárias (incluindo, no limite, demitir o governo), não usar jornais para passar mensagens para a opinião pública.
Talvez a única solução sensata seja correr com Sócrates agora e com Cavaco em 2011. O problema é que, nos dias que correm, sensatez e política parecem inconciliáveis.
Cavaco Silva passou a estar sob fogo. As declarações acerca do acto do ex-Ministro Manuel Pinho geraram todo um manancial de críticas (p. ex., aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) a que Tiago Moreira Ramalho responde (bem) aqui. Mas este foi pouco mais que um fait-divers. Na realidade, as críticas ao presidente, vindas por vezes (como abordei aqui), do topo da intelligentsia do Partido Socialista, têm aumentado em número e em tom. Parte delas nascerá do desespero dos socialistas, sentindo-se prestes a perder as eleições legislativas e tendo já quase garantidamente deixado esfumar a hipótese de nova maioria absoluta. Ainda assim, quem critica Cavaco devia lembrar-se que, mesmo com uma Constituição altamente limitadora dos seus poderes, o presidente não é um espectador mas um actor político com opiniões. Que, como se verá, todos os presidentes anteriores fizeram questão de expressar com frequência.
(Fotos retiradas do site da Presidência da República.)
Os socialistas não andam a gostar das declarações de Cavaco Silva. Bom, na realidade os socialistas não andam a gostar de uma data de coisas hoje em dia. Esta é só mais uma. Mas há um pequeno pormenor quando se trata de Cavaco: a maioria das pessoas que o elegeu fê-lo por esperar que ele pudesse moderar os excessos do governo. Eu sei que há aquela velha treta do "presidente de todos os portugueses" mas ninguém votou em Cavaco para este tratar dos jardins do Palácio de Belém. Se está preocupado, Cavaco deve falar. Provavelmente não o fez nos primeiros anos de mandato porque, como muitas outras pessoas (que votaram ou não nele, que votaram ou não no PS), ainda alimentou esperanças de que Sócrates fizesse o que era necessário fazer. Entretanto tornou-se óbvio que isso não sucederá. Pior: todos os vícios do PS (e, de certa forma, dos sistemas partidário e empresarial português) vieram à tona. Cavaco deve assistir em silêncio?
Como quase nada neste governo é por acaso, o calendário de arranque das grandes obras públicas deve ter sido planeado cuidadosamente para coincidir com o período pré-eleitoral. Para azar de Sócrates e do PS, o revés nas eleições europeias permitiu que as críticas do PSD e as reservas de Cavaco ganhassem uma nova visibilidade – e credibilidade. Para o PS, a questão não é de legitimidade ou de convicção. Como de costume, é de marketing político. Preferirá o eleitorado a habitual imagem de teimosia (os leitores socialistas podem substituir por firmeza) ou uma posição mais cordata, capaz de mostrar ao povo que Sócrates, afinal, é um rapaz sensato que percebeu o sinal de domingo passado?
Aceitam-se apostas. A minha é que Sócrates avançará com a construção das auto-estradas, para preservar a imagem de determinação, mas não arriscará o confronto com Cavaco e deixará arrastar o processo do TGV até depois das eleições.
A revista Prospect traz este mês uma análise sobre a relação dos Franceses com o poder. Alguns pontos são quase directamente aplicáveis a Portugal, o que não surpreende considerando a influência que a cultura francesa teve entre nós durante séculos. Gostaria de abordar dois pontos: o aparente desejo de franceses e portugueses serem governados por uma figura dominadora e a percepção crescente de que os idealistas de 1968 se revelaram uma geração de hipócritas e egoístas.
O artigo aborda também, embora de raspão, a desilusão crescente com os políticos nascidos no pós-Maio de 68. Veja-se este parágrafo: "Much has been written about the generation of bourgeois intellectuals, known as les soixante-huitards, who led the student uprisings against de Gaulle’s stultified order. They fashioned the French political landscape, still run the media, and have lived off the fat of the land and squandered a thriving economy in the process. Once the heroes of a glamorous revolution, the soixante-huitard is increasingly perceived as a selfish, hypocritical gauche caviar (champagne socialist).” Aos políticos de 68 podemos em Portugal acrescentar os políticos do 25 de Abril de 74 e a análise fica perfeita.
José Miguel Júdice faz hoje no Público uma análise da relação entre Cavaco Silva e José Sócrates e, como muitos outros, especula sobre as razões para o recente “recado” do presidente. (Aqui, mas reservado a assinantes.) Ao longo de todo o artigo, Júdice pondera intenções, jogos políticos, manobras calculistas. Acaba com uma crítica forte ao presidente. Nem por um momento analisa a hipótese de Cavaco ter dito o que disse por – oh, surpresa nestes tempos de declarações cifradas – recear pelo futuro do país. Não duvido, como escrevi aqui, que ele possa ter outros motivos para andar irritado com Sócrates e com o PS. Não sou sequer fã dele (não gosto do estilo hirto e detestei muito do que fez e/ou permitiu fazer durante a segunda maioria absoluta do PSD), mas penso que merece o benefício da dúvida. Se há tantas pessoas preocupadas com o estado do país e com as medidas hipotecárias em que o governo tem insistido, por que não pode o presidente está-lo também? Deveria calar a preocupação? Em termos eleitorais, provavelmente ganharia em fazê-lo. Como Júdice reconhece, ser-lhe-á mais fácil conquistar um segundo mandato se Sócrates e o PS obtiverem uma nova maioria absoluta. Mas, nesse caso, por que fala? Será possível? Estará o homem apenas genuinamente preocupado?
Sócrates e o PS já não disfarçam. A resposta (ver Público e SIC) do primeiro-ministro ao discurso de Cavaco Silva prova-o.
Ponto um: Cavaco tem razão e deve falar (se não conseguir fazer inverter o rumo das coisas, pelo menos que, daqui a uns anos, quando a factura vier, não existam dúvidas sobre quem foi responsável por ela). Suspeito que lhe é difícil assumir este papel (a recordação de Soares não o deve largar). Mas tem que falar. Tem que chamar a atenção para as evidências. O caminho que o governo pretende seguir, de mais e mais endividamento, quando já nesta altura não temos folga, é suicidário. Não para os boys, resguardados nos seus cargos públicos ou encaixados nos conselhos de administração das empresas privadas que dependem do estado (quase todas as importantes), ou mesmo razoavelmente seguros numa carreira de professor ou de militar ou de profissional da saúde. Para esses, a baixa de rendimento será uma realidade mas não notarão nada de catastrófico (são os mesmos que, verdadeiramente, ainda não sentiram a crise). Os restantes pagarão a maior parte da factura. (E os alemães, e os franceses, e todos os outros cidadãos de países do euro, que alimentam o nosso desperdício há mais de vinte anos e que, mesmo contra vontade, terão que nos continuar a dar dinheiro para salvaguardar a cotação da moeda; há ainda alguém que conteste a nossa adesão ao euro?)
Ponto dois: desde o caso do estatuto dos Açores, em que sentiram o pulso ao presidente, Sócrates e o PS têm tratado Cavaco como irrelevante. Talvez estejam certos: Cavaco não geriu bem a questão dos Açores. Inicialmente, talvez tenha até sido ele a tentar ver se Sócrates podia ser levado a ceder. Falhou em toda a linha. Aparentemente, Sócrates deixou de o respeitar. Permite-se agora tratá-lo da mesma forma que trata Ferreira Leite e apenas ligeiramente melhor do que trata Louçã. De certa forma, é bem feito para Cavaco (nos anos 90, Soares exagerava mas Cavaco também nunca reconheceu que, por vezes, ele tinha razão). Mas, para o país, a indiferença com que o governo trata o presidente (veja-se o caso da lei do pluralismo e da não concentração dos meios de comunicação social, vetada por Cavaco com a indicação de que não é urgente, levada pelo PS a nova votação tão depressa quanto conseguiu, sem efectuar alterações significativas) e todas as vozes críticas é, no mínimo, assustadora. Sejamos francos: o espírito democrático nunca desceu verdadeiramente sobre portugueses com poder.
Ponto três: há quem absolva Sócrates com o argumento de que Cavaco seguiu as mesmas receitas. Precisamente. Por isso sabe do que fala. Por isso estava farto do PSD no final da segunda maioria absoluta. Cavaco aprovou o estatuto da função pública, que levou ao "monstro". Cavaco não conseguiu evitar que, então como agora, uma súcia de parasitas infestasse o estado. Cavaco apostou no investimento público. Mas, ainda assim, há algumas diferenças. Os funcionários públicos ganhavam mal. Permitir-lhes um melhor nível de vida teria sido justo se depois se tivesse controlado o seu número. Bastava isso. Mas o próprio estatuto, as subidas automáticas de escalão, os aumentos salariais, tudo deveria ter sido revisto quando as nuvens começaram a escurecer. Guterres não teve coragem. Ficou a ver a chuva transformar o país no famoso "pântano" (a imagem é fraquinha mas o assunto não me inspira melhor). Para finalizar, e no que respeita ao investimento público, quando Cavaco chegou ao poder não havia auto-estrada para o Algarve. Da auto-estrada Lisboa - Porto existia metade. Agora temos duas e parece que vai ser construída uma terceira.
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